segunda-feira, 28 de julho de 2014

História do Petróleo. Os Primórdios

Foi em Oil Creek, na Pensilvânia, que tudo começou. Corria o ano de 1858, já o coronel Edwin Drake desesperava e se dispunha a abandonar a perfuração, quando, no dia 27 de Agosto, o petróleo, negro e viscoso, jorrou abundante e espontaneamente das entranhas da terra. A utilidade do petróleo foi logo reconhecida, pois extraía-se dele, por destilação, o querosene usado na iluminação e que veio substituir a cera, o pez, o azeite e, sobretudo, o óleo de baleia. Quem percebeu o alcance do negócio foi John D. Rockefeller que, anos mais tarde, haveria de organizar uma empresa para o produzir, para o refinar, para o transportar e para o vender. O resultado foi a Standard Oil, que rapidamente iria absorver os concorrentes e transformar-se num trust de grandes dimensões. Nessa época, destacou-se o trabalho de uma corajosa jornalista, Ida Tarbell, ao conduzir uma campanha que muito contribuiu para que o Supremo Tribunal americano, em 1911, com base nas leis anti-trust, viesse a decretar o desmembramento da Standard Oil, originando o nascimento de muitas filhas, entre elas a Esso, a Exxon, a Mobil, a Amoco e a Chevron.

Rapidamente, a febre da prospeção do petróleo alastrou ao mundo inteiro. As descobertas seguintes tiveram lugar em Baku, no Azerbeijão, e em Sumatra, nas Índias Orientais, território sobre a administração holandesa, hoje Indonésia. Em Baku, os irmãos Nobel destacaram-se no desenvolvimento da produção, juntamente com a família francesa dos Rothschild. Em Sumatra, formou-se a Royal Dutch que em 1900 após a morte do seu primeiro presidente, Augusto Kessler, passou a ser dirigida por Henri Deterding, um jovem ambicioso e determinado a dar luta à supremacia mundial da Standard Oil.

Entretanto, começava a colocar-se o problema do transporte da matéria prima, o qual era inicialmente feito em barris de madeira. Marcus Samuel, um judeu inglês filho de um negociante que importava conchas do Oriente, criou uma companhia a que chamou Shell, inspirado no negócio do seu pai. Ele foi o primeiro a usar, em 1892, o primeiro navio tanque - o Murex- para transportar petróleo e cruzar o canal de Suez, abrindo o comércio da matéria prima no extremo oriente. Em 1907, Marcus Samuel haveria de unir-se a Henri Deterding para formar a Royal Dutch Shell (60% holandesa e 40% inglesa). Pela primeira vez, a Standard Oil tinha um concorrente de peso. Começava o reinado do petróleo, o qual haveria de mudar o mundo e alterar o curso da Civilização de uma forma nunca antes vista.

Um dia, quando o petróleo escassear, iremos perceber ainda melhor toda a importância desta substância viscosa que o engenho humano soube extrair das profundezas da terra e do mar onde esteve aprisionado durante milhões de anos. O cavalo tornou-se obsoleto com o petróleo, que deu asas ao homem e permitiu realizar o sonho de Dédalo e a ambição de Ícaro. Ele fez explodir a população mundial, criou as fibras que nos vestem, libertou os bois do jugo do arado, fertilizou e arroteou a terra que nos alimenta. Os objetos que nos integram na teia das comunicações, nos interligam com o mundo e com os outros e transformaram o modo de viver do nosso dia-a-dia são feitos de materiais derivados do petróleo.

O petróleo estimulou a ambição do homem, e esteve na origem de dois sangrentos conflitos que balizaram o século XX. Foi o petróleo que fez as cidades, está a saturar a atmosfera de CO2 e ameaça o equilíbrio que a natureza conseguiu alcançar ao longo de milhões de anos. Hei-de voltar à história do petróleo para tentar mostrar até onde nos trouxe a aventura começada naquele longínquo dia 27 de Agosto de 1858. E, sobretudo, para tentar antecipar e encenar o último ato daquilo que pode ser - ou não! - o prelúdio de um novo alvorecer.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O Caso BES

"Todo o mundo é composto de mudança, 
tomando sempre novas qualidades"
Luís de Camões


Aquilo que está a passar-se no Grupo Espírito Santo só pode ser entendido como uma consequência tardia da crise que, desde 2008, está a abalar a economia mundial. Naquele ano, por razões várias, começou a verificar-se uma desaceleração do crescimento económico que se repercutiu em primeiro lugar no sistema financeiro e no lugar onde ele, principalmente, está sediado: os Estados Unidos. Os ajustamentos subsequentes obrigaram a reduzir o crédito à economia e a eliminar os excedentes financeiros criados artificialmente, cuja existência, tal como na pirâmide de Ponzi, só é permitida pelo roulement do crescimento.

