segunda-feira, 29 de março de 2010

Novo aeroporto sim, mas devagar!

Ao afectar seriamente o sector do transporte aéreo, a actual situação de crise veio baralhar os planos de construção do novo aeroporto de Lisboa. Já tinha acontecido algo de semelhante em 1973, na sequência do primeiro choque petrolífero, quando Marcelo Caetano lançou os primeiros estudos sobre potenciais locais alternativos à Portela. Nessa altura não se passou das intenções.

Nas últimas décadas, e até ao advento da crise, o sector do transporte aéreo cresceu muito acima da economia global. De acordo com dados apresentados pelo comandante Cristopher Smith, da British Airways, nos dez anos anteriores a 2008 o sector cresceu 2,4 vezes mais depressa do que o PIB mundial.

Isso verificou-se também em Portugal. Entre 2003 e 2008, o crescimento do número de passageiros na Portela foi espectacular. Nesse período o tráfego anual passou de 9,8 para 13,6 milhões de passageiros, a que corresponde uma taxa anual de crescimento de 6,9%. E foram precisamente estes números que apressaram a decisão de construir um novo aeroporto em Lisboa.

Mas a crise que agora atravessamos (cujo fim se não descortina) alterou radicalmente a situação. Em 2008 o crescimento anual de passageiros na Portela foi apenas de 1,6%. E em 2009, contrariando previsões anteriores que apontavam para um crescimento de 6%, houve mesmo um decréscimo de 2,6%. A crise no sector é mundial e generalizada. E nos próximos anos, a existir alguma recuperação, tudo indica que será muito lenta.

De acordo com noticias recentes, há quem se esforce por fazer crer o contrário. O presidente da ANA entende que a crise actual apenas reduzirá o crescimento anual médio do tráfego de 4,0% para 3,9% nos anos futuros; e que, em 2017, a Portela registará 18,0 milhões de passageiros, e não 18,7 como indicavam os anteriores estudos. Afirma mesmo que esta é uma previsão conservadora. E diz isto para concluir que o actual aeroporto estará a "rebentar pelas costuras em 2017", e que "não há dúvidas quanto à necessidade e urgência de construir um novo aeroporto".

Porém, não é só a crise económica que vai condicionar depressivamente a procura do transporte aéreo. A previsível escassez de petróleo e o elevado preço da matéria-prima (afinal uma das razões principais da crise que o mundo atravessa) terá fortes implicações no futuro do transporte aéreo e nos sectores da economia que lhes estão associados. Com efeito, a dependência dos combustíveis líquidos derivados do petróleo é particularmente elevada – deve mesmo dizer-se total – no sector aeronáutico, pois não existem alternativas energéticas ao fuel usado nos aviões. Está fora de questão, num futuro próximo, a utilização de hidrogénio, de energia eléctrica ou nuclear, para propulsionar aeronaves comerciais.

Face à alteração de pressupostos, estamos perante a urgente necessidade de reavaliar a decisão sobre a construção de um novo aeroporto. E dois são os dados-chave para fundamentar essa decisão: saber qual o tráfego crítico de saturação da Portela, e estimar a taxa de crescimento desse tráfego nos próximos anos.

Admitamos, sem contestar, que a saturação da Portela se atinge nos 18 milhões de passageiros/ano. A uma taxa de crescimento médio anual de 4%, esse valor de saturação será atingido em 2017. Mas para taxas de crescimento de 3%, 2% ou 1%, os anos de saturação serão, respectivamente, 2020,2025 e 2040.

