segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Impressões de uma Viagem pela Europa

Os franceses da região de Lille parecem ignorar que há cem anos, muito perto dali, nas linhas das trincheiras da Primeira Guerra Mundial, se jogava o futuro da Europa e do Mundo. Aparentam um ar grave e triste. Parecem felizes nas superfícies comerciais a transportar carrinhos de mão, abarrotados de compras, e nos restaurantes aquecidos devorando suculentos pratos de carne: filets, côtelettes, rotis e cassoulets.

Atravessa-se a França de carro e as cidades ficam-nos ao lado: Rouen, Amiens, Le Mans, Tours, Angoulême ... As auto estradas são canais assépticos que só revelam a monotonia da paisagem e camuflam a atividade humana. Eu ainda conheci a outra França, das pequenas aldeias balzaquianas, das mobillettes e das pessoas levando na mão as longas baguettes de pão.

Para o viajante ou o turista de hoje o digital domina tudo. Já não precisamos de mapas nem de guias. Com um smartphone e as facilidades do roaming estamos conectados com o mundo inteiro.

Na noite da meseta, o céu volta a ganhar a dimensão e o mistério que a luz elétrica e o néon das cidades lhe roubou há muito. Até a Lua grande, que já a começou a minguar, não consegue esconder o esplendor da bela constelação de Orion. E o esbranquiçado dos aglomerados da Via Láctea deixa voar a nossa imaginação para o infinito, e remete-nos à nossa insignificância.

Na judiaria de Hervas, tento compreender o drama provocado pelo Édito de Expulsão promulgado pelos Reis Católicos. Muitos judeus foram dali empurrados e vieram povoar as terras da raia portuguesa: Belmonte, Trancoso e Castelo Rodrigo. Imagino que alguma daquelas casas teria sido ocupada por um dos meus antepassados de Mata de Lobos. A Inquisição é, ainda hoje, algo que escapa ao meu entendimento.

Nas primeiras horas após o nascer do Sol, a Estremadura espanhola tem uma beleza estonteante: milhafres e águias elevam-se no ar, impulsionadas pelas correntes ascendentes do ar que o Sol começa a aquecer. A terra, esbranquiçada pela geada, reflete a luz solar e brilha como um espelho. A vista espraia-se por um horizonte sem fim com farrapos de neblina alongando-se sobre os vales.

Já depois de Cáceres, na berma da estrada jaz uma coruja das torres que, imagino, não terá escapado a tempo do choque com um carro a alta velocidade. É um animal que tinha um significado muito especial para as populações rurais. Chamavam-lhe rasga mortalhas, porque o seu grito agourento faz lembrar o ruído rouco do rasgar de um tecido.

Em Estremoz, havia feira Gastronómica de Caça e Pesca. Com ar de sofreguidão, as famílias aglomeravam-se à espera de lugar na entrada dos restaurantes que serviam migas e outras especiarias. Ficavam indiferentes ao trabalho do Eduardo, um taxidermista que na sua banca exibia patos, perdizes, pombos, estorninhos malhados e tordos. Confessou-nos que trabalhava aquela arte, com amor, desde os onze anos de idade. E nós logo ali imaginámos a coruja das torres conservada pelo Eduardo para ficar como recordação desta memorável viagem pela Europa.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Os Genes e as Circunstâncias

Foi uma lição magistral que, no passado dia 19 de Novembro, o professor Manuel Sobrinho Simões veio proferir ao Grémio Literário na sessão de abertura do novo ciclo de conferências sob o tema: Que Portugal queremos ser, que Portugal vamos ter. Manuel Sobrinho Simões é um médico, um cientista e um professor que expõe as suas ideias de um modo informal, e com a simplicidade que carateriza os verdadeiros homens de ciência.

O nosso território, começou por dizer, faz parte da área ocupada durante mais tempo pelo homem de Neandertal, onde permaneceu num longo período que vai desde há 300,000 até à sua extinção, há 15,000 anos. Terá mesmo havido aqui cruzamentos entre o homo neandertal com o homo sapiens. Após o final da última glaciação, ocorrido há 17,000 anos, o norte da Europa, voltou a tornar-se habitável e foi repovoado por povos oriundos do sul da Europa - da península Ibérica, da península Itálica e dos Balcãs - e do norte de África. Nessa altura haveria uma grande homogeneidade genética no continente europeu. Mas desde há 700 anos, a Europa central, uma zona de passagem, passou a ter uma grande disseminação genética, ao passo que no periférico e isolado ocidente da península Ibérica foram os imigrantes que trouxeram novos genes. Por isso, não espanta que 3% dos nossos genes provenham de povos subsarianos e 2% de ameríndios. Genes que foram introduzidos, curiosamente, por via feminina, a mostrar que as famílias aceitavam melhor a incorporação social das mulheres mestiças trazidas pelos imigrantes do que a dos homens.

