segunda-feira, 29 de abril de 2013

A Globalização


No último "Prós e Contras" da RTP, Medina Carreira falou das causas da crise. E culpou a globalização pela dramática situação económica de Portugal, da Europa e dos Estados Unidos. Apresentou números, nomeadamente comparou o crescimento da última década do século XX com a primeira década do século XXI, em que o valor médio das taxas de crescimento generalizado das economias "ocidentais" caiu para cerca de metade. Associada à globalização, Medina Carreira falou da desindustrialização desta zona, cuja capacidade produtiva se transferiu para a China e para outros países. Referiu, a propósito,  que em Portugal o sector industrial representava, em 1974, 29% do PIB e que, em 2011, essa percentagem não ultrapassava os 12% . E, no elencar das causas da crise, esqueceu-se de referir, com já tem feito noutras ocasiões, o forte aumento do valor da fatura energética nas despesas desses países, talvez a causa mãe de todos os males que nos afligem.

Mas afinal o que é a globalização? Poder-se-ia ter evitado?  A globalização é consequência natural da aplicação dos princípios do liberalismo económico, entre os quais a livre concorrência, a livre circulação de capitais e os acordos do comércio livre, princípios que, desde Adam Smith, formataram o mundo e a sua economia. Foram eles que impulsionaram o crescimento da economia mundial, e que aceleraram o desenvolvimento dos países emergentes. Foi o caso da China, aquele que pela sua dimensão, tem um maior impacto na economia mundial. Numa primeira fase, a globalização poderá ter sido boa para a Europa, pois permitiu baixar o preço de produtos manufaturados e exportar tecnologia. Mas agora já percebemos o logro, e interrogamo-nos se teria havido outro caminho, e se ainda será possível retroceder?

Este sistema económico  reage mal a condicionamentos e protecionismos. O crescimento exige que a produção e o capital se desloquem para as zonas ou países que lhe são mais favoráveis. Dito por outras palavras, o capitalismo é cego e está sujeito a uma lei de atração que ignora a moral, é indiferente às desigualdades e ao sofrimento humano, acredita na abundância ilimitada de recursos, desconhece a poluição e os riscos ambientais. É regido por uma espécie de "lei da gravidade" que impele a economia para os excessos que nós conhecemos, sempre em busca do crescimento e do lucro.  Mas, convenhamos, a  nível global, a globalização teve um efeito positivo sobre o crescimento.

Mas a economia enfrenta limites críticos, são limites exógenos  que o sistema desconhece. A exigência do crescimento está a criar uma forte pressão demográfica, e um desequilibro resultante da escassez de recursos e do efeito dos efluentes produzidos. Ora, isso vai obrigar a estabelecer condicionalismos no controlo demográfico, na repartição e utilização dos recursos, e no controlo das emissões de alta entropia, que são, afinal,  os inputs e os outputs do nosso  sistema. É isso é um paradoxo na medida em que não pode ser resolvido por dentro, mas que também não pode ser resolvido por fora, sem destruir a própria essência do sistema, o qual não aceita interferências.

Na base do conceito de Transição está  a exigência de uma economia que ultrapasse esse paradoxo. Terá de ser uma economia de crescimento zero, mas que conduza, mesmo assim,  a uma prosperidade, logicamente menos materializada. Vai obrigar a um governo mundial que imponha uma melhor repartição e uma mais sábia utilização dos recursos existentes, e que estabeleça regras para evitar os efeitos perniciosos dos efluentes sobre o ambiente e sobre o clima.

Num tal cenário, vão colocar-se delicadas questões de natureza moral e ética quando for necessário sacrificar o interesse individual em beneficio do interesse coletivo. O formato de uma tal nova economia é ainda muito difuso, mas é evidente que haverá fortes implicações no sistema financeiro, no sistema politico, e nos princípios que estão na base das chamadas democracias ocidentais, assentes nos partidos políticos.  Os nossos governantes que falam e insistem  no crescimento e na retoma (afinal quem não fala?), ainda não perceberam o paradoxo em que vivemos. E estão a conduzir-nos para lado nenhum...

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A Lã

A história da lã acompanhou de perto a história da civilização humana. A lã vestiu reis e rainhas, deu trabalho a pastores e artificies, e foi responsável pelas primeiras fábricas da  era industrial. Mas o esplendor da era do carbono, com o sucesso das fibras artificiais a que deu origem, está a relegar para segundo plano esta matéria prima maravilhosa.

A lã é  o pelo de certos animais, e dela existem mais de 200 variedades.  Do pelo das cabras, provém a famosa lã de caxemira,  e a fina lã  mohair .  Pode fiar-se lã de alpacas, de camelos, de lamas, de bisonte, de cavalos, de cães e até a levíssima e apreciada lã dos coelhos angorá. Mas a lã por excelência, a lã do nosso imaginário,  é a lã de ovelha.

