segunda-feira, 14 de maio de 2012

A França e Hollande


Nas eleições presidenciais em França, tal como era esperado, a corrente socialista venceu a corrente mais conservadora. A senhora Le Pen não deu indicação de voto para a segunda volta, por que não quis dividir e desperdiçar o seu capital eleitoral, e prepara-se agora para as legislativas, onde poderá voltar a surpreender. Com a pompa e circunstância próprias da velha república, François Hollande será, pois, dentro de dias, "consagrado" como novo presidente dos franceses.

Numa Europa ainda em construção e no contexto da crise actual, o caminho da governação dos países que a integram (muito em particular os do Eurogrupo) é muito estreito. As opções são poucas, considerando que a primeira prioridade é evitar a rutura do sistema (sobretudo do sistema financeiro), e, ao mesmo tempo, manter a paz social. Os políticos e os governantes estão colocados perante  um dilema: de um lado a está a economia, do outro lado estão as pessoas. Ora, a economia para funcionar precisa de ter garantidos certos pressupostos os quais muitas vezes vão contra o interesse das pessoas. E os governantes têm de fazer escolhas, e são quase sempre obrigados a optar entre salvar  a economia ou satisfazer os interesses das pessoas.

Questionam-se agora os analistas sobre o que mudará, em França e na Europa, com a chegada de Hollande que sucede a um desajeitado e truculento Sarkozy.  Importa pois refletir um pouco sobre o que se ganhará  e se perderá com Hollande na presidência da França.

Posso imaginar que uma das primeiras preocupações do novo presidente será atuar no sentido da  redistribuição da riqueza, o que, no quadro das leis e da política europeia, só pode ser conseguida pela via fiscal, que é sempre um pau de dois bicos. A mesma fiscalidade que redistribui a riqueza pode contrariar a retoma do crescimento económico e até afetar negativamente a estabilidade financeira que este requere.

Manter as regalias do estado social é outra das matérias que estará em discussão. Dizem muitos (lembro-me, por exemplo, de Mário Soares!) que o estado social é, na Europa, uma conquista irreversível, e que não pode ser questionado. Mas o direito à habitação, o direito ao emprego, o direito à saúde, o direito à educação, num quadro de respeito pelos direitos fundamentais, só podem ser assegurados pela Economia e não pelo Estado.  E a economia é cega e não tem humanidade!

Liberalizar as leis laborais será outro dos dossiers polémicos de Hollande, e, também gerador de polémica, pois essa liberalização é uma exigencia para a Economia e uma contrariedade para os assalariados. Limitar ou condicionar a  imigração será uma das bandeiras da direita mais conservadora que apelará para conceitos de nacionalismo e autoridade, apelando para a emotividade que lhes está associada.

O objetivo primordial, repetido à exaustão, será o de fomentar o crescimento económico. Existe uma curiosa e, para mim estranha, concordante coincidência, por parte dos analistas oriundos de todos quadrantes políticos, sobre este ponto. Nos "mass media", ainda não apareceu ninguém a defender, de forma consistente, uma economia sem crescimento. E este é o cerne da questão, pois crescer é o único objetivo que serve simultaneamente a "esta" economia, - por relançar o crédito e os investimentos -, e às pessoas - por ser gerador de emprego.

E se o crescimento for, como parece ser, uma miragem?! Na ausência de crescimento não se irá resolver o acutilante o dilema que opõe a economia às pessoas. As tensões entre adeptos de diferentes soluções vão agravar-se, e as pessoas vão estar cada vez mais contra a economia. Ora como nas democracias as pessoas é que contam, e não é conveniente mexer com as pessoas, só restará mudar a economia. E os decisores actuais  não sabem como fazê-lo sem mudar as regras da livre concorrencia, da livre circulação de capitais, numa palavra, sem tocar nos fundamentos da doutrina capitalista. Eu julgo que não sabem e que também não o querem fazer!

O projeto europeu corre sérios riscos, e um desentendimento entre Merkel e Hollande pode colocá-lo em causa. Merkel vai continuar a defender a economia; Hollande já prometeu que vai defender as pessoas. Ambos estão certos, à sua maneira. Mas poderão seguir caminhos divergentes e inconciliáveis. A Europa pode estar a aproximar-se da hora da verdade. E no terreno da confusão sobram vantagens para a Senhora Le Pen.




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