Mas, os genes são o passado e não são tudo, há que ter em conta as circunstâncias. E para ilustrar isto mesmo, citou os estudos do brasileiro Sérgio Pena que mostraram que apenas no tempo de três gerações, tribos de índios caçadores passaram a ser agricultores, com as transformações físicas que essa mudança implicou. E não é verdade que os genes não mudaram e nós estamos a ficar mais gordos? Tal como o passado, o nosso futuro terá a ver com os genes, mas terá muito mais a ver com as circunstâncias: o sítio onde vivemos, a nossa educação e com a nossa cultura. Aquilo que hoje somos resulta da nossa periferia. Somos os mais periféricos da Europa. Temos um país acidentado, fomos insuficientemente romanizados, somos um país de minifúndio. Tivemos a escravatura até muito tarde e desvalorizámos o trabalho - sedimentou-se a ideia de que só trabalha quem não sabe fazer mais nada. A Inquisição deixou marcas profundas e terríveis. Com a Inquisição destruímos o valor do conhecimento e aumentámos a desconfiança entre portugueses.

No 25 de Abril éramos ainda um país de analfabetos. Nos últimos 40 anos evoluímos muito. Aumentámos a nossa auto estima, é certo, mas isso aconteceu num período de tempo muito curto. Em 1974, a nossa literacia era equivalente à da Suécia em 1830.Não criámos novas elites e conservámos muitos dos estigmas antigos. A resposta que damos ao minifúndio é familiar ou corporativa - somos todos primos uns dos outros.

Temos muito pouca tradição de avaliação e sem avaliação é muito difícil melhorar. Também não temos tradição de recompensa/castigo porque nos refugiamos na tribo ou no clube. Porém, para vencer o minifúndio e o individualismo temos de reforçar as instituições. Nós somos péssimos em termos de nos associarmos em volta de um objetivo, de fazer as perguntas certas. Isto tem incapacitado a sociedade, que se revela incapaz de fazer reformas. Não temos sido capazes de reformar a justiça ou a administração interna, nem capazes de reformar a universidade e o ensino superior. Com excessivo número de faculdades e cursos - uma vergonha! -, ou a tentativa de misturar o ensino técnico com a universidade - um disparate! - não reforçamos o valor institucional, mas reforçamos o valor individual. A fuga de uma geração qualificada de jovens é, em última análise, o resultado da ausência ou da fraqueza das nossas instituições.

Quando abordou o problema da saúde foi para dizer que estamos a ficar muito velhos. Estamos a curar o cancro e as doenças cardiovasculares e respiratórias. As pessoas vivem mais tempo mas ficam com problemas neuro-cognitivos, e a precisar de apoio que não temos condições para lhes dar. Isto poderia ser uma boa oportunidade de criar empregos em pequenas unidades de cuidados paliativos. Mas só pensamos em criar emprego em coisas grandes; somos megalómanos.

Na Europa, com o consumismo, o crédito barato, as rendas, desvalorizamos o trabalho e estamos a acabar com as profissões exigentes. A propósito, referiu que, nos dias de hoje, nenhum inglês esperto escolhe ser médico! As profissões são a coisa mais importante para um país se manter saudável. Em Portugal, vamos ter de depender mais da evolução da Europa do que de nós próprios. Temos limitações geográficas, económicas e muita dependência externa. Acima de tudo, temos de apostar no conhecimento, superar os grandes defeitos educacionais, melhorar a nossa capacidade de understanding, isto é, não aprender superficialmente, mas conhecer com profundidade a razão de ser das coisas e o que está por debaixo (under).

Esta palestra trouxe-me uma outra à memória, proferida pelo jovem Antero de Quental, há quase 150 anos, quando nas Conferências do Casino elencou as causas da decadência dos povos peninsulares no século XVI: 1) O catolicismo saído do Concílio de Trento, dogmático e limitador das liberdades, 2) O absolutismo que anulou o antigo poder local, fomentou intrigas e produziu ociosidade; 3) A expansão resultante das descobertas e das conquistas que trouxe riqueza, mas não gerou indústrias nem desenvolvimento.

