segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O Pão e o Vinho

Segundo os evangelistas, na última ceia, antes de se entregar à justiça de Pilatos, Jesus repartiu o pão e o vinho entre os seus seguidores, simbolizando, com este gesto, oferecer o seu corpo e o seu sangue em sacrifício. Os dons desta oferenda, ficaram, desde então, associados aos rituais do cristianismo. Na mesa desta ceia, estava o pão, cozido sem fermento à maneira árabe, e haveria  tâmaras, figos secos, azeitonas, queijo, frutos secos e mel. Talvez houvesse iogurte ou pasta de grão de bico, o  hommus.  E havia, claro,  vinho, leve e aromático, bebido por taças de barro, possivelmente adicionado com água, à maneira dos romanos.

Na tradição da cultura ocidental, na religião, na literatura, no imaginário popular  o pão e o vinho tiveram, e ainda têm, um significado muito especial.  "Pão e vinho andam o caminho", diz o povo. Estes dois frutos da terra estão profundamente enraizados na cultura e na economia mediterrânica, e assumiram um papel decisivo na expansão da civilização. Temos pois de voltar a celebrar o pão e o vinho.

Estamos no tempo das vindimas, e é apropriado falar de vinho. Nos campos do nosso Portugal, do Minho ao Algarve, anda no ar o cheiro adocicado do vinho mosto. Sente-se a azáfama dos vinhateiros. Na pequena agricultura moribunda que resultou da nossa adesão à Europa, a vinha é umas das poucas atividades que ainda resistem. No Douro, por exemplo, ao lado das grandes quintas, existem ainda muitas pequenas explorações com gente esforçada, que mal consegue ganhar para as despesas do amanho das vinhas. Apenas o cooperativismo lhes permite manter as explorações. Mas  fazer vinho é uma paixão, e o ciclo repete-se em cada outono. 

"Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses", era um slogan do Estado Novo, mais tarde repudiado, como tudo o que vinha da ditadura. Mas não me parece, como já vi entendido, que o slogan contivesse uma incentivação ao consumo de álcool, poderia mais servir como uma forma de travar o consumo de cerveja ou da coca-cola, esta teimosamente impedida de entrar em Portugal por Salazar, precisamente como forma de proteger o consumo de vinho.  Produzem-se anualmente no nosso país 6 milhões de hectolitros de vinho, e Portugal é o décimo produtor e o sétimo exportador mundial. Exportam-se, em cada ano, cerca de 2 milhões de hectolitros para Angola, RU, França, Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Brasil. Recentemente ganharam relevo as exportações para a China que  pode vir a ser um grande mercado para o vinho português.

Mas já em relação à produção de  cereais de que se faz o pão, o nosso país está longe de ser autosuficiente. Em 1911, de acordo com as estatísticas de produção agrícola, citadas por Pedro Lains e Paulo Sousa (in Análise Social, nº33, 1998), produziram-se em Portugal 319,000 toneladas de trigo, correspondendo a 28 milhões de alqueires de 15 litros. Exatamente um século depois, em 2011, e beneficiando de mecanização, de novos fertilizantes, de eficientes pesticidas e herbicidas, do apuramento de sementes, e de  subsídios vários, a quantidade de trigo (nas variedades mole, duro e triticale)  produzida em Portugal foi de 74,000 toneladas (fonte:INE). Ou seja, produziu-se menos de um quarto do que tinha sido produzido um século antes. Simplesmente espantoso, este milagre (ou armadilha!) da globalização. Em 1911, Portugal produzia cereal para fazer o pão que comia, agora importa mais de 3/4 desse cereal.

Nenhum outro alimento como o pão está associado ao trabalho do homem para ganhar o seu sustento. O  pão ganha-se com trabalho e suor. Um país, para ser verdadeiramente independente, tem de ser capaz de se alimentar a si próprio. E se não for capaz de produzir o pão e o vinho para os seus filhos, dificilmente andará o caminho...

1 comentário:

  1. Aprecio muito esta tua intromissão nos clássicos, nos 'humanistas', nos bíblicos... mantendo o apego ao rigorismo dos números.
    Vê-se pouco, ou não fôssemos nós todos uma estúrdia de poetas!

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