segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A Ginjinha da Amélinha

Para mim, as duas coisas mais importantes de Almeida são as muralhas e a ginjinha d´Amélinha. No resto, vejo muita ilusão e fingimento. São de faz de conta as guerras napoleónicas que se representam no final de cada verão, são virtuais as bicicletas que correm na  ciclovia,  e até o monumento ao 25 de Abril foi construído para fingir que Almeida é uma terra onde se lutou pela democracia e pela liberdade. O comércio é ficção, a pousada não é pousada,  e restaurantes no interior da muralha são coisa que não existe. Os museus, a cultura não passam de encenações, e os espetáculos do Zé Cid são  uma espécie de playback musical para adormecer o povo. A própria localidade, sem gente, é uma aldeia a fingir que é uma vila.

As muralhas estão mal tratadas, não se reparam, nalguns pontos crescem árvores e mato. Mas são sólidas e não é fácil estragá-las apesar de algumas tentativas que têm sido feitas para esse efeito. Lembro-me dumas peças decorativas colocadas do lado norte e talhadas num granito de cor desafiante, e do famigerado terceiro anel que é a ciclovia. Mas as muralhas infundem respeito, sente-se nelas o suor dos canteiros, com os guilhos e a maça, a arrancar a pedra da rocha mãe, o saber dos mestres escultores ornamentando, com os cinzeis, arcos, guaritas e frontarias, o labor dos pedreiros a aparelhar e assentar as pedras. E, na retaguarda, imagino o lápis dos arquitetos a desenhar o perfil dos baluartes e dos revelins, e os artilheiros a estudar a balística e a calibrar as peças. Foi muito dinheiro e foram muitas horas de trabalho ali investidas. Uma volta, a pé, às muralhas de Almeida é o percurso ideal para passear um cão ou para manter a forma física. Em vez de prescrever termas ou remédios, os médicos deveriam receitar muralhas de Almeida de manhã, á tarde e à noite. Podia optar-se pela dose normal dos 1350 metros, bordejando o  pano interior, ou pela dose reforçada de 2160 metros, contornando os baluartes.

A ginjinha d´Amélinha é um património real de Almeida, uma marca conhecida com uma imagem de qualidade, para muitos a melhor ginjinha do mundo. Tem a embalagem adequada, o rótulo é sugestivo, o preço é justo, a cor é inspiradora, o aroma e o sabor são insuperáveis. Acredito que tenha propriedades terapêuticas, pois um golo depois da refeição é garantia de uma boa digestão. E tenho um pressentimento de que também tem propriedades afrodisíacas, e deve fazer bem àquela função que os homens muito estimam. Sempre que vou a Almeida, abasteço-me da bebida, sou portador de encomendas, levo presentes para os amigos. Alguns deles já me pediram a receita, mas convém mantê-la em segredo, fazer disso um tabu, como é caso do famoso xarope da coca-cola.

Mas a Asae, dizem-me, já está na peugada da ginjinha. Querem acabar com ela como já acabaram com as matanças dos porcos e com o papel das listas telefónicas a embrulhar as castanhas assadas.  Acredito que venham a mandado da Sra. Merkel que já se deve ter apercebido das virtualidades do néctar e do perigo que ele representa para o bock e para os schnaps alemães. E eu estranho não ver uma declarada oposição das autoridades locais ou nacionais às perversas  movimentações para liquidar esta preciosidade.  No tempo antigo, quando a gente da beira ainda não tinha o sangue desnaturado, havia de tocar-se o sino logo que os fiscais da Asae assomassem nas Portas da Cruz, para recebê-los com forquilhas e estadulhos. E, dessa maneira, defender aquilo que nos pertence, a nossa ginjinha que é a melhor coisa que nos resta desde que a Europa nos derrubou o castelo, e a República nos levou o regimento e os soldados.

Ah, já me esquecia de referir outras coisas boas e dignas de registo e que fazem de Almeida um local único: os petiscos do Vitó, o restaurante da D. Irene, em Malpartida, e as Rondas de Almeida do Hernâni  (que ainda são a fingir, mas são uma boa ideia, não custam nada ao erário público, e não dependem dos fundos da Europa). Nunca esquecendo que Almeida está a dois passos de Fuentes de Oñoro que tem o Gildo e onde a gasolina é mais barata.  Aproveitem, e façam rapidamente uma visita a esta terra bendita, e brindem com um copinho da ginjinha da Amélinha. Antes que a  famigerada Asae nos prive desse gosto..

2 comentários:

  1. Bem-vindo a esse teu Tormes, meu bom Jacinto!
    E à ginja da Amelinha, e aos dotes afrodisíacos dela, e a passear o cão à volta das muralhas, e a respirar a atmosfera da charneca no final do Verão, e a protestar contra polícias manhosos.
    Se ainda hoje existissem os portugueses que talharam os baluartes, e muito antes deles o castelo, e tivessem aprendido a perceber alguma coisa do mundo em que estão metidos, Almeida seria uma coisa diferente e insubstituível, bem capaz de comover até os cínicos anglo-saxões.
    Assim Almeida é uma aldeia, (é isso que devia estar no mapa) porque nós todos não passamos de uns tolos aldeãos.
    Gosto muito de Almeida, apesar de tudo, da falta de árvores de vegetação de águas e glebas. Mas tenho pelo sofrimento dela uma pena muito grande. É que as guerras do Massena foram do lado contrário. E nós ainda hoje não pensamos nisso. Rezamos o padre-nosso ao contrário, e depois f*******, claro!
    Mas porque é que eu estou p'raqui a ladrar?

    ResponderEliminar
  2. A ginjinha da Amelinha é mesmo especial. Todas as outras do país sabem a coca cola doce, esta é verdadeiramente especial! Bom texto!

    ResponderEliminar