segunda-feira, 12 de maio de 2014

Os Estados Críticos



Na Europa ocidental da Idade Média, com a economia centrada no  artesanato e na agricultura, a Igreja desempenhava um papel importante. Nos reinos medievais, a Igreja estava incumbida de funções administrativas, registava os casamentos, os batizados e os óbitos. Era também a igreja que, através da caridade, assegurava o apoio social, que ministrava a educação e os cuidados de saúde. Era o papa de Roma que  tutelava e reconhecia os Reis. As elites que administravam os estados medievais detinham a  posse e administravam as terras e asseguravam a defesa do Reino. Com a revolução industrial as coisas mudaram e a Igreja foi gradualmente perdendo a sua importância.

 Na economia mundial, hoje identificada como a economia de mercado ou o capitalismo, coexistem duas entidades  fundamentais: os estados e as grandes empresas multinacionais. Elas têm funções muito diferentes. Um Estado pressupõe um território, um governo, uma população e uma soberania. Para as empresas multinacionais apenas interessa a população, o seu poder de compra e o enquadramento legal do exercício da atividade económica. Em síntese, os estados governam países, as multinacionais exploram mercados. Numa economia próspera, a convivência entre países e mercados tem sido pacífica e até proveitosa para ambas as partes. As multinacionais pagam impostos, geram empregos, aceleram o crescimento. E os países progridem.

Duzentos anos atrás no tempo da conferência de Viena que, em 1815,  definiu fronteiras na Europa após as guerras napoleónicas, o número de países contava-se por dezenas. Atualmente existem no mundo 196 países reconhecidos, dos quais 193 são membros da ONU. Todas as partes do planeta, mesmo as mais recônditas,  pertencem a algum deles. Até o território da Antártida está atribuído à jurisdição de algum país. Mas nem todos os países são iguais. Entre a riqueza per capita do país mais rico e a do país mais pobre a relação é de 250 para 1. É entre estados que as desigualdades económicas e sociais são mais flagrantes.

Quando falamos de um país estamos também a falar de um estado e os dois conceitos apresentam-se, muitas vezes, como sinónimos.  Um país pressupõe a existência de um estado, e um estado pressupõe a existência de um país. O estado é uma estrutura orgânica que suporta a existência de um país. Está organizado, tem um governo, uma população, um território e uma soberania. Tem leis próprias, e, nos modernos estados, uma Constituição que é a sua lei fundamental.  Ao contrário do país que permanece estável, o estado é dinâmico. Podemos, por exemplo, perguntar se Portugal, a nossa pátria comum, é a mesma coisa que o Estado Português? Portugal já foi um estado monárquico, e hoje é uma república, e já teve várias constituições e vários governos. Ou seja, o país é o mesmo mas o estado pode mudar.

Com a integração de Portugal na União Europeia o papel do Estado vai alterar-se. Quando a União Europeia tiver uma constituição própria, e uma política fiscal e orçamental comum, fará sentido falar dos seus estados membros como países independentes? Podemos talvez falar de clusters de estados ou se um super Estado. Se a Europa, como tudo indica, tiver, no futuro, uma política externa e de defesa comum, então os países que a integram perdem uma das caraterísticas que os identificam como estados, que é a soberania.  Muitos acreditam que aquilo que está a acontecer na Europa será o  modelo para  organizar o mundo do futuro. Mas, para que tal se torne realidade, o caminho a percorrer em muitas zonas, nomeadamente na África, na Ásia e na América Latina, é longo e cheio de escolhos.

Na previsível  situação de profunda crise que o capitalismo do século XXI vai enfrentar, muitos mercados vão deixar de ser atrativos para as empresas multinacionais. Ora, abandonar um mercado é muito fácil para essas empresas. Haverá muitos países cujos estados vão ser abandonados à sua sorte. Serão os países mais pobres, com menos recursos, os que têm mais elevadas taxas de crescimento demográfico e menos proteção social.  E são aqueles onde o impacto das alterações climáticas se fará sentir com mais intensidade. São esses os Estados Críticos que constituem o elo mais fraco da Economia Global.

Quando isso acontecer vai colocar-se a questão da solidariedade, conceito que a economia dos mercados entende mal. E a humanidade terá de enfrentar uma situação nova, e, a bem ou a mal, muita coisa vai ter de mudar.

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