A domesticação dos ovinos ocorreu no Médio Oriente há cerca de 9,000 anos e, juntamente com a domesticação da vaca e do cavalo, constituiu um passo decisivo para criação dos primeiros  povoados agrícolas que estiveram na base da sedentarização, e foram o início da aventura humana cujas urbes acabariam por cobrir todo o planeta.

A ovelha é um animal dócil, símbolo da inocência. Ela teve um grande significado nas culturas que floresceram no médio oriente, onde a economia estava centrada na pastorícia. A Bíblia está cheia de referências aos pastores e aos seus rebanhos.  Jacob, o patriarca das tribos de Israel, foi o pastor de Labão,  a quem serviu para casar  com as suas duas filhas, primeiro com  Lia e depois com Raquel. O cordeiro era o animal que se sacrificava na Páscoa dos judeus.  E o Cristo redentor foi apresentado por João Batista como o Cordeiro de Deus.

Ainda hoje existe uma dinâmica atividade económica ligada á criação de ovinos. A ovelha produz  a carne o leite o couro e a lã.  A lã de ovelha começou a ser fiada e tecida há mais de 5000 anos.  É uma fibra maravilhosa:  é leve, resistente e flexível; aquece sem abafar, respira; lava-se e recupera a sua forma original; não cria humidade, não favorece o desenvolvimento de ácaros e parasitas.. É um produto natural e biodegradavel. Mas, acima de tudo, a lã é  conforto, suavidade, carinho e aconchego. Numa palavra, a lã é nossa amiga.

No conforto da vida moderna, em que as coisas aparecem milagrosamente nas lojas, esquecemo-nos da arte de tratar a lã. No início da primavera o tosquiador, com a sua tesoura e a sua arte, liberta a ovelha da sua proteção do inverno. O resultado é um velo de lã, semelhante a  um suave sobretudo. Depois a lã é lavada pois o velo, além da sujidade que acumulou durante o ano inteiro, ainda está impregnado com a gordura natural da ovelha, a lanolina.  A lavagem é feita com vulgar sabão,  sem danificar a fibra, à temperatura certa para a lã não feltrar.

Depois carda-se a lã e penteia-se para estender e ordenar e estender as fibras. Pode-se tingir antes de passar à fiação que tradicionalmente  era feita com as rocas ou com as rodas de fiar. O fio é estendido, pode ser singelo ou dobrado e doba-se para formar as meadas e os novelos. Finalmente a lã pode ser tecida ou tricotada e está pronta a ser usada.

Numa economia de transição a lã voltará a ter um lugar que lhe compete. Não se pode perder o saber milenar de tratar a lã. Porque são estes saberes, herdados dos nossos antepassados, que temos de recuperar e valorizar para ajudar a reconstruir a esperança no futuro. O crescimento e o emprego também passam por aí.


segunda-feira, 15 de abril de 2013

O que Diz Krugman

Paul Krugman, o prémio Nobel da Economia,  tem vindo a defender que a austeridade não é solução para Portugal, nem para Europa do Sul. Vinda de quem vem esta opinião é muito respeitável, mas eu discordo dela. Para enfrentar a situação  em que nos encontramos, só vejo duas alternativas: ajustamento ( que implica austeridade) ou saída do euro. Eliminar a austeridade mantendo o euro significaria aumentar o deficit das contas públicas, e já sabemos que ninguém está disposto a emprestar dinheiro para  o financiar .

É certo que podemos argumentar com a solidariedade da Europa mais rica, e remetermo-nos ao papel de pedintes.  Mas isso só resolveria o problema temporariamente e , de certo modo, já o estamos a fazer.  Eu não entendo  a razão porque políticos,  economistas e comentadores falem nesse cenário como sendo possível e desejável. Na génese  dos nossos problemas atuais está a imperfeita criação da Europa,  em que se pretendeu uma integração sem perda de soberania dos países aderentes. Ora, uma verdadeira Europa unida e solidária exige compromisso e mitigação da  soberania dos estados membros. Não se pode ter tudo. E essa é uma escolha que, um dia, os europeus terão de fazer.

A alternativa à austeridade é a saída do Euro que é, afinal, uma outra forma de austeridade. Tal  permitiria desvalorizar a moeda e aumentar a competitividade externa. O empobrecimento seria grande e generalizado, e Portugal ficaria durante décadas amarrado a uma dívida titulada em euros. Seria o adeus ao sonho europeu. Sendo um caminho possível, não o vejo como provável. Não interessa nem a Portugal nem à Europa

No quadro do nosso sistema económico - e ainda ninguém  apresentou outro sistema como alternativa - parece  não haver alternativa à austeridade. Seria conveniente que isso fosse rapidamente interiorizado para não se desperdiçarem  energias à procura de uma receita que não existe, uma espécie de  pedra filosofal dos alquimistas. Precisamos governantes esclarecidos que nos conduzam, e que sejam capazes de impor a austeridade  num clima de justiça, equidade e solidariedade.

