segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Esquerda, Direita e a Quadratura do Círculo

O conceito de esquerda, centro e direita, para designar o posicionamento político dos partidos, parece remontar à assembleia legislativa que se reuniu em França nos anos que se seguiram à revolução de 1789. Na sua aceção inicial tinha a ver com a posição que os deputados dos diferentes grupos ocupavam na sala dos debates. Foram tempos conturbados, inspirados pelas ideias que tinham estado na origem da independência americana. Tempos que haviam de abrir caminho à modernidade e à democracia.

Atualmente, nas democracias ocidentais, esquerda e direita agregam eleitores e suportam grupos políticos - os partidos - que divergem entre si nos planos político, económico, social, cultural e laboral. Ser de direita é ser conservador; ser de esquerda é ser progressista; a direita privilegia a estabilidade e a ordem; a esquerda privilegia o movimento e a mudança. Historicamente a direita era monárquica e a esquerda republicana; a direita era religiosa, tradicionalista e rural, ao passo que a esquerda era agnóstica, progressista e urbana. A direita é associada aos patrões e empregadores e a esquerda aos empregados e assalariados. De alguma forma, a direita está associada à preservação do poder pelas elites que o detêm. A esquerda congrega os aspirantes a substituir as elites no poder.

No tempo da Revolução Francesa, a esquerda era predominantemente constituída pela burguesia e pelo baixo clero que se opunham ao poder e aos privilégios da nobreza e do alto clero. O século XIX e a Revolução Industrial trouxeram as ideias marxistas teorizadas à volta da dialética entre o capital - detentor dos meios de produção - e do trabalho do proletariado. Com a vitória da revolução bolchevique na Rússia czarista, em 1917, Lenine levou à prática estas ideias. Foi adotada uma nova economia - a economia socialista - em que o Estado era o detentor da propriedade da terra e dos meios de produção; a produção era planificada e não estava sujeita à concorrência baseada na lei da oferta e da procura.

No Ocidente, durante uma grande parte do século XX, a direita confundiu-se com o capitalismo e os valores da tradição cristã, e a esquerda com os princípios do marxismo-leninismo e a economia socialista. Foi o tempo da guerra fria. No período do pós guerra, o contributo de novos fatores de produção - a tecnologia e a energia - deram origem a um forte surto de desenvolvimento que criou nos países ocidentais uma ampla classe média. Foi com o apoio dessa classe media que vingou a social democracia, uma forma mais suavizada de capitalismo, que visava corrigir pela via fiscal as desigualdades sociais e promover o desenvolvimento do estado social nas áreas da saúde, da educação, e da proteção na velhice, no desemprego, nas situações de incapacidade e de pobreza.

A crise de 2008 - afinal uma profunda crise do capitalismo! - com o acentuar das desigualdades sociais, o aumento do desemprego e os cortes nas pensões, nos salários e nos benefícios do Estado Social ameaçou a classe média. Isso criou uma generalizada reação de indignação contra essa política. Muitos passaram a acreditar que só a esquerda poderia preservar o sistema e as regalias que a social democracia - numa alternância pendular do poder entre o centro e a direita – tinha criado, mas não conseguia manter. Essa indignação fez nascer uma nova esquerda que, de alguma forma, se aproxima do conceito de direita naquilo que historicamente a caracterizava, isto é, a defesa dos privilégios adquiridos e a manutenção da ordem e da estabilidade.

A classe proletária há muito definhou na Europa. A nova esquerda não discute a propriedade privada, e já ultrapassou a discussão centrada na dicotomia capital-trabalho. As ideias de Marx e de Lenine estão obsoletas e já não arrastam multidões. A indignação - traduzida numa revolta contra a austeridade e aquilo que ela implica - é, em si mesma, a grande bandeira da esquerda. Vimos isso na Espanha, na Grécia, e, embora em menor escala, também em Portugal. Esquerda que, numa expressão mais radical, chega mesmo a afirmar-se de anti capitalista, mas receando advogar a falhada economia socialista. Não existem referências, nem heróis, nem casos de sucesso que sirvam de exemplo para este movimento. Com o anunciado fim da Cuba de Fídel de Castro - vencida pela globalização - acabou a última referência do socialismo como nós o entendíamos na nossa juventude. Até o pobre Alex Tsipras, convertido à direita - algo que tínhamos visto no Brasil com Lula da Silva -, já não conta como referência.

Na minha juventude, ser de esquerda era acreditar naquilo que nós chamávamos a construção do homem novo. Era acreditar numa sociedade mais solidária, mais justa e mais igualitária. Na minha opinião, os novos caminhos da esquerda - entendida como a ideia de movimento e mudança - só podem ser os caminhos da Transição e da Esperança. Com todas as profundas transformações que essa opção implica. Parece que ainda estamos muito longe disso. Até lá, viveremos num labirinto, de crise em crise e de governo em governo, como que a tentar resolver o problema da quadratura do círculo.

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