segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O psicodrama das obras públicas

Há uns meses atrás, assisti no auditório da estação do metro do Alto dos Moinhos a uma mesa redonda sobre um tema candente: as prioridades nos investimentos previstos para as Obras Públicas. O evento foi promovido pela Adfer, a Associação dos Amigos do Caminho de Ferro. Na mesa, três economistas, estavam em maioria: Eduardo Catroga, António Mendonça (à época ainda não era Ministro das Obras Públicas) e Victor Bento. Ao team dos engenheiros pertencia o anfitrião, Mário Lopes, da Adfer, acompanhado por Fernando Santo, o bastonário da Ordem.

Disse-se que o TGV para Madrid foi negociado à pressa. Que ele interessa sobretudo aos espanhóis, correndo nós o risco de passarmos a ser mais uma região autónoma de Espanha. Que o mesmo não será rentável, tendo em vista a escassa utilização da auto-estrada A6. E que a situação económica do país não aconselha a sua construção. Diz Catroga, Bento reforça: - Não se construa, pelo menos para já!

Discorda Mendonça: - Pois construa-se! É uma oportunidade a não perder, porque o pior é ficarmos parados! Vejam só o que teria sido, se não se tivesse construído a ponte 25 de Abril! Vamos deixar aos nossos filhos o passivo, é certo, mas vamos deixar-lhes também os activos! Olhem para o caso da Irlanda, não quis fazer auto-estradas, investiu na tecnologia e na educação, e agora está pior que nós. E ainda por cima não tem obra feita.

Uma voz na assistência chama à colação a “falácia” do novo aeroporto, e logo explana o conceito: é uma mentira apresentada como se fosse uma verdade. Quando a verdade é que a procura de passageiros está a diminuir. - Aguente-se a Portela, temos tempo! Façam-se os estudos de pormenor para evitar derrapagens nos custos!

- Nada disso – alguém replica -, haja juízo, o aeroporto é a nossa janela para o mundo, temos de o construir, pensemos no turismo! - Pois que se faça – já concedera a Adfer - mas corrija-se o absurdo da TTT (terceira travessia do Tejo) para o Barreiro! Lance-se a nova ponte para o Montijo, mais directa, mais barata, mais elegante, e leve-se a linha do Norte pela margem esquerda até alturas de Santarém!

Algum consenso chegou quanto às novas auto-estradas: acabar com exageros, e considerar apenas as excepções. E, se é verdade que o plano rodoviário só está cumprido em 60%, também é verdade que a dívida externa, de 60% do PIB há dois anos, ronda agora os 100%.

Consenso existiu também, no mais simples e trivial: as exportações portuguesas para a Europa além Pirenéus, através da ferrovia, valem zero, por causa da bitola ibérica que é diferente da europeia. Mude-se pois a bitola para a da rede europeia, refaça-se a ferrovia pelo caminho natural para a Europa por Vilar Formoso, e negoceie-se com urgência a continuação espanhola, entre Fuentes e Valladolid. Porém esta questão, que deferia ser prioritária, parece arredada da discussão, nas mais altas instâncias governamentais.

Registe-se ainda um alerta do bastonário da Ordem dos Engenheiros: Portugal importa 85% da energia que utiliza, e 75% dos bens alimentares que chegam às nossas mesas, uma vez que se destruiu o sistema produtivo no sector agrícola e nas pescas. Estamos falidos e pobres, mas temos ambições de ricos, parecia querer dizer. Foi, na minha opinião, o momento mais alto da sessão.

Catroga, professor, ensinou ainda que a ultima vez que Portugal teve uma balança comercial positiva foi no inicio dos anos 40, durante a guerra. Que a década terminada em 2007 foi, em termos de crescimento, a pior dos últimos 80 anos. E que só em 2014, na melhor das hipóteses, o nosso PIB vai regressar aos valores de 2007. No meio da discussão entre dois economistas, que avaliavam o impacto futuro das obras públicas no PIB, falava um de 0,1%, enquanto o outro subia a parada para 8,3%. Aqui fica o registo, apenas para ilustrar a ordem de grandeza da baralhação.

