segunda-feira, 23 de março de 2015

O Admirável Tempo Novo

A evolução tecnológica ocorrida nas últimas décadas foi impressionante. Foram necessários 120 anos para o telefone fixo atingir mil milhões de utilizadores, mas o Facebook atingiu esse número ao fim de oito anos. Muitas das inovações ocorridas estão a alterar de uma forma disruptiva o dia a dia das pessoas. Pensemos na máquina fotográfica de rolo, na calculadora de manivela, no telex, no telefone de disco, na máquina de escrever, no papel químico, no gravador de fita, nos discos de vinil, nas fitas dos filmes, nas cartas enviadas dentro de envelopes selados. Pensemos no tempo em que o dinheiro se levantava aos balcões dos bancos e não havia cartões de crédito. Hoje, tudo isto nos parece obsoleto, mas este era o mundo de há 40 anos, no qual muitos de nós crescemos.

No século XIX, o sentido da inovação foi sobretudo mecânico: o progresso era sinónimo de grandes máquinas com complexas engrenagens. O século XX foi o século da eletricidade, do néon, do transístor e das ondas hertzianas; foi o reinado do eletrodoméstico, da rádio e da televisão. O século XXI é o século digital que associa a informática e as telecomunicações. É o reinado do microprocessador, é o tempo da internet e do multimédia. Está a ocorrer uma revolução na forma de comunicar que, a nível civilizacional, só tem paralelo com a revolução que foi a invenção da escrita. Só que a atual é universal, interativa, global, e está a desenvolver-se de forma muito mais rápida.

Sobretudo junto dos jovens, o tempo passado a usar o smartphone, o tablet ou o computador pessoal ocupa o tempo antes usado na leitura, no desporto e/ou no convívio. As grandes tendências são o envio de mensagens, o entretenimento - os jogos, a música, os filmes -, as transações comerciais, as redes sociais, a conversa em grupos, a pesquisa de informação. Os aparelhos eletrónicos já são como que uma extensão do nosso próprio corpo, em que as mãos são o principal interface entre a mente e os ecrãs táteis desses aparelhos.

Ocorrem-me estas reflexões a propósito do recente anúncio das inovações da Apple para este ano. Acentua-se a miniaturização, aumenta a capacidade de armazenar dados, torna-se mais rápido o seu processamento, acresce a autonomia das baterias. As aplicações - as novas ferramentas - sofisticam-se e multiplicam-se com grande rapidez. Abre-se uma nova frente de produtos: os adereços inteligentes, com o relógio de pulso e os óculos a tomar a dianteira. Tim Cook, o CEO da Apple, diz que existem 700 milhões de Iphones (um para cada dez habitantes do planeta!). No domínio do digital, a capacidade de produzir inovações aumenta mais rapidamente que a capacidade de as absorver!

É difícil prever o que nos espera nos próximos 40 anos. Muitos já se interrogam sobre se será o homem mais livre e mais feliz em resultado deste progresso anunciado. Na economia liberal as aplicações são desenvolvidas numa ótica de mercado, pretendem responder a necessidades - reais ou criadas pelas próprias aplicações -, satisfazer anseios individuais. Não existe uma valorização ética ou moral, nem uma avaliação coletiva do seu impacto - sobretudo de longo prazo - ou do seu interesse social. A dependência destas novas tecnologias acentua-se sobretudo entre os jovens. Ora, se a dependência das drogas é licitamente condenável, por que razão não condicionar o uso de certas aplicações ou tecnologias que criam dependências porventura ainda mais graves?

Os factores que condicionam a inovação são sobretudo técnicos e económicos, mas existem implicações políticas, sociais, legais e ambientais que importa acautelar. Os desenvolvimentos são feitos numa ótica individual e de curto prazo. Por exemplo, surgem muitas aplicações para gerir a saúde que são importantes para aumentar a esperança de vida, o que sendo uma coisa boa para os indivíduos, pode ser má para a espécie que passa a envelhecer, a exigir cuidados acrescidos e a reproduzir-se menos. Também as inovações subjacentes à revolução agrícola - falo dos transgénicos, da certificação das sementes -, aumentam a produção, uniformizam, padronizam, extinguem espécies. São uma coisa boa para a espécie, no curto prazo, pois permitem alimentar mais pessoas. Mas são, a longo prazo, uma coisa má para a biodiversidade e para a sustentabilidade do planeta... Afinal um risco para a própria sobrevivência da espécie humana.

O sucesso da tecnologia cria nas mentes a ilusão de que o homem conseguirá tudo: que conquistará o Universo, que explicará a criação da matéria, da vida e a inteligência. Mas convém estar atento às armadilhas da inovação!

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