segunda-feira, 7 de abril de 2014

IPCC: Um Sério Aviso

O painel intergovernamental para o estudo das alterações climáticas (IPCC), criado pela Organização Meteorológica Mundial (WMO) e pelas Nações Unidas, é constituído por três grupos de trabalho. Em setembro de 2013, foi produzido pelo Grupo I o relatório que se ocupou da análise dos aspetos físicos e científicos relacionados com o clima e as suas alterações. A conclusão desse relatório foi clara: o homem está a interferir com o equilíbrio da hidrosfera e da atmosfera, e, com esta interferência, afeta a biosfera e a vida que ela integra. Por outras palavras, a atividade do homem está a pôr em causa o futuro da própria espécie humana.

O relatório do Grupo II, que é a sua quinta avaliação - a quarta tinha sido em 2007 -, e foi publicado no último dia de Março, analisa o impacto ambiental e económico das alterações climáticas. Mais tarde, o relatório do Grupo III ocupar-se-á das medidas a tomar para mitigar os efeitos desses impactos. Baseado no contributo de 436 autores e um total de 1729 revisores, o relatório agora publicado intitula-se Climate Change 2014: Impacts, Adaptation and Vulnerability. A conclusão sintese é de que os efeitos das alterações climáticas já estão a ocorrer em todos os continentes e em todos os oceanos. O impacto desses efeitos é, na maioria dos casos, prejudicial à economia e acarreta prejuízos ambientais. Alguns sistemas e algumas regiões estão mais expostos e serão mais vulneráveis.

O relatório está redigido com grande rigor científico. Não se fala de certezas, fala-se de probabilidades. Para cada possível ocorrência apresenta-se o grau de probabilidade dela acontecer, e também o grau de probabilidade de ela ter como causa as alterações climáticas. Para evitar alarmismos, não se fazem previsões, apresentam-se cenários. Faz lembrar a forma como os médicos apresentam o prognóstico de evolução de uma doença grave. Não se exclui o milagre da cura, mas para o médico é sinónimo de certeza quando há 99% de probabilidade da doença evoluir de uma certa forma.

A linha de raciocínio dos relatores é esta: as alterações climáticas são perigosas (hazardous em Inglês) e estão associadas a vários riscos. O relatório enumera concretamente oito desses riscos cuja ocorrência, para todos eles, é considerada com um grau muito elevado de probabilidade estatística (uma simpática perífrase para significar que elas vão de certeza acontecer). Esses riscos estão associados a:
  1. Subida do nível médio das águas do mar, acompanhadas de tempestades e inundações, afetando as regiões costeiras e ilhas baixas. 
  2. Inundações em zonas baixas urbanas 
  3. Ocorrência de danos sistémicos provocados pela rutura de redes elétricas, de abastecimento de água, de sistemas de saúde e de emergência. 
  4. Ocorrência de vagas de calor afetando zonas urbanas e trabalhadores de ar livre. 
  5. Rutura dos circuitos alimentares e escassez de alimentos provocada por calor, inundações e excesso de precipitação que pode afetar sobretudo as populações mais pobres. 
  6. Limitações no acesso à água para rega e consumo, provocando redução da produtividade na agricultura e na pastorícia, sobretudo em regiões semiáridas. 
  7. Desaparecimento de ecossistemas marítimos e costeiros, acompanhadas de extinção de espécies, afetando, sobretudo, os trópicos e as regiões árticas. 
  8. Perda de aquíferos e águas interiores, afetando a biodiversidade, a produção de bens e limitando as funções que desempenham para a subsistência das populações. 
O cidadão comum, mais familiarizado com o discurso político do que com relatos científicos, ouve estas notícias e acredita que as anunciadas desgraças ainda vêm longe, e tudo se há-de resolver. Ele preocupa-se com o dia de hoje e com o que se passa à sua volta, importando-se pouco se algumas ilhas no Índico irão ficar submergidas ou se o mesmo acontecerá no delta do Nilo ou no delta do Mekong onde se produzem grandes quantidades de alimentos. E porque havia de preocupar-se, quando continua a ver a televisão a transmitir as mesmas novelas, a austeridade a corroer o nosso poder de compra e o Benfica a marcar golos?

A partir da revolução industrial ocorrida na viragem do século XVIII para o XIX, introduziu-se uma dinâmica de crescimento na economia nunca antes vista. Até essa altura, e durante milhares de anos, o homem viveu em paz com o planeta, extraindo dele recursos que na maior parte dos casos eram repostos naturalmente de uma forma cíclica. O carvão e a máquina a vapor criaram a produção em série e aumentaram a mobilidade. De uma forma rápida e acelerada, o homem começou a extrair cada vez mais recursos, e a produzir cada vez mais poluição. Em duzentos anos a população do planeta multiplicou-se por seis. O automóvel, a eletricidade, o computador pessoal e a revolução urbana alteraram o nosso modo de vida de forma irreversível. Mas os sinais são preocupantes e o planeta parece estar a reagir.

O aviso dos cientistas do IPCC é um aviso sério. Suspeito que pouco ou nada será feito para contrariar as tendências expressas, e que tudo não passará de boas intenções. Imagino que - à semelhança do que já se faz nos pacotes de cigarros - se imponha um autocolante nos automóveis dizendo "Andar de carro ajuda a destruir espécies". Tal como acontece com os fumadores, o efeito do aviso será muito reduzido. E os estragos continuarão a ocorrer, de forma irreversível. A economia e o planeta estão em rota de colisão. Quando se der o embate, será a economia que sofrerá os maiores estragos. Sem economia a espécie humana ficará desprotegida e poderá caminhar para a extinção. Mas a Terra continuará a fazer uma rotação sobre o seu eixo a cada vinte e quatro horas, e a completar o seu percurso em redor do Sol em cada ano!

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