Sobrinho Simões confessou que se considera pessimista na análise mas otimista na ação. Lança uma nova luz e uma nova esperança. Na minha leitura, a luz está na Europa e a esperança na Educação.


segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Direitos e deveres

Na Europa medieval, no plano social, os direitos e os deveres das pessoas estavam sobretudo consignados na prática religiosa. A religião cristã - e creio que o mesmo se passa no islamismo - é, na sua essência, uma religião de deveres. Deveres não só para com Deus, mas também para com o próximo. Na sua pregação, Jesus Cristo não incitou os seus seguidores a reivindicar direitos, mas pregou a virtude, a caridade e o amor do próximo como deveres a praticar. Os Dez Mandamentos e as Obras de Misericórdia são disposições de deveres.

Nessa época, os Estados não concediam direitos nem asseguravam qualquer tipo de assistência às pessoas. Direitos sociais não se invocavam nem se reivindicavam. O apoio na doença ou nas provações resultava da prática da caridade que era vista como um dever pelo homem religioso ou pelo humanista. As Misericórdias, as ordens mendicantes e hospitaleiras organizaram-se para regular os direitos e os deveres, ou seja, para distribuir a caridade pela necessidade. Em épocas mais recentes - na esteira das ideias da Revolução Francesa e das convulsões sociais pós Revolução Industrial -, surgiram centros cívicos, associações de benemerência e associações mutualistas com o mesmo papel.

No plano assistencial, o Estado moderno substituiu-se a tudo isso. Os cidadãos dispõem hoje de direitos consignados nas leis - falo da educação, da assistência, etc.. As sociedades modernas marcadas pelo consumismo e pela abundância energética são sociedades de direitos. Todos queremos partilhar das benesses dessa abundância. Estou a falar do Estado Social.

Mas as organizações de pendor religioso e as posteriores organizações cívicas e de pensadores livres impunham - e proclamavam! - deveres que o Estado hoje não impõe nem proclama. Na verdade, os únicos deveres que o Estado hoje nos impõe é o de não infringir as leis - um dever passivo -, e o de pagar impostos. Reivindicar direitos é a palavra de ordem na política e está generalizada em muitas outras organizações. Assegurados os elementares direitos à liberdade e à livre de expressão da opinião, conquistaram-se o direito à reforma, à assistência na doença, na velhice e no desemprego. Reivindicam-se novos direitos para as crianças, para os mais velhos, para os doentes, para os menos capazes, para as mulheres. Os políticos, nos seus discursos, sabem que a promessa de mais direitos conquista mais votos do que proclamar a exigência de deveres. Por isso, não espanta que na nossa lei fundamental a palavra direito apareça 149 vezes e a palavra dever apareça apenas 11. No plural, direitos surge 116 vezes e deveres 41.

Na nossa sociedade, na nossa educação, às vezes até nas relações profissionais e familiares, está a perder-se o velho sentido do dever. E, o que é mais grave, estão a desaparecer os sistemas de valores subjacentes ao sentido do dever. Ora, uma sociedade que assegura aos seus elementos o direito de aprender e não exige o dever de ensinar, que assegura o direito a respirar ar puro e a beber água despoluída, mas não exige o dever de não poluir, que assegura o direito a usufruir a coisa pública, mas não exige o dever de a preservar, essa sociedade, repito, está condenada ao fracasso.


segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Pensar o Mundo, Pensar a Europa, Pensar Portugal.


Pensar portugal

Olhando para o mundo que nos rodeia, vemos um mundo cada vez mais global – suportado por uma economia exigindo um crescimento contínuo e exponencial. Por outro lado, vemos um planeta finito, esgotado e poluído, que impõe limites ao crescimento. A necessidade de conciliar estes duas realidades é o maior desafio que, num futuro próximo, se colocará à Humanidade...A economia de mercado está suportada por um sistema financeiro que vive do crédito, ou seja, que é alimentada pela expectativa de criação de riqueza no futuro. O crescimento, por permitir pagar as dívidas, é condição necessária à própria existência da economia de mercado. Sem crescimento, ou com um crescimento reduzido, a dívida deixa de poder ser paga, e o sistema entra em colapso. Vimos acontecer isso em 2008.

