segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Rio Vivo


S. Pedro do Rio Seco tem uma associação de um novo tipo, a Associação Rio Vivo. É uma associação inspirada nos princípios da transição que pretende contrariar a desertificação e o abandono das aldeias do interior beirão. No passado dia 20 de janeiro, tomaram posse, na sede da Associação, os seus novos corpos sociais. A nova direção é liderada pelo Bruno Gomes, um jovem veterinário que  se fixou na aldeia no ano passado, depois de vencer o prémio Riba Côa que a Fundação Vox Populi instituiu e vem promovendo desde há quatro anos. Com a eleição dos novos dirigentes encerra-se um ciclo iniciado em agosto de 2009 quando um grupo de amigos se reuniu no Lagar da Casa Amarela para se comprometer com uma carta de princípios que, em janeiro de 2010, haveria de resultar na constituição formal da Associação Rio Vivo.

 Para mim, esta ligação à Rio Vivo de que fui o seu primeiro presidente, foi uma experiência gratificante que muito me aproximou da minha aldeia. Muitos duvidam do sucesso deste tipo de iniciativas mas, para estas aldeias, eu não vejo alternativa para enfrentar as incertezas e os perigos do futuro.

A razão se ser da Rio Vivo tem a ver, como já referi, com a desertificação do anterior e a falta de expectativa para as suas gentes. As pessoas abandonaram as aldeias, as escolas fecharam, os campos deixaram de ser cultivados, o comércio definhou, o turismo é incipiente. Existe ainda uma ilusão de prosperidade trazida pelos emigrantes e pelo estado social. A economia do concelho está suportada pelas remessas dos emigrantes e pelas transferências do orçamento do estado ou dos fundos comunitários. Se retirarmos os empregos da administração local, das escolas, das repartições públicas, pouco ou nada resta. Se o concelho de Almeida fosse uma empresa já teria fechado as portas ou teria sido deslocalizada.

Qual o futuro destas terras ingratas de onde fugiu a população e onde a economia produtiva estagnou? As gentes das aldeias da zona de Riba Côa não regressarão mais ao cultivo da terra, nas condições que existiam há 50 anos. O modo de vida tem de ser outro, diferente do atual, pois estas terras não serão indefinidamente sustentadas pelo estado social e pela emigração. Um dia, quando os emigrantes se tiverem diluído nos países de acolhimento e se reduzirem as prestações sociais, as pessoas serão confrontadas com uma nova realidade. E, nessa nova realidade, estará em causa a sua própria sobrevivência.

A nova direção da Rio Vivo terá de trilhar os caminhos de uma nova sustentabilidade. Terá de ser apoiada, sobretudo nesta fase inicial, mas não pode viver permanentemente de apoios. Atrair os jovens para a festa e para a busca das raízes rurais é importante mas não se pode viver só da festa. Tem de estimular a produção local. Que pode vir da terra, do artesanato, da pequena indústria, da cultura. O turismo pode ser um complemento mas não o motor do desenvolvimento destas regiões.

A sociedade dos consumidores está viver os seus últimos dias. A globalização é o estádio final do capitalismo, e para lá da globalização já não haverá outra saída.  A China é a ultima reserva de crescimento deste modelo económico, o derradeiro alento da Era Industrial, e que nos últimos anos  tem sustentado a economia mundial, uma espécie  de balão de oxigénio que corre o risco de se esgotar. O "milagre" chinês, tem um limite temporal de 20 anos que é o horizonte para quadruplicar a sua economia, a manter-se a taxa atual de crescimento. Ora, isso é fisicamente impossível pois os recursos do planeta não serão suficientes para o sustentar, e os níveis de poluição lhe que estarão associados  serão incomportáveis para as pessoas e para o clima.
 
