segunda-feira, 25 de março de 2013

O Dinheiro


As ocorrências recentes no Chipre, motivadas pela anunciada taxação dos depósitos bancários, vieram alertar-nos de novo  para a questão do dinheiro e da segurança dos bancos. Este anúncio, só por si, poderá ter consequências imprevisíveis, e poderá ser o rastilho de bem mais graves acontecimentos na Europa, e não só.

O dinheiro, como o  definiu  Frederick Soddy no seu livro "O Papel do Dinheiro",  é esse Nada por que se vende Qualquer Coisa e que com o qual se  compra Quase Tudo. O dinheiro é "nada", pois não tem valor intrínseco. Mas ele tem um elevado valor simbólico, um valor de representação que lhe é atribuído por convenções. A riqueza está nos bens e não no dinheiro que os compra. Mas, para o comum dos cidadãos, dinheiro significa riqueza, e isso é válido enquanto se mantiver estável e credível o sistema de convenções. A taxação do património, primeiro anunciada e depois reprovada no Chipre, ameaça o sistema bancário e abala, por toda a Europa,  a confiança que as pessoas têm nele.

Quando nós vendemos uma coisa e compramos outra com o mesmo dinheiro, este limita-se a intermediar uma troca. Essa poderia ser a sua função principal, mas o papel do dinheiro vai muito para além disso. Quando nós poupamos o dinheiro (abstemo-nos de o gastar agora para o gastar depois) que  recebemos pelo nosso trabalho ou pelas coisas que vendemos, nós adiamos a troca desse dinheiro (por bens ou serviços)  para mais tarde, e, desta forma,  criamos um título sobre uma riqueza futura. Tudo se passa como se esse dinheiro poupado fosse um crédito sobre a comunidade, na medida em que nós vamos um dia exigir a essa comunidade que nos devolva, em bens ou serviços, o valor desse crédito. E, compreende-se a dificuldade, como aconteceu no Chipre,  em aceitar que esse dinheiro (ou esse crédito) seja, a posteriori, objeto de expropriação ou de afetação por qualquer incidência fiscal.

Mas o dinheiro pode ser obtido, não pela venda de bens ou serviços, mas através de um empréstimo, isto é, pela criação de uma dívida. O emprestador pode ser alguém que poupou e transfere essas poupanças para outrem, ou pode ser um banco que empresta dinheiro que ele próprio cria do nada, e que o faz (segundo certas regras) na expetativa de que o devedor salde a divida no tempo estabelecido no contrato do empréstimo. E se no primeiro caso se verifica uma mera transferência de crédito, no segundo há uma verdadeira criação de dinheiro sem a contrapartida de nenhuma riqueza atual, existindo apenas a referida "expectativa" de criação dessa riqueza no futuro. Existe ainda o crédito ao consumo (caso, p. ex. dos cartões de crédito),  caso este em que se antecipam ou se hipotecam os rendimentos futuros do contraente.

Se o tomador do empréstimo for o Estado, o que acontece quando existe deficit nas suas contas que tem de ser coberto, o dinheiro para o pagar é criado pelo banco emissor (BCE na Europa, Reserva Federal nos EU). Países, como Portugal, que já não têm a capacidade de emitir moeda, o deficit é compensado pelo aumento da dívida pública, mas que só pode ampliar-se até limites aceitáveis, caso contrário, corre-se o risco de incumprimento..

Numa economia sem crescimento, a atividade económica não permite criar a riqueza para pagar o capital emprestado mais os juros, e o incumprimento do pagamento das dívidas é frequente. Destrói-se a correspondência entre riqueza e dinheiro. E, o pior de tudo, deixa de haver expetativa para conceder novos empréstimos. Os Estados tornam-se imcumpridores, o sistema fiscal deixa de gerar receitas, entra-se numa espiral recessiva. Por toda a Europa, cuja economia não cresce, vive-se, nestes momentos, o fantasma dessa recessão, e teme-se que o sistema financeiro seja o elo mais vulnerável de um eventual  desfecho desfavorável da crise.

