segunda-feira, 19 de julho de 2010

A terceira via

O debate político, promovido pelo Partido Socialista, está a focalizar-se na discussão à volta de duas vias alternativas para enfrentar a crise: "neoliberalismo" versus “defesa do modelo social”. Defendem os dirigentes do PS a via da "manutenção e desenvolvimento do modelo social", e apontam os pecados do neoliberalismo, que condenam e rejeitam. E aproveitam para “colar” a etiqueta de “neoliberalista” ao principal partido adversário: o PSD.

A matéria tem sido aflorada de forma recorrente nas iniciativas partidárias do PS a que temos assistido neste Verão, e o discurso, repetido com poucas variações, obedece a uma linha predefinida e coerente. Até Mário Soares, no seu artigo semanal de opinião no DN de 13 Julho, não hesitou em reduzir a questão da saída da crise àquela dicotomia, e escreveu a propósito: “A necessidade prioritária (é a ) de manter e desenvolver o modelo social europeu… e só depois - mas em segundo lugar - reduzir os deficits externos e o endividamento, público e privado, como sugere o Banco Central Europeu, influenciado pelo economicismo neoliberal”.

Ao eleger esta dualidade de opções para eixo central da sua estratégia, e ao trazê-la para o terreiro do debate, os referidos políticos parecem querer convencer-nos que estas são as únicas alternativas, as duas únicas opções que temos pela frente, e que vamos ter de optar por uma delas. Mas, na minha opinião, estão enganados. Estas vias não são alternativas, são as duas faces de uma mesma moeda. Trata-se de uma forma de iludir a verdadeira questão, que consiste em aprofundar a compreensão da crise e identificar as suas causas.

O chamado “modelo social europeu” é, numa leitura economicista, o resultado da política neoliberal - dos últimos 65 anos, correspondentes ao período do pós-guerra -, cujo sucesso assentou no abandono do proteccionismo, na globalização e na livre concorrência, e que permitiu, em resultado de um crescimento contínuo do PIB europeu, criar os excedentes que alimentaram e ainda alimentam o tal modelo social. A própria Europa, a que nós pertencemos, construiu-se sobre este modelo, e a sua força assenta sobre o seu sucesso.

Vir agora, com fazem os dirigentes do PS, defender o modelo social europeu e, ao mesmo tempo, negar os fundamentos económicos que o sustentam, é a mesma coisa de que querer preservar o telhado de uma casa, e deitar abaixo as paredes que o suportam. Ora é mais do que certo que quando as paredes ruírem, o telhado virá atrás delas. Mais defensável, mesmo que pouco recomendável, seria manter as paredes de pé, e deitar o telhado abaixo.

Mas poderemos atribuir o sucesso económico das últimas décadas apenas ao "modelo" de organização do sistema produtivo, quer ele se chame de capitalismo, liberalismo, ou simplesmente “economia de mercado” ?
Poderemos, por exemplo, ignorar o input tecnológico, o input energético, e o problema dos recursos (incluindo os humanos!), que são externalidades do modelo? A resposta é não. E a via a seguir consistirá em adequar o modelo aos recursos disponíveis, e para isso temos de procurar a solução fora dele. A esta, chamo eu a terceira via.

A situação actual da economia lembra um potente automóvel que de repente deixou de andar. E o condutor faz tentativas desesperadas para o pôr a trabalhar. Discute-se à volta, e um diz que será necessário olear as engrenagens, enquanto outro reclama que o mais importante é manter o ar condicionado a funcionar. Até que alguém descobre que o problema é a simples falta de gasolina, e que não há nenhuma gasolineira ali por perto.
Neste caso, a terceira via é ir a pé.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Como "não" será o mundo daqui a cem anos

Há umas semanas atrás, eu escrevi aqui sobre a forma como os nossos avós e bisavós imaginavam o mundo de hoje. E ficou claro que havia naquele imaginário uma crença profunda num mundo melhor, mais organizado, mais fácil, menos poluído, mais livre de doenças e de pragas. Os homens e mulheres do futuro seriam, na opinião dos nossos avoengos, mais felizes, e o mundo iria transformar-se numa espécie de paraíso terrestre.

As previsões de há cem anos inspiravam-se na crença de que a evolução tecnológica e o progresso do conhecimento não teriam limites, e que ao desvendar os segredos das Ciências e ao dissecar as células microscópicas, o Homem iria explicar as origens da Vida, e penetrar nas profundezas da Alma. E adquirir a sapiência e o poder, que antes só eram atributos dos deuses.

Mas o mundo dos últimos 100 anos não teve aquela "suave" evolução que se esperava. Foi antes uma espiral de acontecimentos contraditórios, em que os sucessos eram, muitas vezes, submergidos pelos insucessos. Descobrimos a penicilina, é verdade, mas tivemos o holocausto, eliminámos a varíola, mas viu-se massacrar gente, em África e noutras partes do mundo. Produzimos e consumimos mais e andamos mais depressa, mas estamos, por causa disso, a esgotar os recursos e a destruír o ambiente. Libertámos a energia do átomo , e com ela já matámos pessoas; descobrimos o ADN, e já "manipulámos" genes de animais e plantas.

E quando parecia que estávamos a atingir o paraíso, vimos o planeta reagir furioso parecendo contrariar o nosso desejo. Surgiram, quando menos se esperava, os tornados, os furacões, as enchentes, e enfrentámos o aquecimento global. E o planeta até já se nega a que lhe retirem das suas entranhas o “sangue” negro que alimentou a nossa expansão, o “excremento do diabo” como alguns já lhe chamaram.

Por isso eu não me atrevo a fazer previsões para os próximos 100 anos. Já me contentaria que alguém mas mostrasse para os próximos 10 anos. Porque, acredito, muita coisa se irá decidir neste curto prazo. Mas só pensar naquilo que "não" poderá acontecer no século que temos pela frente, já se torna preocupante. E isso eu posso prever:

  • A população “não” poderá voltar a multiplicar por quatro, como aconteceu nos últimos 100 anos.
  • O aumento progressivo da concentração de CO2 na atmosfera “não” pode continuar.
  • "Não" se podem continuar a destruir espécies como temos feito até agora.
  • O consumo de energia fóssil, barata e abundante, “não” continuará a crescer.
  • "Não" se poderá continuar a desperdiçar recursos escassos, a começar pela água.
  • Os economistas “não” vão ser capazes de resolver os problemas económicos do mundo.

Não queiras prever o futuro das coisas
Elas são imprevisíveis!
A fronteira entre a ordem e o caos
É o bater das asas de uma borboleta...
A amena fogueira dá lugar ao incêndio devastador
A brisa suave dá lugar ao tornado assustador
A chuva serena dá lugar à enchente destruidora
E ao doce crepúsculo, segue o dia claro ou a noite de trevas...