segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Desenvolvimento e Luz

Por ocasião do aniversário da Asta, fui convidado a falar na Cabreira sobre o tema "Desenvolvimento e Luz". O texto que se segue resume o essencial da minha apresentação.

Na natureza, tudo flui, nada é permanente.  No Universo, nada é estático. Essa foi uma lição que aprendemos no longo caminho do percurso da civilização. Lição que veio contrariar as verdades sobre a criação,  absolutas e definitivas do Génesis e dos mitos das religiões antigas. A ordem que nos foi oferecida pela mitologia e pela Bíblia está  hoje generalizadamente contestada . E nada está definitivamente arrumado. As verdades de hoje serão negadas pelas verdades de amanhã.

Desde Edwin Hubble que ficámos a saber que o Universo - este Universo, pois começa a aceitar-se a teoria que ele será apenas um de muitos! -  teve um princípio  que ocorreu com o big bang,  há cerca de 14 mil milhões de anos!.  Com Darwin e a “Origem das Espécies” aprendemos que o homo sapiens apenas existe há alguns escassos milhões anos e que ele não é mais do que o elo de uma cadeia evolutiva, um aperfeiçoamento adaptativo a partir de outros primatas, eles próprios um outro elo dessa cadeia que se iniciou com os animais unicelulares.

Existiu, pois, um princípio de tudo, e tudo está em constante mudança. Podemos até falar de uma mudança com um sentido… caraterizado por uma crescente complexidade. Duma massa homogénea inicial, o plasma, começaram a formar-se as partículas atómicas, e o elemento mais simples o hidrogénio. Depois formaram-se as estrelas onde se deu a fusão nuclear e o hidrogénio se transformou em hélio. Em algumas estrelas, as partículas elementares e os átomos leves agregaram-se em átomos pesados e nelas se formaram os elementos químicos, entre eles o carbono, o oxigénio e o silício. Ao fim de algum tempo, por acumulação de energia, essas estrelas - as supernovas - explodiram, e projetaram esses elementos no espaço à sua volta. E foi essa poeira cósmica das supernovas que originou os planetas e outras estrelas. E que fez a Terra, onde surgiu a Vida. E é dessa poeira que nós, humanos, somos feitos.

É  na permanente busca do sentido da mudança e na apreensão do seu significado - algo que sempre nos escapa! - que reside a principal razão da angústia existencial dos humanos. Subimos a encosta da montanha carregando o peso da existência, e, chegados ao cume, vemos a pedra rolar de novo até ao vale. E recomeçamos a subir de novo, carregando outra vez e outra, o mesmo peso. É a história de Sísifo e do absurdo de Albert Camus, que nos diz que mais penoso que o esforço da subida é  a angústia da descida. A descida é o sem sentido  uma espécie de percurso ilógico e absurdo.

O sentido das mudanças - do desenvolvimento se quiserem -  é um  problema (na verdade, o problema) metafisico essencial do ser humano. As questões metafisicas subjacentes, que são aquilo que eu designo por paradoxias porque não têm resposta, nem têm explicação.  Elas  estão o centro das religiões que as dogmatizam, na impossibilidade de as explicar. A Ciência aproxima-se da explicação e explica o como - nalguns casos - mas não explica o porquê.

De onde vimos e porque estamos aqui?

Na tentativa de interpretação da criação feita pela Física, nada se diz do porquê. Esse é, tem sido, sobretudo um assunto do foro da Religião. Ou do domínio da Metafísica, para os que não aceitam a explicação trivial e dogmática das religiões. Ora, a Metafísica é um labirinto que tem uma porta de entrada, mas não tem uma porta de saída. Todos os filósofos que se debruçaram sobre o tema partilham, com Álvaro de Campos/Pessoa, a angústia de quem espera que se "abra uma porta ao pé de uma parede sem porta". E esse é o preço de querer usar a inteligência para indagar sobre as causas últimas dessa mesma inteligência. Porque a inteligência é ela própria também uma paradoxía, e uma paradoxia nunca explicará outra.

O que é que preside à organização da matéria para criar a vida?

Num momento posterior ao da criação da matéria, surge a segunda paradoxía, a da criação da vida.  O código do ADN, o princípio da reprodução e da evolução, inerentes à vida já estavam presentes no plasma indiferenciado do momento inicial. Ou não estariam? É o segundo big bang, o da explosão da vida. Este segundo principio criador não terá acontecido num único lugar. Na Terra, a vida irrompeu em múltiplos lugares, milhões, biliões, quem sabe. A vida é a matéria organizada, capaz de se reproduzir, de evoluir e de se aperfeiçoar. A lei da vida contraria a lei da entropia, que diz que a matéria tem tendência a desorganizar-se. Qual a força que organiza a matéria, que cria o ADN, que determina a reprodução?

A consciência: como é que um ser vivo se tornou consciente?

Sabemos hoje que a vida surgiu na Terra e evoluiu ao longo de milhões de anos. As primeiras espécies nasceram na água, e passaram para a terra sólida. Algumas desenvolveram-se, reproduziram-se, evoluíram e adquiriram um sistema nervoso. Um dia, uma espécie adquiriu a consciência do ser, da vida e da morte. Como foi isto possível, ninguém explicou. A consciência é um dom extraordinário apenas dado ao ser humano. A consciência do eu e a consciência da morte foi o terceiro big bang, a terceira paradoxía.

O sentido da evolução

Matéria, vida e consciência, são os elos de uma cadeia num processo evolutivo. Mas falta-nos perceber o porquê e o sentido dessa evolução. Se é que ele existe. Será que algum dia o compreenderemos? Esta é a quarta paradoxía e é aquela que mais aflige o ser consciente. Admitir que um dia a espécie humana pode extinguir-se sem ter chegado a entender as paradoxías referidas é o maior dos absurdos.

A Luz como resposta

Até hoje as paradoxias não tiveram resposta. Nem no plano científico, nem no plano metafísico. Quando as construções mitológicas se desmoronam perante a lógica ou a Fé se perde perante as injustiças dos deuses, apenas no resta o sonho e a paixão dos poetas e dos artistas para explicar as paradoxias. Creio que é no sentir dos poetas e na criatividade dos artistas que se intui a resposta. Só uma iluminação vinda não se sabe de onde permite superar a angústia do homem perante o absurdo existencial.

O oposto da angústia provocada pelo absurdo é o êxtase da iluminação espiritual . Pode ser uma redescoberta de Deus. Um Deus porventura diferente daqueles que foram criados pelos homens.   Luz é Amor. No Amor  não há lugar para o absurdo  pois tudo tem resposta. O Amor é a vitória de Eros sobre Thanatos.  Sempre que nasce uma criança, é como se vencêssemos a lei da Morte.

Nada melhor que este espaço sagrado da Asta, com o  ambiente purificador que nos envolve, para procurar a  Luz redentora  que permite alcançar o estado de graça libertador das angústias existenciais.

2 comentários:

  1. Lendo outra vez, depois de ouvir, tudo é mais claro.
    És muito mais claro escrevendo do que falando. Isso contraria a tradição dos mestres de S. Pedro, vide E. Lourenço.
    Chapelada, companheiro!

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  2. Sem resposta para as "paradoxias" levantadas o autor retorna a Empédocles e o seu "Amor", ou Afrodite reconcialiadora e unificadora apesar da "Discórdia"
    Uma bonita saída para a não saída!

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