Existe, para alguns, uma esperança na evolução para a sociedade digital. Mas a economia que a poderá suportar tem de ser uma economia de outro tipo (a economia digital). Será uma economia sem fronteiras e com regras ainda mal conhecidas, e a transição para ela não será fácil nem pacífica. As pequenas comunidades podem voltar a ser auto suficientes e assegurar a resiliência para enfrentar as procelas que, no horizonte da crise, as nuvens carregadas prenunciam.







segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A Era do Consumidor - II


A viragem do século XVIII para o século XIX é um marco na história da Civilização. É o desabrochar das ideias, trazidas primeiro pela Renascença, depois pelos Enciclopedistas e pelos Iluministas, que se sucedem ao obscurantismo  e à intolerância religiosa da Idade Média. O pensamento cientifico sobrepõe-se  às crenças do antigo regime e abre novos horizontes à mente humana. A Revolução Francesa, a independência dos Estados Unidos, o progresso cientifico, são as portas de entrada num mundo novo onde se afirmam os princípios da Igualdade, da Liberdade e dos Direitos do Homem.

Por sua vez, a  Revolução Industrial, ocorrida nessa altura, muito contribui para essa mudança e ajuda a criar as condições para a sua consolidação. O fator determinante foi a descoberta das máquinas que funcionavam pela força motriz da água ou a vapor, e que vieram  substituir o trabalho braçal e o trabalho animal. Foi na indústria têxtil, com a mecanização da fiação e da tecelagem, onde o seu efeito mais  se fez sentir. A Inglaterra liderou a Revolução Industrial, em parte pela importância das suas minas de carvão. E, apesar de perder as colónias da América, veio, por essa razão, a constituir um império onde nunca se punha o Sol, o maior conhecido depois do Império Romano.

As fábricas erguem-se por toda a parte no mundo ocidental que, deste modo, assume a liderança económica sobre vastas regiões do globo, nas quais uma boa parte da população ainda vive  ainda como se vivia, dez mil anos antes, na Europa. No Extremo Oriente, uma civilização milenar, a  China, estava adormecida pelo ópio que os  ingleses traficavam a partir da Índia, e deixou passar a revolução industrial ao lado. Nos Estados Unidos, foi a capacidade industrial dos estados do norte que deu à União as condições e o armamento para a vitória sobre a Confederação dos estados sulistas, e que resultou na abolição da escravatura. Assente nos princípios da igualdade e da democracia,  a jovem nação prepara-se para liderar o mundo nos séculos que se irão seguir.

Com a máquina a vapor aplicada à tração surge o comboio que vence distâncias em tempos até aí inimaginavéis, e secundariza a milenar importância do cavalo. No inicio do século XX, o petróleo começa a substituir o carvão e aparece o automóvel e o motor de explosão. A decisão de Churchil, em 1914,  de adotar o petróleo como combustível nos navios da Royal Navy, permitiu à Inglaterra ganhar  uma vantagem decisiva no mar. A importância do petróleo e a descoberta de imensas jazidas  no Médio Oriente foi uma das sementes para os dois conflitos que grassaram na Europa e no Mundo durante a primeira metade do século passado.

O século XX inicia-se sob a égide da exposição de Paris. A Europa é o ainda o centro do mundo.  Existe uma crença ilimitada na capacidade do homem e da ciência de assegurar o progresso sem fim. A par com a adoção de novas formas de energia, a revolução tecnológica constitui outro fator de progresso.  A eletricidade faz parte desta revolução tecnológica: surge o telegrafo, o telefone, o rádio, a televisão,  e a imprensa industrializa-se com as impressoras mecânicas, e  transforma-se num meio de massas.

A produção em série permite disponibilizar, a preços baixos, produtos até então apenas acessíveis às classes mais altas, e inicia-se um tempo de grande prosperidade. Em 1800, a Humanidade tinha mil milhões de pessoas, menos do que a atual população da China. Mas, contrariando as previsões de Malthus, tudo estava prestes a mudar: nos 200 anos seguintes a população Mundial vai multiplicar por seis. A ordem económica inspira-se nas ideias de Adam Smith. O capital, a fábrica e o proletário estão na origem de tensões e conflitos de classe que conduzem à revolução russa e à ascensão das ideologias comunistas.

As duas guerras da primeira metade do século  são ajustamentos iniciados na Europa na busca da liderança. Com o desfecho da segunda grande Guerra vai despontar a idade de Ouro e estabelecer-se definitivamente a Sociedade dos Consumidores, que iria atingir o seu esplendor na segunda metade do século XX. Ao mesmo tempo, a economia começava a crescer a um ritmo frenético, e poucos se apercebiam que poderia haver limites a esse crescimento.

