segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A Crise numa Perspetiva Civilizacional

A crise atual é considerada por muitos uma crise financeira, e por outros uma crise económica. As suas causas são atribuídas, umas vezes à crise chamada do subprime que teve lugar nos Estados Unidos em 2007, e que rapidamente se espalhou a outras regiões, mas outras vezes a crise é atribuída ao excesso de endividamento de certos países, nomeadamente países da Europa do Sul, e até há que atribua a crise ao fulgurante desenvolvimento da China e de outros países como a Rússia, o Brasil, Índia, os designados países BRIC a que se acrescentam outros países como sejam a a Indonésia, a Turquia e a África do Sul, que nos seu conjunto são designados de "países emergentes".

Mas as origens e as causas da crise são muitas vezes relacionadas com a escassez e altos preços das matérias primas, entre as quais se destacam o petróleo, o gás natural e o carvão, os chamados combustivéis fósseis, e embora em menor número, há quem associe a crise às modificações climatéricas as quais estarão, por sua vez, associadas a fenómenos tais como furacões, tornados, cheias, secas, etc.

A crise que afeta o mundo é uma crise complexa, resiliente, e não é fácil de explicar. Talvez por isso tem sido tão difícil para os governantes e para os economistas encontrar a saída para ela. Pela sua complexidade e pela sua persistência em manter-se ─ e até agravar-se ─ vamo-nos dando conta que esta não é uma crise como as outras. De facto, as outras eram passageiras, eram um assunto quase só de economistas e outros especialistas. Esta, ao contrário, mexe connosco. Deixa-nos a pensar na manutenção do nosso emprego, a conjeturar sobre a segurança das nossas poupanças, e deixa-nos, sobretudo, preocupados com o futuro dos nossos filhos. Afinal, o que é, e donde vem este monstro que encontramos em toda a parte, e nos persegue para todo o lado?

Mais do que uma crise cíclica do nosso sistema económico, esta é uma crise civilizacional, uma crise que põe em causa os próprios fundamentos da nossa forma de viver. Dizem-nos que já se vislumbram sinais a indicar que, em breve, tudo voltará ao normal, isto é, a ser como dantes. Mas apesar das medidas que, por toda a parte, são tomadas para o relançar, o almejado crescimento emperra, e a retoma demora em aparecer.

Com efeito, o pressuposto indispensável do nosso sistema económico – podemos chamar-lhe capitalismo, economia de mercado ou liberalismo económico ─ é o seu crescimento continuo. Com efeito, quer se trate da riqueza, do consumo ou do bem-estar e do conforto que lhe estão associados, todos falam em crescimento. Nos últimos 100 anos nós assistimos a esse crescimento continuo e exponencial, mais acelerado e consistente nos 65 anos que passaram desde o final da segunda guerra mundial. E de tal forma nos habituámos a ele que se criou a falsa ilusão de que seria eterno.

Nesse século de grande prosperidade – até há quem lhe tenha chamado a Idade de Ouro – vimos nascer o conceito de Globalização. Foi um período único e extraordinário de desenvolvimento económico, durante o qual diminuiu a mortalidade infantil, aumentou a esperança de vida, e quadruplicou o número de seres humanos à face do Planeta.

Foi uma época durante a qual se abandonaram os campos e se sobrepovoaram as cidades, algumas transformadas em imensas megapólis que o elevador, movido pela magia da electricidade, fez crescer na vertical. A construção civil fez maravilhas, e o progresso tecnológico deslumbrou-nos. O automóvel, permitindo uma grande mobilidade, criou o subúrbio e fez surgir o Centro Comercial. O avião aproximou países e culturas. O turismo foi o resultado dessa mobilidade, mas também a consequência de uma economia de excedentes.

As ondas hertzianas levaram a televisão a todos os recantos do planeta. Televisão que aproximou as pessoas, nivelou as aspirações e até os gostos. A revolução informática e a Internet trouxeram uma nova literacia e a interactividade na forma de comunicar. O conforto dos lares atingiu valores nunca antes suspeitados pelos nossos avós. E de tal forma se generalizou, que a mais humilde dona de casa dispõe hoje de serviços que antes só uma vasta equipa de empregados ou de escravos proporcionava.