Um grupo como o GES tinha tudo para sofrer o impacto da crise, e, para mim, só é de espantar o tempo que isso demorou a acontecer. Em países como Portugal, sem recursos naturais, a economia funcionava movida pelos drivers da construção civil e do turismo. O GES estava no coração do processo. Tinha ligações ao governo, financiava as obras públicas que sustentavam o emprego e promoviam o crescimento. Quando se tornou claro que este não era o caminho a seguir - e isso não foi logo evidente para os governantes - os grupos de cariz financeiro entraram em sofrimento. A atração de espaços com forte liquidez, injetada pelos recursos energéticos - nomeadamente os casos de Angola e do Brasil -, surgia como uma via salvadora. Mas também estes países enfrentam problemas de natureza social, e o desenvolvimento dos seus recursos desacelerou. Os ativos não financeiros do Grupo nada produzem e, para além de serviços nas áreas da saúde e do turismo, têm mais caráter especulativo do que valor produtivo intrínseco.

O Grupo teve ainda a seu favor o facto de dispor de um banco que, favorecido pela multiplicação dos depósitos captados aos clientes - uma vantagem arriscada que, como se viu, não era possível manter indefinidamente - podia ser utilizado como fabrica de dinheiro e fonte de crédito. A gestão familiar, que numa primeira fase cria resiliência, torna-se fonte de conflitos quando os elementos familiares - que sucessivas gerações vão multiplicando - se tornam ávidos dos dividendos que vão escasseando.

As ligações da Comunicação Social com o poder económico acabam também por ser relevadas como axiomas neste caso: vemos o principal colunista do Expresso (MST) emudecido sobre o assunto, ao que parece, preso em dependências familiares e incapaz de encontrar isenção - como lhe competia - para fazer uma fria análise do caso. E assistimos, na TVI, ao patético malabarismo de Marcelo, amigo de Ricardo, que, mais preocupado com a opinião de que com a verdade, se esforça em explicar e justificar o injustificável.

A grande lição a extrair deste caso prende-se com a evidência de que a política está submetida ao poder económico, e demonstra que a economia está dependente do crescimento, o qual, em ultima análise, está sujeito às leis da Física e às leis da Natureza que o limitam. Os estragos que o caso BES vai provocar em Portugal, na sua política e na sua economia, ainda estão por avaliar. Não deixa, contudo, de ser uma boa oportunidade para refletirmos sobre nós e sobre o nosso futuro comum.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

O Mundo e a Transição

Faz esta semana um ano que foi editado o Mundo em Transição, o livro em que foram reunidos alguns dos textos publicados neste blog. Os textos - e devo isso à preciosa ajuda de um amigo - acabaram por ficar agrupados de uma forma lógica e coerente, o que confere ao livro uma certa unidade de pensamento. Tive algumas reações simpáticas ao livro, umas inesperadas e outras até surpreendentes. Mas, num país onde se editam 10,000 títulos por ano, abordando um tema não necessariamente popular, e nas actuais condições do mercado editorial, o livro não foi - nem eu esperava isso - um êxito de livraria.

O Mundo em Transição acabou por ser um livro de divulgação, com um pendor didático, que foi colher ideias a uma corrente de pensamento em expansão, de raíz americana, que se interroga sobre o futuro da nossa civilização. A ideia forte desta corrente bebe da obra que disseminou essa linha de pensamento : Limits to Growth, publicado em 1972, que congregou um movimento que não mais deixaria de ganhar expressão. A questão dos limites e da impossibilidade do crescimento contínuo é pois a questão central do livro. Nas últimas décadas, já depois da publicação do Limits to Growth, ganhou força a questão das alterações climáticas que, por ainda estar mal estudada, não tinha sido abordada em 1972.

A questão da energia fóssil e do seu previsível esgotamento tem sido amplamente debatida, sobretudo a partir da viragem do século, gerando um amplo movimento de especialistas que dissecaram o tema e deixaram demonstrado que o esgotamento das reservas de carvão, gás natural e petróleo é apenas uma questão de tempo. Foi também estabelecida a relação entre energia e crescimento que os economistas, parecendo acreditar que o dinheiro significa riqueza, teimavam - e teimam! - em ignorar.

Inspirado pelos trabalhos de Joseph Tainter, procurei assinalar no Mundo em Transição os perigos do futuro e alertar para o delicado problema da complexidade das redes e organizações que suportam a nossa civilização. É uma armadilha extremamente perigosa, que poderá provocar danos irreversíveis quando a complexidade, por ser anti-económica, tiver de ser reduzida ou já não puder ser aumentada.

Aludi ao problema demográfico cuja solução aponta para a forçosa necessidade de estabilizar a população. É uma ideia já consensual e que reabilita Malthus, mas se torna paradoxal na medida em que estabilizar a população significa criar dois problemas aparentemente insolúveis: um deles, as assimetrias entre países pobres - altamente prolíferos - e países ricos a definhar em termos de vitalidade; o outro tem a ver com o envelhecimento dos seres humanos incompatível, a prazo, com a vitalidade e o futuro da espécie. O planeamento da fertilidade é algo que ofende as leis da natureza e pode ser, a prazo, a causa da degeneração e extinção do homo sapiens.