Nos anos da Idade do Ouro a energia e a tecnologia sobrepõem-se ao capital e ao trabalho como fatores de produção. A velha ordem fica subvertida e os ideais comunistas sofrem um grande abalo.  O capitalismo conduz à Globalização e os economistas julgam que dominam a ciência económica e acreditam que podem assegurar  o crescimento ilimitado... Falaremos dessa Idade do Ouro, e de como as sua miragens nos trouxeram alguns amargos de boca.
 







segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

O Choque

A publicação do relatório do FMI e o tratamento que  lhe foi dado pelos meios de comunicação social deixou os portugueses em estado de choque. Esta revelação fez-me lembrar aqueles momentos em que o médico diz a um doente que tem uma doença grave ou incurável. O doente primeiro recusa a verdade, ficará angustiado e tentará mitigá-la.  Mas depois revolta-se, em seguida deprime-se, e, finalmente, aceita.  O doente é Portugal, quer dizer somos todos nós; o FMI é o analista que traz o boletim de análise; médico ainda não temos pois ainda ninguém arranjou coragem para assumir esse papel. Todos, incluindo os membros do governo, teimam em ignorar ou fingir ignorar o assunto, e demitem-se de ser os mensageiros das más notícias.

Não vale a pena negar a evidência. Portugal é um país pobre (sempre foi!) que nas últimas décadas se deixou iludir por uma falsa promessa de prosperidade. Mas os comentadores e muitos políticos ainda teimam em negar isso. Que não, que tudo estaria bem se não fosse o BPN, se não fossem as mordomias dos políticos, se não fosse o esbanjamento dos governantes, se não fosse a ganância dos bancos... Ora, tudo isto, sendo porventura algumas das causas dos problemas ou tendo contribuído para os agravar, não é o suficiente para equacionar esses problemas, e, muito menos, para os resolver.

Deixemos que o tempo da negação se consuma e acautelemos a revolta que se vai seguir. A revolta muitas vezes é cega e má conselheira. Retira-nos a lucidez e leva-nos a cometer atos desesperados. Matar o mensageiro pode ser a tentação. Serenar os ânimos, aconselhar calma, chamar à razão é  aconselhável para evitar excessos. Aos mais lúcidos, aos senadores da Pátria, competeria essa função. Mas temos assistido a comportamentos contrários, gente com responsabilidades que vem atear o fogo em vez de deitar a água na fervura.

Quando a depressão se instalar, quando a descrença dos portugueses for generalizada, viveremos um tempo ainda mais incerto e perigoso. Será o momento em que as pessoas pensam mal e se agarram desesperadamente a tábuas de salvação sem cuidar de avaliar os riscos. Podem, nessa fase, ser cometidos erros grosseiros e com consequências muito gravosas. Aparecerão, lado a lado, os profetas da desgraça e os profetas da esperança (uns e outros oportunistas!), haverá dificuldade em distinguir entre o sábio e o charlatão.

Quando, finalmente, se chegar à fase da aceitação talvez se criem condições para reencontrar o caminho ou a via alternativa. Esse poderá ser o caminho da Transição. A nossa esperança coletiva está, pois, num renascimento, o qual terá de ser um tempo de outras regras e muita disciplina, de novas ideias e de novas mentalidades. Um caminho muito estreito, em todo o caso.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A Era do Consumidor- I


A época em que vivemos  poderá ficar conhecida para os vindouros como a Era do Consumidor, para referenciar a entidade que desempenha o papel central em toda a atividade económica.

Comprar vender e trocar são as atividades que animam o dia a dia dos indivíduos e das empresas. O comércio moldou o mundo tal como ele existe hoje. Esteve na origem de guerras  e de conquistas, influenciou a literatura e as artes, promoveu viagens, ajudou a desenvolver os meios de transporte, fez e desfez fronteiras. É responsável pela globalização, e, hoje, muitas vezes, confunde-se com a própria economia.

