segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Grécia e Portugal

A Grécia é um santuário, berço da Civilização Ocidental. Aí nasceu a Filosofia, mãe das ciências, e a Democracia, mãe do moderno estado organizado. O grego foi a língua que formatou o nosso pensamento cientifico e deu nomes às ciências, e significantes aos conceitos que utilizam. Não podemos ignorar os contributos dos romanos e do latim; dos judeus cujo pensamento, enxertado no pensamento grego, produziu o cristianismo; do ressurgimento renascentista ligado às artes e ao comércio das repúblicas italianas; da expansão ibérica que revelou os novos mundos; das luzes do iluminismo francês e da revolução industrial nascida em Inglaterra, que foi a antecâmara da moderna economia e da globalização. Mas são gregos os genes da Civilização que domina a Terra.

No passado mês de Abril, convidado por um casal amigo, visitei a Grécia acompanhado pela minha mulher. Escrevi, então, sobre as fortes impressões que essa viagem me causou num texto que intitulei as sementes da democracia, o qual acabou por ser publicado nas páginas do semanário Expresso.  Foi com emotiva surpresa que, passados alguns dias após essa publicação, recebi na Fundação uma chamada telefónica da  Embaixada da Grécia dizendo que o Embaixador tinha gostado de ler o artigo e gostaria de me conhecer.

A oportunidade chegou na semana passada . Recebi um convite do Sr. Embaixador Panos Kalogeropoulos para assistir a uma cerimónia na sua residência em Lisboa. Tratava-se de homenagear a professora jubilada Maria Helena da Rocha Pereira, a quem iria ser entregue a Cruz da Ordem da Fénix que lhe fora atribuída pelo presidente da República Grega. E, assim, no final da tarde de quarta feira, dia 5 de novembro, vesti o meu fato-de-ver-a-Deus e lá fui ao Restelo.

Fui recebido pela secretária da embaixada que me introduziu na sala de estar onde o embaixador recebia os convidados. Ao ouvir o meu nome, cumprimentou-me com um sorriso afetuoso e um breve comentário, associando-me de imediato ao artigo do Expresso: - As sementes da democracia ! Apontou-me a homenageada: junto a uma lareira, sentada numa cadeira e denunciando uma clara dificuldade de locomoção, estava uma senhora de proveta idade e aspeto franzino. Era a professora Maria Helena da Rocha Pereira,  a primeira mulher que ascendeu à cátedra na secular Universidade de Coimbra, arqueóloga, helenista, investigadora e uma impressionante obra produzida. Parecia incrível e irreal que aquelas mãos tivessem escrito tantos artigos e que aquela mente pudesse ter traduzido a República de Platão, as Bacantes de Eurípedes ou a Antígona de Sófocles. Senti-me tentado  a  ir cumprimentá-la, e beijar-lhe as mãos. Mas não o fiz, por temer que a minha insignificância e limitada cultura pudessem profanar aquela serena e doce figura.

O Embaixador Kalogeropoulos fez o elogio da homenageada, destacou a sua obra, o seu impacto tanto a nível nacional como internacional, antes de lhe colocar no peito a insígnia que lhe tinha sido atribuída. 
A professora, de uma forma clara e concisa, leu um discurso em que se referiu à importância da cultura grega e à beleza da sua linguagem, onde destacou o dialeto Ático. Com a  sabedoria de quem sabe do que fala, aquela ilustre professora apresentava-se, aos meus olhos e  naquele momento, como uma ponte cultural  que ligava Portugal e a Grécia.

No cocktail que se seguiu, de copo na mão, senti-me perdido no meio daquela gente onde não conhecia ninguém; arrisquei estabelecer conversa com um grupo que estava mais perto, declarei-me náufrago e pedi ajuda. Os meus solícitos salvadores eram arqueólogos, antigos alunos e colaboradores da professora, também eles agora professores, um no Porto outro em Coimbra. E estava também um sobrinho da homenageada. Respirei fundo; estava salvo. Falámos da Grécia, de Creta, de Micenas e de Delfos. Foi com imenso prazer que 
ouvi aqueles ilustres professores falar de escavações e de fragmentos de vasos gregos descobertos em Trás-os-Montes. Um deles tinha, inclusive, escavado na Ágora, em Atenas.  E ocorreu-me comparar a Psicologia,  a ciência que se ocupa do estudo da alma do Homem, com a Arqueologia, que é a ciência que se ocupa do estudo da alma da Humanidade.

No final, despedi-me do embaixador com um Kalinixta, desejando-lhe uma boa noite e agradecendo-lhe tão honroso convite. A minha aventura grega não podia ter terminado de melhor forma.

PS: As sementes da democracia pode ser lido aqui

2 comentários:

  1. Um LINK ali em cima era oportuno, razoável e salutar. E facilitador. Porque é bom reler o texto referido, e foi para isso que os links se inventaram.

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  2. Quem aprecie e goste de ler os embaixadores amantes das Letras – Marcelo Duarte Mathias, Seixas da Costa, José Manuel Villas Boas, José Calvet de Magalhães etc. -, não pode deixar de se sentir deliciado com esta descrição a traço fino do ambiente da passagem da Cultura pelos bastidores dos salões do poder.
    Afinal, Os Territórios do Vale do Coa nomearam, há pouco tempo, o Drº Luís Queirós – sem z ou consoante dobrada no nome - seu Embaixador, e a escrita nesta sua primeira incursão promete.
    AR

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