segunda-feira, 8 de julho de 2013

O Tempo numa Cápsula

À primeira vista, a Guarda é uma cidade improvável: não tem recursos naturais de nenhum tipo, não tem riqueza agrícola nem florestal, não tem cursos de água a banhá-la, tem um clima severo, com invernos muito frios e verões quentes e secos. A sua existência como cidade é, por isso, um desafio à adversidade do seu contexto natural. A localização, no caminho que liga Lisboa à Europa Central, é a sua única vantagem que teve que disputar com Pinhel e Trancoso. Não terá sido fácil a a vida dos seus moradores. Ainda hoje, se percebe ser a Guarda uma cidade de gente pobre e simples. Escasseiam na cidade os palacetes e os solares (como os vemos, por exemplo, em Pinhel), a atestar que esta nunca foi terra próspera nem terra de senhorios.  A Guarda foi sempre uma cidade de resistentes, quase diria de sobreviventes. Mas, talvez por estas razões, a Guarda é uma cidade de gente trabalhadora, empreendedora e criativa.

Quem, no final da tarde do passado dia 1 de julho, passasse junto à Torre de Menagem da cidade altaneira, numa colina sobranceira ao Cemitério Municipal,  veria um conjunto de personalidades vestidas a rigor alinhadas num circulo à volta de uma lápide de granito, e julgaria estar perante um ajuntamento que ali estaria a encomendar a Deus a alma de algum defunto. De facto, naquela envolvência, a cerimónia mais parecia um ofício fúnebre do que aquilo que era realmente. Era  uma festa do Clube Escape Livre a comemorar uma iniciativa bem original: enterrar num contentor quarenta depoimentos de personalidades ligadas à Guarda sobre o presente e o futuro da cidade, com a intenção de os voltar a trazer á luz do dia, em 2050.

Naquela entardecer de verão, enterrou-se o tempo dentro de uma cápsula. O conceito de aprisionar o tempo é já em si mesmo paradoxal, pois o tempo não se pode aprisionar. O tempo será sempre o nosso  carcereiro, e nunca o nosso prisioneiro. Porque o tempo condena-nos ao envelhecimento, joga connosco ao gato e ao rato, dá-nos a ilusão de que escolhemos o nosso destino, mas é inexorável logo que optamos ou temos a ilusão que optamos por um caminho, e não nos dá uma segunda oportunidade. E nos nossos dias de tempo acelerado, e com um futuro incerto e perigoso, a tentação de aprisionar o tempo é grande.

O tempo da nossa mente não é o tempo entrópico que tudo enreda, mas um tempo linear que tem outra lógica e outra conveniência. O que estava dentro daquela cápsula não era o verdadeiro tempo mas sim o nosso  tempo,  uma efígie de palha que simboliza e imita o outro.  E encontrar essa grosseira imitação  do Chronos vai ser a surpresa daqueles que, daqui a 37 anos, fizerem a exumação do conteúdo da cápsula. O tempo, o verdadeiro, sorriu com desdém, na cerimónia do dia 1 de julho em que se enterrou a cápsula, e vai voltar a sorrir quando for desenterrada e aberta, em 2050. E os nossos netos vão rir-se da nossa cegueira e vão espantar-se da nossa ignorância, e do nosso pretensiosismo de querer aprisionar o tempo.

Quando, em 1900, na euforia da entrada no século XX, se fizeram e publicaram as previsões para o ano 2000, havia uma grande esperança,e acreditava-se num progresso sem limites. Por exemplo, a televisão foi prevista, previa-se que se poderiam ver imagens a distância, e  alguém terá antecipado que, cem anos depois, seria possível assistirmos, nos sofás das nossas salas, às danças das tribos de indígenas (amenizo a palavra selvagens, no original) e ao rufar dos seus  tambores no coração da África. Ou seja, acreditava-se no progresso técnico mas não na evolução das mentalidades. Evolução tão grande (e tão rápida!) que haveria de colocar o descendente direto de um desses indígenas africanos a governar a nação mais poderosa do mundo!

Subtilezas ou partidas do tempo?

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