Foi há cerca de 10,000 anos que a sedentarização dos caçadores-recoletores, ocorrida no Crescente Fértil, em consequência da domesticação de animais e plantas, levou à criação de excedentes, os quais, ao permitir alimentar mais pessoas do aquelas que produziam os alimentos, estiveram na base da diferenciação social. As trocas, a partir daí, tiveram um papel preponderante na vida das novas comunidades que se fixavam em redor das terras de cultivo.  O sal terá sido o primeiro produto comercial a ser transacionado. Só estava disponível nos jazigos de sal-gema ou junto ao mar, mas era necessário para as funções vitais e para a conservação dos alimentos. Nasceram as primeiras vias comerciais: as rotas do sal.

No império Romano o comércio teve um grande desenvolvimento A metalurgia do bronze e do ferro para o fabrico de armas e artefactos e a necessidade de ouro para cunhar moedas levou os Romanos a procurar e explorar  por todo o império jazidas minerais. A urbanização tornou necessário atrair ao centro do Império vastas quantidades de alimentos que fluíam pelas rotas marítimas e terrestres. A cerâmica era necessária para fabricar embalagens de transporte e armazenamento. Do médio oriente vinha as tintas e o incenso e a mirra. Mas o comércio mais ativo seria o dos escravos, a principal forma de energia em que assentava a economia do império.

O comércio floresceu nos burgos medievais que cresceram após o feudalismo. Na Europa central o comércio organizou-se, a partir de Lubeck, nas cidades do Báltico que se uniram na  Liga Hanseática, uma espécie de zona de mercado livre com regras próprias. Os artesãos produziam  objetos de cerâmica, teciam, e trabalhavam o ferro, o couro, a pedra e a madeira. No  arranque do segundo milénio, a utilização da charrua de ferro aumentou a produtividade agrícola. E os excedentes assim criados e o fervor religioso fizeram dos dois séculos seguintes o tempo das catedrais. E foi à sombra dessas catedrais que se aprimorou o trabalho dos artesãos.

As guildas, as corporações de ofícios, impunham regras de qualidade e de preço aos produtos. Parece-me ver aqui o embrião da iniciativa privada que esteve na base da empresa moderna. O vínculo entre  produtor (o artesão) e o cliente já contém as bases de uma relação que importava manter e consolidar. Já contava a  imagem o prestigio do produtor, já estava esboçado o conceito de marca. A "origem" funciona como certificado de qualidade: ficaram famosos os utensílios de ferro de Toledo, os panos da Flandres, os couros árabes de Córdova, as  tapeçarias de Arrás, os vinhos franceses.  E os produtos do extremo oriente (a seda, o jade, a porcelana), chegavam e eram valorizados nas repúblicas italianas que prosperaram com esse comércio.

Predomina, nessa altura, o comércio itinerante. As feiras medievais que proliferam por toda a Europa, eram  o lugar de encontro entre mercadores e compradores.  Os judeus afirmam a sua capacidade de comerciar e empreender e assumem a liderança nos negócios. Surgem novos meios de pagamento, e a atividade bancária, iniciada em Itália, contribui para  impulsionar o comércio.

Começaram a procurar-se produtos cada vez mais longinquamente, no oriente e nas profundezas do deserto, produtos como o açúcar, trazido pelos cruzados, o  esmalte e o marfim. A rota da seda foi o primeiro elo de ligação entre a civilização do ocidente e o Império do Meio. E serviu para trazer para a Europa a pólvora, a tecnologia do papel e as especiarias.

As descobertas iniciadas no final do século XV pelos portugueses, foram desencadeadas e impulsionadas pelas trocas comerciais, e elas marcam o inicio da globalização. As novas rotas que circundavam a África, e chegavam ao Novo Mundo, trouxeram um novo impulso ao comércio de produtos tais como as especiarias, o ouro, as madeiras exóticas, o açúcar, o algodão, o  cacau , óleos,  marfim e escravos.

Mas foi no final do século XVIII que a invenção da máquina a vapor, alimentada a carvão, deu lugar à Revolução Industrial, a qual viria revolucionar a economia.  Já no século XIX, surgem o comboio e  o navio a vapor, que provocam as grandes migrações para as Américas e para África.  A produção fabril em massa, a redução dos custos de produção e os excedentes da era industrial estiveram na base de uma atividade nova que floresceu e atingiu o seu apogeu  no pós guerra: o marketing.

O marketing transformou o cidadão, nascido na revolução francesa, em consumidor. E que passou, como veremos,  a ser o personagem central da nova economia.