Pessoalmente, acredito que taxas de crescimento entre 1% e 2% são realistas, e consentâneas com a previsível evolução do PIB português. Fixe-se pois o ano de 2030 como ano-meta para ter Alcochete pronto a receber aviões. E vá-se planeando e construindo, devagar e bem como convém, sem megalomanias nem derrapagens de custos. À medida das nossas possibilidades.

segunda-feira, 8 de março de 2010

TGV não,obrigado

A construção de uma linha férrea de alta velocidade entre Madrid e Lisboa pode fazer algum sentido para Espanha pois ela reforça a centralidade ibérica de Madrid. Mas para Portugal tal ligação não faz nenhum sentido. Não vai gerar tráfego que economicamente a justifique, nem vai resolver o problema de abrir uma via de escoamento das mercadorias portuguesa para a Europa. Além disso, vai fazer com que mais empresas desloquem os seus escritórios centrais para Madrid. Este é um projecto espanhol, que vai ser gerido por espanhóis, que terá material circulante espanhol, e até o pessoal afecto à exploração será também espanhol. E suspeito que as ementas do restaurante aparecerão escritas apenas no idioma de Cervantes.

Uns números que eu fui buscar à Internet, mais precisamente a um estudo publicado no insuspeito “site” da Rave, mostram que o tráfego total previsível para o percurso entre as duas capitais será, em 2033, de cerca de 1,6 milhões de passageiros ano, e que 36% desse tráfego será, naquela data, afecto ao transporte ferroviário. O referido estudo fala, é certo, de um tráfego global de 9 milhões de passageiros mas estes são os números do tráfego intermédio, como, por exemplo, entre Lisboa e Vendas Novas ou entre Talavera e Madrid. Mas este não é o tráfego que interessa ao TGV, e estes números só servem para criar confusão ou tentar justificar o injustificável.

Feitas as contas, o estudo conclui que em 2033 haverá 576,000 passageiros por ano (ou seja, 1600 por dia) a fazer o percurso de comboio entre as duas capitais ibéricas. Não vi no estudo como foi estimada a evolução temporal deste tráfego, mas acredito que tenha sido de forma optimista e exponencial, como de costume, para justificar o investimento. Mas admitamos, com benevolência, que nos primeiros anos da vida do projecto serão 1000 passageiros por dia, 500 em cada sentido. Ora isto corresponde a um comboio de 8 carruagens com 60 passageiros cada, a fazer diariamente um percurso de ida e outro de volta.

E, para agravar as coisas, convém lembrar que estes passageiros serão roubados ao novo aeroporto e, uma boa parte deles, à transportadora aérea nacional numa ligação que acredito seja de boa rentabilidade. E vamos nós, em tempo de vacas magras, construir uma linha (que ainda por cima não é dimensionada para o tráfego de mercadorias) e uma nova ponte sobre o Tejo para transportar mil passageiros por dia! Afinal grandes custos e fraco benefício.

Vem a propósito de mercadorias, referir que, viajando pela Beira, num domingo de Fevereiro passado, em apenas meia hora, entre as 11 e 11,30 da manhã, eu contei 80 camiões TIR na A25 entre Guarda e Vilar Formoso. E apenas no sentido da saída de Portugal.

É este o caminho natural de Portugal para Europa. Muito do tráfego de mercadorias que utiliza esta ligação rodoviária poderia ser feito por caminho-de-ferro, com economia de meios, de pessoal e de energia. Mas não pode porque a linha férrea acaba em Irun, na fronteira entre a Espanha e a França. A partir de daí a linha francesa é mais estreita (tem a bitola europeia), e os comboios não podem ir mais além sem um inconveniente transbordo. É por essa razão que não se transportam mercadorias de Portugal para a Europa por caminho-de-ferro. E depois de construída a linha do TGV para Madrid a situação não mudará, pois a linha é só para passageiros, e o caminho por Madrid não é o que interessa ao escoamento das mercadorias portuguesas.

Negoceie-se pois com os espanhóis a urgente e prioritária construção de uma linha de bitola europeia pelo percurso da linha da Beira Alta e com seguimento por Valadolid e Burgos até à fronteira francesa. A pensar nas mercadorias, claro. Nas mercadorias que necessitamos de importar e de exportar para lá dos Pirenéus.
Não será com o TGV para Madrid que Sócrates ganhará direito a estátua ou a nome de rua. Só se for em Madrid ou Badajoz.