Estas coisas só acontecem assim, concluo eu, porque falta às elites dirigentes uma estratégia para o país. Uma linha geral, um rumo, uma orientação colectiva. Aos políticos apenas preocupam as próximas eleições. Os economistas e engenheiros fazem lembrar autistas centrados no umbigo. Faltaram juristas no debate, é verdade, a esgrimir subtilezas retóricas. Para os cidadãos restantes, sobra apenas o conselho de Einstein: se querem resolver um problema, não confiem a solução àqueles que o criaram.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Automóveis eléctricos

Contrariamente ao que sucedeu na informática ou nas telecomunicações, a tecnologia dos transportes e o motor de combustão interna pouco evoluíram nos últimos 100 anos. Mas podemos estar a viver no limiar de uma grande transformação: o surgimento do veículo eléctrico rodoviário, como forma massiva de transporte de passageiros, para substituir o automóvel a gasóleo ou gasolina.

Neste momento parecem estar finalmente criadas as condições técnicas e políticas, sem dúvida originadas pela degradação económica que se vive a nível global, para que se dê esse salto tecnológico. As modernas baterias de iões de lítio, com elevada capacidade de armazenagem e com um impressionante número de 7000 ciclos de carga, poderão ter uma vida útil de mais de 200.000 km. O veículo eléctrico ainda estará longe do desempenho dos actuais, mas parece que se vai no bom caminho. As vantagens são a maior eficiência energética, menos poluição e manutenção mais barata.
O passo seguinte será assegurar uma boa rede de abastecimento dos veículos, incluindo cargas rápidas (apenas alguns minutos) em estações de alta voltagem, e garantir uma produção eléctrica ajustada à nova realidade.

Um automóvel propulsionado por um motor eléctrico consumirá 200 watt-hora de energia por quilómetro. Contas feitas, os cerca de 5 milhões de veículos ligeiros de passageiros do nosso parque automóvel, circulando em média 12.000 km por ano, consumirão cerca de 12 Terawatt-hora de energia eléctrica, que é um quarto da que se consome em cada ano actualmente em Portugal.

Não considerando as perdas resultantes da sua integração na rede e no transporte, esta energia não andará longe daquilo que pode ser a produção de uma central nuclear de 1,5 Gigawatt de potência. Ou, em alternativa, a que produzem 5.000 turbinas eólicas de potência média de 1 Megawatt e um factor de rendimento de 30%.
Na situação actual, o consumo dos automóveis ligeiros de passageiros do nosso parque é assegurado pela refinação de uns 100.000 barris de petróleo por dia, cuja combustão lança para a atmosfera mais de 30 mil toneladas de CO2.

A electricidade não é uma energia primária, pois não existe na natureza. Tem de ser produzida. Ela é, contudo, a forma mais conveniente de agregar e distribuir todas as outras formas de energia. Para satisfazer a procura em cada minuto do dia, a gestão da produção tem que ser feita de forma centralizada: por exemplo, fechar as turbinas hidráulicas quando sopra o vento, ou abri-las em dias de calmaria.

Por isso a rede eléctrica será certamente o principal suporte da energia no futuro. Muitas serão as energias primárias a contribuir para aquilo que já se designa como smart-grid: barragens, centrais térmicas a carvão, a gás ou biomassa, turbinas eólicas, painéis solares, ou até, quem sabe, uma central nuclear localizada algures em Espanha.

Perante as várias alternativas, há que escolher as formas mais adequadas: mais baratas, menos poluentes, mais seguras e mais complementares em termos de intermitência. Isto é, que melhor se complementem aquando da interrupção conveniente das outras formas de produção. A energia eólica tem ganho uma grande importância e tem vindo a afirmar-se como uma solução viável e cada vez mais adoptada. Presta-se bem a ser combinada com a produção hidráulica, e isso é uma vantagem para Portugal.

Mas, perante as fragilidades que se podem antever para o gás natural, assaz exemplificadas com o recente (e ainda actual) diferendo entre a Rússia e a Ucrânia, o carvão e o nuclear continuarão a ser a base da produção de electricidade, e a opção entre as duas terá que ser discutida, mais tarde ou mais cedo. E quanto mais cedo melhor.

A actual civilização está num importante e complexo ponto de viragem, de que a presente crise económica e financeira é apenas um sinal. Estamos no zénite da era fóssil, e o mundo começa a sentir a urgência de se preparar para sobreviver ao esgotamento, a breve prazo, dos recursos energéticos que moldaram a nossa maneira de viver nos últimos 150 anos.