segunda-feira, 30 de abril de 2012

Abril, Abril

Os militares da Associação 25 de Abril, agora na reforma, mostraram-se indignados com a política do atual Governo que eles acham contrariar o espirito da Revolução dos Cravos. No entanto, trinta e oito anos passados sobre as conquistas da revolução muita coisa mudou, e os capitães de Abril parecem não entender essas mudanças...

O mundo de 1974 estava ainda a digerir as alterações geopoliticas que se tinham verificado com o acesso de inúmeros países à independência. Era o auge da Guerra Fria, havia dois sólidos blocos, liderados pela América e pela União Soviética. A Indochina  era um território em disputa. No Médio Oriente, Israel media forças com os países arábes que no ano anterior tinham decidido o boicote à exportação de crude, facto que iria estar na origem do primeiro choque petrolífero.

Não foi o 25 de Abril que mudou Portugal. Foram as circunstâncias de um mundo em mudança que se refletiram em Portugal. O regime caiu de podre, e, se não tivesse caído a 25, cairia a 26. Tal com aconteceu na vizinha Espanha, os ventos sopravam de outros quadrantes, e a descolonização e democratização eram inevitáveis. E o desenvolvimento, prometido (e garantido) pela globalização, estava ali ao virar da esquina! Bastava entrar no comboio que estava a passar à nossa porta.

Inevitável também seria a integração numa Europa que via deslocar-se para outras áreas o centro de gravidade do poder mundial, e  procurava, ela própria, a forma e os princípios para se governar no novo contexto. As conquistas de Abril, o acesso ao conforto, o aumento de poder de compra, o alargamento do Estado Social foram a consequência natural de um tempo de progresso económico que varreu o mundo mais desenvolvido.

Com o 25 de Abril, Portugal ganhou e perdeu: ganhou prestígio e apoio internacional, libertou-se de uma guerra perdida; mas perdeu progressivamente a sua independência, a sua capacidade de produção agrícola e industrial. Embarcou no navio da globalização e não acautelou a defesa dos seus parcos haveres para o dia em que os credores lhe batessem a porta. Como está agora a acontecer.

Abril deu-nos homens que revelaram sabedoria, e alguns são até exemplos de rigor e de patriotismo. Mas não estiveram os militares de Abril vigilantes quando Portugal se endividou, quando viveu acima das suas posses, quando relaxou a justiça, quando os fumos da corrupção se elevaram no ar. Não podem, pois, os militares de Abril reivindicar a autoria da História.

Eles, é certo, precipitaram os acontecimentos, mas foram os atores duma peça que já estava escrita.

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