E o cidadão foi transformado em consumidor, e foi elevado agora à condição de centro e motor de toda a economia. Mas chegou o momento de questionar os fundamentos da crise e reavaliar os remédios que nos propõem para a resolver. E, a partir daí, encontrar soluções mais eficazes e duradouras.

Começa a instalar-se nas mentalidades mais esclarecidas a ideia de que se estão a atingir os limites (nos recursos e na capacidade do Planeta), e não é possível assegurar, para o futuro, o crescimento exponencial das últimas décadas. E que não podemos continuar indefinidamente a incentivar o consumo como forma de estimular o crescimento pois não será esta, seguramente, a forma de sair da crise.

Temos de, com urgência, procurar outras alternativas para continuar a assegurar prosperidade à raça humana. E se isso não for possível pela via material, terá de sê-lo pela via espiritual.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

A Sociologia da Crise

A experiência foi realizada por cientistas na  Universidade Emory (EUA) e pode contar-se em breves palavras. Dois símios, em jaulas contíguas, são premiados pelas tarefas que executam com rodelas de pepino. Um dia o tratador resolve dar a um deles bagos de uva, um alimento  que eles apreciam muito. O resultado foi que o macaco que continuou a receber as rodelas de pepino revoltou-se, recusou-se a executar as tarefas e devolveu, irado, o alimento ao tratador. Ou seja, entrou em greve, e insurgiu-se.  Para Eduardo Ottoni, especialista em macacos, da Universidade de S.Paulo, a experiência não mostra  que os primatas tenham “sentido de justiça" (sense of fairness). É mais correto falar em "sentido de recompensa justo".

Eu acho que na sociedade dos homens existe um grande paralelo com este comportamento dos macacos. Nas empresas, os aumentos de salário são reclamados, não por serem altos ou baixos, mas por que são comparados como o dos companheiros de trabalho. A revolta dos "indignados"  tem a ver com a percepção das desigualdades, e, infelizmente, tudo parece indicar que o sistema económico que nos rege atualmente não vai ser capaz de resolver o problema.

Tudo corre bem quando substituímos os pepinos por uvas, quando as coisas vão em frente. O pior é quando temos de voltar para trás, quando entramos em períodos de recessão, e temos de deixar as uvas e voltar aos pepinos. Conheço uma alentejana, licenciada na labuta diária da vida, que tem uma visão filosófica sobre o futuro. Diz ela que "nós viemos do mau para o bom; mas os nossos filhos e os nossos netos estão a ir do bom para o mau, e esse será o drama deles ". Ou lembro-me das sábias palavras do meu pai: "Vejo o mundo atual tão diferente daquele em que eu me criei que às vezes até me custa a acreditar como é possível haver tanta coisa para tanta gente. Na minha infância, nós aproveitávamos as coisas até ao limite: os fatos, as camisas, os sapatos nada se estragava.  Os jovens de hoje têm a água quente a sair da torneira, o conforto de uma casa de banho, e poucos sabem o trabalho e as voltas que dá um grão de trigo antes de se transformar numa fatia de pão."

Nesta nossa "idade do ouro", como lhe chamou o almirante Hyman Rickover, acedemos a benefícios   e níveis de conforto que nunca em tempo algum da história tinham sido alcançados. Mas existe um problema material sem solução. O aumento populacional e a escassez de recursos, apesar dos avanços tecnológicos, faz com haja cada vez menos bens a dividir por cada vez mais pessoas. Estamos confrontados com o dilema de Malthus, ou seja a dissonância entre a a estagnação dos recursos e o aumento populacional.

Teremos, pois, de aceitar este andar para trás, e isso não vai ser nada fácil. O sistema económico que temos não funcionará, pois vai estimular e agravar as desigualdades. E o sistema financeiro que foi desenhado para o crescimento contínuo, corre o risco de colapsar.  E para piorar as coisas, existem fatores agravantes, dos quais destaco a complexidade da economia que aumenta riscos de ocorrências de disrupção, a globalização que criou interdependências entre países (se um colapsar, colapsam todos!), e o papel da comunicação social que estimula, amplia e cataliza as reações das pessoas.

Vamos continuar a viver no fio da navalha. Até quando, não sabemos. E num previsível retrocesso civilizacional de que falava Duncan, haverá que esperar comportamentos sociais anómalos, e haverá muita matéria  para ser objeto de estudo pelos sociólogos.