Acontecimentos como aqueles que estão a ocorrer no Chipre podem colocar o sistema financeiro europeu fora de controlo. Os cipriotas festejaram a decisão do seu parlamento de reprovar a taxação de depósitos. E, por cá, os comentadores do costume aplaudiram os deputados cipriotas, e associaram-se à festa do povo. Temo que a festa e os foguetes tenham sido lançados cedo demais! Os problemas de Chipre ainda mal começaram!

segunda-feira, 18 de março de 2013

A Água


No Universo tudo parece perfeito. A misteriosa força da gravidade está rigorosamente ajustada ao equilíbrio que governa todos os corpos celestes. Ela não poderia ser diferente daquilo que é, mesmo que essa diferença fosse infinitesimal, pois se isso acontecesse tudo se desmoronaria. Também a vida na Terra depende de perfeitos mas, ao mesmo tempo, frágeis equilíbrios. Um grau a mais ou a menos na temperatura média da atmosfera terá complicações e afetará a existência de muitas espécies. A inclinação do eixo da terra, que regula as estações do ano e é responsável pelas monções, tem mudado e poderá alterar-se no futuro, mas qualquer pequena alteração transformará a face do planeta. A Lua, com o efeito que tem sobre as marés, está no local certo, à distância certa e com o período de rotação certo.

Uma das maiores maravilhas que revela a perfeição da natureza é a molécula de água, uma combinação perfeita de dois elementos, o oxigénio e o hidrogénio. Nessa combinação, a água adquire uma identidade própria, diferente das dos elementos que a compõem.  A molécula de água tem uma ligeira bipolaridade que lhe confere propriedades físicas e químicas únicas. Na natureza, ela coexiste nas fases líquida, sólida e gasosa, e foi no ambiente aquático que se originou a vida. Mais importante do que saber quem criou o homem é saber quem criou a água. Porque esta precede o homem, e, sem aquela, este não existiria.

A água cobre 71% da superfície da Terra , 97%  é salgada e está nos oceanos. De toda a água que existe no nosso planeta apenas 2,5% é doce e, desta, 99% está no subsolo ou sob a forma de gelo, e apenas 0,3% da água doce está nos rios, nos lagos e na atmosfera.

Temos, pois, esta substância que é criadora, que purifica e que é tão abundante que chega a parecer desprovida de valor. Mas nem sempre foi assim, ainda não é assim em vastas zonas do planeta, e pode chegar o dia em que a água volte a escassear nas nossas casas. O consumo de água está a crescer mais depressa do que a população, e a irrigação e a pecuária consomem grandes quantidades de água. São necessários 15,000 litros de água para produzir um quilo de carne, e 1,300 litros para produzir um quilo de grão. Mil milhões de pessoas já têm carência de água, e,  dentro de 20 anos, segundo a FAO, serão quase três mil milhões, ou seja, um terço da população mundial. Tudo isto vai criar uma grande concorrência, conflitos e guerras entre regiões e entre estados, em relação à disputa da água disponível.

No  ciclo da água interferem fontes de poluição, tanto na atmosfera, como nos solos e nos  rios. Os pesticidas estão a inquinar nascentes e rios, tornando a sua água imprópria para o consumo humano e destruindo a vida das suas entranhas. A água de  lençóis freáticos (água fóssil acumulada durante milhões de anos, e que, uma vez esgotada, não será reposta) está a ser explorada para irrigar vastas áreas em zonas desérticas. Muitos rios deixaram de ser os lugares aprazíveis do nosso imaginário e estão transformados em coloacas fétidas e sujas. E até o mítico Jordão, onde Cristo foi batizado, depois de sugado da sua água para regar os hortos de Israel, termina no Mar Morto como um regato sujo.