Para mim, a parte mais original do Mundo em Transição tem a ver com a condenação desta economia que nos governa e que, por ser predadora e cega relativamente aos danos ambientais, em nada contribui para a solução dos graves problemas civilizacionais que enfrentamos. Antes pelo contrário, só os agrava. O reforço da Globalização - falo da ampliação dos acordos de comércio livre e da parceria do Atlântico Norte – é uma exigência da economia, e a decisão dos políticos de a implementar só se compreende porque a política obedece cegamente à economia, e nada pode fazer contra ela.

A mensagem final, inspirada em Tim Jackson, de que é possível prosperar sem crescimento, baseia-se na recusa em aceitar o colapso. Ela é uma via estreita que não deixa margem para erros e vai obrigar a decisões corajosas e muito inconvenientes. Aliás, só possíveis de tomar quando a sustentabilidade se impuser à economia e fechar todos os caminhos de saída. Então, sobre os escombros do tsunami, que se seguirá ao abalo, poderá surgir a redenção da Luz.


segunda-feira, 7 de julho de 2014

O Sol

A energia total do cosmos já estava presente no momento do big bang. Em última análise, todas as formas de energia são nucleares pois estão relacionadas com as ligações das partículas no núcleo dos átomos. No processo de fusão nuclear, que ocorre nas estrelas, liberta-se uma grande quantidade de energia sob a forma de radiações. Também – é o que ocorre nas centrais nucleares – se liberta energia na cisão nuclear dos átomos de certos elementos chamados isótopos. Todo o processo evolutivo do Universo – desde a formação de estrelas, ao aparecimento dos planetas e à origem da vida – implica trocas de energia. E tudo evolui no sentido do aumento da complexidade: a complexidade organizada que é a vida e a complexidade desorganizada ou o caos que é resultado do aumento contínuo da entropia universal.

Também na Terra, considerada como uma parte do sistema solar, as duas formas básicas de energia disponíveis derivam dos isótopos radioativos – a energia nuclear – ou da fusão nuclear que ocorre no Sol – a energia solar. O Sol é a principal fonte de energia ativa que atua sobre a superfície da terra em particular sobre a biosfera. As outras formas de energia – eólica, carvão, petróleo, etc – derivam dela. E o futuro da Humanidade está dependente da capacidade que a nossa espécie tiver para capturar e aproveitar a seu favor a energia solar.

O carvão e os outros combustíveis fósseis incorporam a energia solar acumulada durante milhões de anos. Foi o Sol que fez desenvolver os organismos que se acumularam e decompuseram nas jazidas de petróleo, que fez crescer as plantas que originaram a turfa e a antracite, e é o Sol que produz os alimentos que sustentam as espécies animais. Quando um dia os homens se confrontarem com a escassez dos combustíveis fósseis terão de procurar no Sol a energia para preservar a sociedade organizada. O futuro da Humanidade estará, como sempre esteve, ligado à energia solar. Quando estiver esgotado o tesouro fóssil terá de voltar a colher-se essa energia no dia-a-dia, como acontecia na pré-era fóssil, mas agora necessariamente em quantidades muito superiores para manter a grande complexidade técnica e social entretanto criada.

A produção de energia elétrica pelo efeito fotovoltaico será a forma privilegiada de a capturar e a rede elétrica será a forma de a distribuir. Vão ter de melhorar-se as formas de a armazenar para que possa ser usada quando for precisa, faça sol ou faça chuva.

Uma sociedade baseada na energia solar será muito diferente da atual baseada nos combustíveis fósseis. O fim do motor de combustão interna terá fortes implicações na agricultura e na mobilidade. O motor elétrico não tem, em rapidez e em potência, a resposta do motor de combustão interna, tão vantajosa para trabalhos pesados ou para movimentar grandes cargas. As grandes obras de engenharia tais como estradas, barragens, ou arranha-céus, ficarão muito condicionadas. Em particular, o sector da aeronáutica sofrerá um grande impacto, pois não existem alternativas energéticas ao jetfuel capazes de propulsionar – de forma conveniente - as aeronaves da atualidade.

Vistas as coisas no plano económico, uma redução da energia disponível provocará um retrocesso civilizacional. Mas as aquisições da ciência, da informática e das comunicações poderão compensar essa perda. Afinal, a Internet permite uma nova forma de mobilidade muito menos consumidora de energia e a realidade virtual poderá levar-nos a todos os lugares sem sair das nossas casas.

Na Era Solar, a economia será forçosamente de outro tipo. Será uma economia de racionalização e de eficiência. Será mais frugal e mais vegetariana, e o consumo deixará de ser o motor do crescimento e do desenvolvimento. Haverá uma rigorosa planificação demográfica e uma grande parcimónia na utilização dos recursos. Os valores da democracia, da liberdade e dos direitos do homem darão lugar uma política nova, onde o coletivo terá primazia sobre o individual. Terá de ser uma sociedade mais igualitária, governada por outros valores e com outros objetivos que não sejam o ter de crescer a todo o custo.