segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O Conseguimento

A Presidente da Assembleia da República, que é a segunda figura do Estado, foi amplamente visada nas redes sociais por ter introduzido um neologismo no nosso vocabulário: conseguimento. Na verdade, ela usou a palavra inconseguimento com o vago sinónimo de incapacidade ou frustração. Fê-lo de um modo tão desastrado que o vocábulo passou a tresandar a chacota, evoca-se como anedota, e, de tão mal tratado que foi, dificilmente encontrará espaço para se afirmar no léxico do discurso dos nossos pensadores e muito menos dos nossos políticos. E, no entanto, é um substantivo que merece que lhe seja atribuído um significado, pois para ele não é fácil encontrar um sinónimo.

Conseguimento deriva de conseguir. O efeito de conseguir algo coisa será o conseguimento. Ora tal como de impedir deriva impedimento, de cumprir deriva cumprimento e de sentir deriva sentimento, nada obsta a que de conseguir derive conseguimento.

Conseguir significa obter algo, alcançar um objetivo, uma meta ou uma posição. Mas conseguir não se refere apenas ao momento de alcançar ou obter o que se deseja, pois o conceito inclui o esforço e a ação desenvolvida até atingir o objetivo. Conceito que está próximo do significado de manage to get ou de manage to obtain dos ingleses. Conseguir implica, pois, vontade, diligência persistente e um caminhar sempre orientado na direção ao pretendido, contornando obstáculos, derrubando muros, afirmando valores. Se, por exemplo, o Governo de Portugal conseguir cumprir as metas do deficit  orçamental a  que se propôs – contra tudo e contra todos, contestação social, Tribunal Constitucional, oposição, etc. – estaremos perante algo que é mais que um cumprimento, que é, de facto, um conseguimento.

Precisamos, pois, urgentemente, de um substantivo para traduzir o cumprimento esforçado , continuado, planeado e diligente de um propósito ou de um objetivo difícil de cumprir. Por mais que eu me esforce por encontrar uma palavra que tenha este significado só me ocorre o maldito conseguimento. Claro que eu posso usar o infinito do verbo – o conseguir – e substantizá-lo, mas isso satisfaz-me menos que o substantivo derivado.

O homem é educado para conseguir: conseguir acabar o curso, conseguir um bom emprego, conseguir ter sucesso, conseguir enriquecer. Para uma ave, fazer o ninho, ou para o leão, caçar a presa, não é conseguimento, É comportamento  instintivo, é natural, não exige planeamento e é o que se espera desses animais. Mas pode sê-lo para o homem que constrói a sua casa ou cria uma empresa. Afinal, o progresso é o resultado de sucessivos conseguimentos que fizeram a Civilização Humana.

Os animais transmitem aos seus descendentes o conhecimento que lhes permite sobreviver. Nós, humanos inteligentes, transportamos o passado para o futuro. Carregamos o conhecimento e os bens que acumulamos. Deixamos aos nossos filhos o conhecimento mas também as coisa que acumulámos, para o bem e para o mal: as cidades, as armas, as bombas, as desigualdades, o dinheiro, as dividas. E deixamos-lhe as leis as regras que fizemos para nós mas que esperamos eles cumpram e respeitem. Afinal, deixamos-lhes tudo aquilo que conseguimos, e pedimos-lhe que consigam mais.

O conseguimento e a urgência de conseguir cada vez mais coisas, está a enredar-nos na complexidade, obriga-nos a gerir o futuro e rouba-nos o presente que é onde reside a felicidade. Conseguiremos encontrá-la?

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