 No tempo da minha infância, nas aldeias portuguesas do interior, as casas não tinham casas de banho nem água canalizada.  Ia-se buscar (dizíamos  "acarrejar",  verbo que, no seu significado, tem implícito o esforço da tarefa) a água em baldes ou cântaros, por vezes a distâncias consideráveis. A água gelava no inverno e os poços e nascentes secavam no verão e ela era um bem muito escasso e valorizado. Tomava-se banho esporadicamente, e não havia desodorizantes. Era o tempo em que as vacas cheiravam a vacas e as pessoas cheiravam a pessoas.

No conforto da sociedade de consumo em que vivemos a água é servida em garrafas de plástico e está disponível ao rodar a válvula de uma torneira. Mas a escassez de água ameaça as gerações vindouras. Da boa e correta utilização desse recurso escasso vai depender  o futuro da Civilização!


segunda-feira, 11 de março de 2013

A Opinião e o Fado


Portugal é como um barco  à deriva.  Não tem projeto, não tem destino, nem tem rumo. E, o mais grave,  navega em águas revoltas. Não podemos parar o barco, nem abandoná-lo. Navegamos inseridos numa flotilha que é a Comunidade Europeia, e temos de seguir na sua esteira, mas desconfiamos que os comandantes dessa flotilha também não conhecem o rumo, e muito menos o destino. A única orientação vem de fora, são os mercados, os credores, as organizações internacionais...e interrogamo-nos se será isto um mal necessário? Estas situações sem saída, ou em que cada saída é uma emenda pior que o soneto, são geradoras de incerteza, de conflito, de angústia e de revolta.
 
Os portugueses vieram à rua dizer que isto não é vida, que são contra  esta política de austeridade, e que ela não vai conduzir a nada, ou antes, que só pode levar a mais austeridade e mais empobrecimento.  Mas cada nova manifestação traz mais angústia porque só serve para nos mostrar a nossa impotência e confirmar o óbvio: estamos desorientados. Os políticos e os economistas (de todos os quadrantes) já há muito se demitiram de nos mostrar o caminho, e isto porque não o conhecem. Limitam-se a dizer-nos o trivial, que a solução para a pobreza e para o desemprego é o crescimento económico. Ora o crescimento é a saúde da economia, e é como se estivessem a dizer a um doente: para se curar, o senhor precisa de recuperar a saúde. O que não ajuda nada, antes pelo contrário, conduz  a mais revolta e mais desespero.

Depois temos os comentadores que nos ajudam a manter a crença de que há saída e que eles a conhecem... Portugal é um país de colunistas e fazedores de opinião. Em cada dia publicam-se em Portugal mais de 100 artigos de opinião, 36,000 por ano. Temos Marcelo Rebelo de Sousa, Marques Mendes, Mário Soares,  Freitas do Amaral, e muitos outros que em tempos já foram políticos e hoje são comentadores e colunistas. E sem esquecer o inefável  Medina Carreira que diz que o doente não tem cura se não se lhe fizer uma sangria... o mesmo é dizer que o país,  para não morrer da doença, terá de morrer da cura.

Vistas bem as coisas, na ausência de uma linha política coerente de quem governa o país, são estes comentadores politicos que  nos orientam. São eles que nos dizem o que foi bem feito e mal feito, que nos explicam as razões dos comportamentos das personalidades da cena política, que avaliam as medidas e os seus timings. Quase nos levam a acreditar que se eles governassem, nos conduziriam pelo bom caminho. Mas estes comentadores são uns vendedores de ilusões, profetas da desgraça, que nada criam e nada constroem.

Cá para mim, a causa do mal do país não é Coelho, nem Gaspar, nem sequer o questionável Relvas. O mal deste país é o fado que é, afinal, a aceitação passiva e conformada do destino. Ora, o fado exercita a garganta, mas tolhe as mãos e adormece a mente.

segunda-feira, 4 de março de 2013

A Era do Consumidor V

A sociedade do futuro vai ser muito diferente daquela a que assistimos nos últimos 60 anos. O aumento populacional por um lado, e, por outro, a escassez de recursos como a água, o solo arável e certas matérias primas, mas sobretudo a energia, vão ser fatores fortemente condicionantes da economia que irá suceder ao reinado do consumidor.

