segunda-feira, 1 de junho de 2015

A Pedra Filosofal

O discurso que o ministro da saúde, Paulo Macedo, fez, no passado dia 21 de maio, no Grémio Literário foi otimista e, se considerarmos as reações da assistência onde se encontravam muitos médicos, até convincente. A mensagem, reproduzida na primeira pessoa, foi a seguinte: numa situação difícil, decorrente de um contexto de crise económica e com restrições orçamentais, corrigimos desequilíbrios, fizemos acordos, pagámos dívidas, empregámos pessoas, melhorámos a qualidade do serviço. De tal forma que, no pós 25 de Abril, o sector da saúde em Portugal foi o que mais progrediu - mais do que a educação ou a justiça -, o que nos coloca, numa comparação mundial, ao nível dos países mais avançados.

Pela boca do orador ficámos a saber que sete milhões de pessoas recorrem anualmente ao SNS (os outros não precisam ou têm alternativa, por exemplo, seguros, ADSE, clinicas privadas, ...); que o SNS em Portugal faz 40 milhões de consultas ano - a que devem acrescentar-se mais 10 milhões se consideramos as consultas de enfermagem -; que faz 500 mil cirurgias; que atende 6 milhões de urgências - urgências que não são atendimento permanente, como acontece nos hospitais privados. Gastam-se em Portugal 3,8 mil milhões de Euros em medicamentos, montante do qual o Estado suporta 2,0 mil milhões, como paga também 700 milhões dos mil milhões de euros gastos em dispositivos médicos. Há médicos de família para 7,5 milhões de portugueses, mas estão em formação médicos que passarão a ser médicos de família, compensando os que se reformam e assim garantindo plena cobertura a curto prazo.

O ministro sublinhou que o sector da saúde (que representa 10% do PIB) tem um forte peso na economia. Referiu, a propósito, que o Estado recruta os médicos recém- licenciados a 100%, que é um caso único no panorama desolador do desemprego jovem. É um sector exportador, contribuindo com 1.100 milhões de euros para o prato positivo da balança comercial. E com um peso significativo na área da investigação e da inovação, ao citar como exemplo os trabalhos desenvolvidos pela Fundação Champalimaud e pelo Instituto de Medicina Molecular.

Mas é em relação ao futuro que ele colocou as maiores interrogações. Nós trabalhamos, diz Paulo Macedo, para que as pessoas vivam mais tempo. Ora, nos próximos 40 anos, os custos com a saúde vão agravar-se entre 50 a 100%, pois continuará a aumentar a esperança média de vida e vai ser necessário continuar a haver inovação. Estamos confrontados com doenças com peso crescente na despesa como a diabetes - que absorve 1% do PIB e afeta 900,000 pessoas -, as doenças crónicas, as doenças oncológicas... Vamos ter de reduzir os custos das infraestruturas de saúde e desenvolver os cuidados continuados e os cuidados de proximidade. Falou nos centros de referência a criar ao nível europeu e no interesse em que alguns deles fiquem sediados em Portugal ou Espanha.

Considerando que no futuro haverá mais pessoas a necessitar de cuidados de saúde e menos pessoas a contribuir para o sistema, a grande questão é a de saber como o sector irá ser financiado. Entende ser urgente a outorga de um pacto para a saúde que venha definir o modelo de financiamento do sector, nomeadamente, qual a percentagem do PIB que lhe deve ser afeta.

Desta conferência decorrem questões importantes, diria até centrais, para o nosso futuro coletivo. Convém que vamos pensando nelas e não metamos a cabeça na areia. Vencer a morte e alcançar a vida eterna foi o desejo permanente do homem pensante e consciente do seu destino terreno. Foi essa aspiração que originou a religião, que justificou os sacrifícios humanos, que esteve na base do culto dos mortos. Foi também essa a grande motivação dos alquimistas na busca incessante da pedra filosofal e do elixir da longa vida. Incapaz de vencer a morte, hoje, o homem preocupa-se em prolongar a vida. E se atentarmos no progressivo aumento da esperança de vida à nascença, aos poucos, está a consegui-lo. A grande questão será a de saber quais os limites para a esperança de vida e qual o preço a pagar pelo seu prolongamento.

No futuro, sabemos que a população do planeta vai ter de estabilizar. Acredita-se ser dez mil milhões de indivíduos a capacidade suportável pelo planeta, capacidade que pode ser atingível no final do presente século. Mas, em termos de crescimento populacional, nós confrontamo-nos com grandes assimetrias regionais. E são esperadas fortes tensões nas fronteiras que separam essas regiões. Veja-se o que se está a passar no Mediterrâneo e na pressão demográfica exercida pelos países do Norte de África.

O aumento da esperança de vida aliado à estabilização populacional vai ter como consequência um envelhecimento da população e uma quebra da sua taxa de natalidade. As consequências desse facto para a economia e para o futuro da espécie estão mal estudadas. Assim, numa situação de crescimento zero, prevejo que não se atingirá o desejado equilíbrio populacional. As ameaças ao rompimento desse equilíbrio vêm do campo da economia, da sustentabilidade ambiental e da vitalidade da espécie. Haverá uma diminuição relativa da idade fértil em relação à idade total, o que implica uma diminuição da capacidade reprodutora. Numa população progressivamente envelhecida a necessidade de cuidados filiais- cuidar dos velhos -,superará a necessidade de cuidados maternais- cuidar dos novos. Só que estes são instintivos - estão escritos nos genes - e aqueles são normativos, dependem das convenções e da ética. Uma contradição às leis da natureza que um dia se colocará à sociedade dos humanos.


1 comentário:

  1. Bem o sei e sinto. Se quisese(m) poderia cuidar de 5 octogenários( no núcleo familiar restrito ) e de nenhum bébé, por enquanto. Mas chegará o dia em que essa contradição me tocará pessoalmente e, quem sabe, antes dos 80...

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