O mais angustiante de tudo é não sabermos o que virá depois.  As leis da Economia fazem-me lembrar (no paralelo com a Física)  as leis de Newton que não se aplicam em situações extremas (por exemplo, nas vizinhanças da velocidade da luz!). Também na Economia parece faltar uma "teoria da relatividade" e um qualquer novo "Einstein" para explicar os comportamentos das variáveis económicas no contexto atual, que é um contexto de "limite" do sistema. E o que virá depois pode ser a consequência disso.

Diz o povo que não custa ser pobre, mas custa, isso sim, ser pobre quando já se foi rico!

segunda-feira, 8 de abril de 2013

A Filosofia

A Filosofia é a mais nobre das disciplinas, e o filósofo o mais humilde dos homens. A Filosofia procura a Verdade absoluta, e é a mãe de todas as ciências.  O verdadeiro filósofo "só sabe que nada sabe", tem a consciência da sua pequenez na imensidão do Universo, mas procura incessantemente as respostas para aquilo que, lá no fundo, ele pressente que não tem resposta. O seu maior deleite é beber da fonte da sabedoria que nunca se esgota.

A Filosofia é uma árvore de cujo tronco se foram  autonomizando as ciências: a matemática, a geometria, a lógica, a física, a química, a medicina, a psicologia, a sociologia... As raízes insondáveis dessa árvore são a metafísica, e o seu tronco nunca se estreita. Cada nova descoberta, cada nova revelação, mostra uma nova incerteza, cria uma nova dúvida: o átomo, revela o protão e o eletrão, que por sua vez  revelam novas partículas e fazem conjeturar outras. Nada é definitivo, e quando se definirem as últimas equações da Física e se encontrar a força única e integradora que tudo comanda, havemos de encontrar uma nova barreira, e enfrentar um novo enigma. 

O filósofo quer explicar a natureza e a razão de ser das coisas. Ele começou por questionar o mundo, pôr em causa os mitos e as religiões. Mas o filósofo sabe que o pensamento não lida com as coisas reais mas  com as suas "representações mentais", como se fossem sombras na caverna de Platão. Ele  confronta-se com o absurdo de que o pensamento só pode tratar das coisas "pensadas".  O "penso, logo existo" de Descartes relaciona conceitos inconciliáveis, o pensar e o existir. Porque o primeiro é humano e o segundo é metafísico, e a única dedução válida seria "penso, logo penso que existo".

Na sua procura incessante da Verdade o filósofo assemelha-se a Sísifo, o herói da mitologia grega que, por castigo da sua astúcia em enganar a Morte, foi condenado pelos deuses a carregar uma pesada pedra pela encosta acima de um monte. Sempre que chega ao cimo, a pedra volta a rolar até ao vale, e Sísifo tem de a voltar a carregá-la e subir outra vez, incessantemente. Albert Camus viu nisto o absurdo e, nos seus cadernos, diz que o sofrimento de Sísifo não reside tanto no esforço de carregar a pedra, mas na angústia de ter de descer encosta abaixo para o eterno recomeço...É a angústia primordial do homem pensante que se prende com a procura do "sentido" da vida,  chamemos-lhe "angústia existencial" ou outra coisa qualquer.

Ao contrário do teólogo que  só tem certezas, o filósofo só tem dúvidas. O teólogo faz filosofia para demonstrar a sua Verdade e  justificar a sua Fé.  O filósofo apenas quer respostas para as suas dúvidas. A verdade do filósofo nem sempre é conveniente, por isso a liberdade foi a mãe da filosofia. Foi na urbe da Grécia antiga quando se ascendeu a chama do poder emanado da demos que se criaram condições para questionar a mitologia e enfrentar os dogmas das religiões.

Durante milhares de anos o homem procurou a explicação das coisas, e  aquilo que conseguiu é extraordinário. Desceu ao átomo, desvendou as galáxias, explicou a criação do Universo, aventurou-se no espaço, mostrou a evolução das espécies, conheceu os segredos do corpo humano, penetrou nos meandros do inconsciente, descodificou o genoma, cavalgou as ondas hertzianas, pôs a eletricidade ao seu serviço, e já ninguém se atreve a colocar limites à sua ambição de saber.

Na verdade chegou, como Sísifo, ao cimo do monte. Mas já olha para o vale e teme que voltar, mais uma vez, lá abaixo seja o seu destino... ou, quem sabe, se não o castigo por, também ele, querer enganar a Morte!