 A Era do Marketing foi o resultado da disponibilidade de uma enorme quantidade de energia abundante e barata, a chamada energia fóssil: carvão, petróleo e gás natural. Foi esta energia responsável pela urbanização, pelo aumento da mobilidade e pela chamada revolução verde na agricultura, mecanizada e à base de fertilizantes, que permitiu alimentar milhares de milhões de pessoas. E que criou o conforto do mundo moderno, uma verdadeira Idade de Ouro da civilização

Os problemas ambientais e as suas consequências constituem uma outra forte condicionante da economia, pela acumulação de resíduos poluentes, pela contaminação de águas e solos, e pelas previsíveis alterações climáticas provocadas pelos gases de efeito de estufa.

Ora, o nosso sistema económico convive mal com os condicionamentos atrás referidos, e convive ainda pior com a ausência de crescimento que eles vão, forçosamenter, provocar. Porque a globalização (o comércio livre, a livre circulação de pessoas e capitais, e a industrialização acelerada dos países emergentes) e o desenvolvimento tecnológico, onde se colocam todas as esperanças, só por si, podem não ser suficientes para contrariar os referidos fatores condicionantes, e sustentar o tão desejado e necessário crescimento.

Também a "complexidade" do mundo moderno cria várias dependências nas redes de abastecimento, de comunicações, redes sanitárias, etc, e aumenta o risco de uma rutura em um único nó de uma dessas redes se poder propagar, por toda a rede, de uma forma descontrolada. Ora a complexidade cresce naturalmente com a economia (ela é uma exigência, ao mesmo tempo causa e efeito, desse crescimento), e as redes (que têm de ser mantidas e alimentadas continuamente) tornam-se elas próprias geradoras de complexidade. E pode chegar um momento em que as vantagens de aumentar a complexidade vão ter um valor inferior aos custos que esse aumento exige. Uma tal situação pode ser geradora de colapso, e terá sido precisamente isso o que, na opinião de Joseph Tainter, aconteceu no Império Romano e justificou a sua queda.

O rendimento disponível das famílias vai continuar a diminuir, e isso arrastará ainda mais a queda do consumo. O crescimento económico vai estar condicionado pelos fatores atrás referidos (o aumento populacional a escassez de recursos e a poluição). Vamos ter de alimentar mais pessoas com menos recursos, vamos ter de racionalizar o uso de certas matérias primas, racionalizar as embalagens e os gastos de publicidade e promocionais, e gerir os desperdícios. E temos de fazer isto num ambiente de prosperidade e não num clima de austeridade, se quisermos evitar conflitos sociais ou conflitos armados.

A crise em que vivemos já se manifestou nos domínios do marketing, da publicidade e dos estudos de mercado. Nos últimos anos, a situação começou a mudar de forma significativa, e, acredito eu, irreversível. Em Portugal a diminuição do consumo está a provocar uma forte diminuição de investimentos em publicidade (estimo em menos 40%, em 5 anos) e em estudos de mercado (estimo em menos 20%, em 5 anos). E não se vêm sinais de inversão desta tendência. Estamos enfrentando uma época de profundas mudanças que estão a ocorrer com uma rapidez impressionante que nos impede de fazer previsões a médio e longo prazo. O mínimo deslize, o mínimo erro, podem desendear processos de forte impacto e deixar a economia fora de controlo.

A Revolução Francesa fez o cidadão, a Revolução Industrial fez o consumidor. A crise da Era Industrial vai alterar os pressupostos da sociedade de consumo. Não sabemos como será a Era que virá a seguir, nem como será a revolução de onde ela sairá. Mas será que ainda iremos a tempo de fazer uma revolução que dê um novo rumo ao destino da espécie humana?