segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Dédalo e Ícaro


Icare, ubi es? Icaro, onde estás?
Ovídio, Metamorfoses

Segundo uma lenda da mitologia grega, Dédalo estava prisioneiro numa ilha juntamente com o seu filho, o jovem Ícaro.  Minos, o Rei de Creta, fechou-lhe todas as saídas por mar, e Dédalo achando  que a única fuga possível seria pelo ar, decidiu construir dois pares de asas. Fê-lo com penas de gaivota, que foi tecendo com fio e colando com cera de abelhas.

Conseguido o seu intento, experimentou as asas com sucesso, e ensinou o seu filho a voar. Deu-lhe os seguintes conselhos: não voes demasiado alto, pois o calor do Sol pode derreter a cera, nem voes demasiado baixo sobre a espuma do mar, pois a água pode encharcar e tornar pesadas as penas das tuas asas. Não te afastes, mantém-te próximo de mim, e faz como eu fizer!  Aproveita o vento e deixa-te conduzir por ele. E, batendo fortemente as asas, disse ao filho para o seguir.

Seguindo o exemplo do pai, o jovem Ícaro elevou-se no ar, e quanto mais subia mais amplo se desenhava o horizonte. As ilhas (Samos e Naxos, Paros e Délos, de um lado, Lebintos e Calimne do outro) perfilavam-se contra o azul escuro do mar, e, lá longe, os recortes das montanhas anunciavam os continentes sem fim. Mais um golpe de asa e o mundo todo estaria no seu horizonte. O Sol e o azul profundo do Céu convidavam ao alongamento do voo, e este apelo parecia prometer a Ícaro os dons de Apolo e de Zeus.

Quando o calor do sol afrouxou a cera que unia as penas das asas, Ícaro, de repente, sentiu-se desapoiado, rodopiou, e começou a cair. Sentia o vento a pressionar-lhe o ventre, os pulmões recusavam-se a inalar o ar soprante. Ainda conseguiu arrancar do mais fundo de si mesmo um grito desesperado e lancinante: Pai, Pai  ajuda-me, estou a cair!  Dédalo, que já tinha chegado ao seu destino e procurava ansiosamente o filho, ouviu este chamamento que se repetia num eco suplicante, como que vindo de todas as direções, de baixo, de cima, do oriente e do ocidente, do norte e do sul. Sentiu um arrepio, e gritou com todas as suas forças: Ícaro, meu filho, onde estás? Diz-me em que sítio te devo procurar. O silêncio foi a resposta. Mais tarde, Dédalo encontrou, flutuando, as asas desfeitas e o corpo do filho amado que chorou e enterrou numa ilha que viria a chamar-se Icária.

Apesar da diferença formal que opõe o espírito estético e antropocêntrico dos gregos ao espírito moralista e teocêntrico dos judeus, encontro nesta lenda uma certa semelhança com a parábola do filho pródigo. Em ambas, o filho, inexperiente e ambicioso, ignora os conselhos e desbarata a dádiva do pai. E em ambas, o pai recebe o filho (vivo num caso, morto no outro) sem reprimenda e sem lamento. O herói mitológico é Dédalo, e não Ícaro.

As lendas da mitologia grega encerram ensinamentos profundos. A lenda de Dédalo e Ícaro mostra a irreverência da juventude, os riscos da inexperiência, e o perigos da ambição desmesurada. Viver na altura certa, nem demasiado baixo, nem demasiado alto, e aprender com o exemplo dos mais velhos, são  princípios eternos da sabedoria humana.

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