A resposta natural da economia de mercado para manter o crescimento é dada pelo reforço da globalização. Acessoriamente, pelo aumento da eficiência na utilização dos recursos, e pela ilusão de que tecnologia pode resolver todos os problemas... Ora, a prazo, a economia ficará sem respostas para manter o crescimento. A globalização tem os seus males: uniformiza gostos, impõe produtos transgénicos, tende a eliminar a biodiversidade, destrói o pequeno comércio e a pequena indústria. O aumento da eficiência vai confrontar-se com o paradoxo de Jevons que postula que o aumento da eficiência no consumo de um recurso acaba por aumentar o consumo desse mesmo recurso. E a ilusão tecnológica  – chamo-lhe ilusão porque a tecnologia, tal como os catalisadores na química, não influencia o resultado final, só acelera o processo – aumenta a complexidade dos sistemas, torna-se mais cara de manter, e, mais tarde ou mais cedo, acaba por ter retornos nulos ou negativos. Além disso, o acréscimo de complexidade tem a agravante de aumentar a probabilidade de ocorrência de cisnes negros, acontecimentos com fraca probabilidade de ocorrência mas de grande impacto (Nassim Taleb).

Pensar a Europa e Portugal na Europa

As mudanças estruturais da economia portuguesa provocadas pela nossa entrada na Europa são irreversíveis. A agricultura tradicional foi reduzida ao mínimo – há quem ache que com sucesso – para se ajustar aos princípios da Política Agrícola Comum (PAC); o tecido industrial praticamente desapareceu pela lógica do mercado aberto e pela abolição do protecionismo; os barcos pesqueiros foram abatidos. Portugal foi transformado num país de eucaliptos e de turismo. Sobreviveram os serviços que não exigem grandes investimentos e um frágil cluster tecnológico, reconhecido além fronteiras, a demonstrar a qualidade da nossa massa cinzenta e a nossa criatividade. Qualquer reflexão tem de levar em conta esta realidade.

Foi a Europa que desenhou este país tal como ele é hoje, e isto foi feito no interesse e na lógica da Europa. Por isso, Portugal não pode ser, agora, abandonado à sua sorte. E parece que está a ser. Portugal, na Europa, não pode nem deve ser um parceiro menor. Apesar da sua dimensão económica, ele é uma peça do puzzle que é este espaço com o qual partilha uma moeda e uma estratégia. Para ter voz, Portugal necessita de ter a autoridade que vem do rigor, da disciplina e do trabalho. A Europa, enquanto espaço económico integrado, não pode falhar. Se a Europa falhar, nós falharemos também.

Mas a  Europa não tem gente, não tem indústria não tem energia.  Tem a cultura, mas de que lhe vale a cultura?  O simples custo de a preservar pode ser demasiado elevado. Tem um serviço social sem paralelo no mundo, mas que, sabe, não poderá manter. Está empenhada em reduzir a poluição, em aumentar a eficiência energética,  e aposta nas energias renováveis.  Mas nesta cruzada, a Europa faz o papel do cavaleiro da triste figura, esgrimindo com lanças contra moinhos de vento, quando a Coreia do Norte aponta armas nucleares ao Ocidente, e a China polui em quatro meses o que a Europa, esforçadamente, deixa de poluir  em 10 anos! Mas o maior perigo para a Europa são as hostes de famélicos que se perfilam e espreitam nas suas fronteiras preparados para abocanhar a presa, ou o que dela restar, ao mais pequeno descuido.

A Europa já não lidera o Mundo, mas quem o lidera? A América, afogada nas sua responsabilidades de guardião da ordem global, que tem de manter um exército longe do seu território, e faz lembrar o decadente  Império Romano dos séculos e III e IV? A China que carrega o peso de uma civilização milenar, e tem de gerir as contradições  entre a sua cultura e o modelo económico que o Ocidente lhe impôs? A Rússia que perdeu o seu tempo e o seu espaço, e que hesita entre aliar-se à China ou à Europa? Todos estes protagonistas sabem que a resposta ainda não é definitiva, mas todos eles pressentem que o futuro do mundo se joga no Médio Oriente,  no eixo que vai de Israel  ao Paquistão.

Pensar Portugal

Na nossa vida pessoal, mas também na existência coletiva dos povos, é sempre bom, de vez em quando, parar por um momento para olhar à nossa volta e refletir sobre o caminho que trilhamos. E, se necessário, arrepiar esse caminho e escolher outro. Em Portugal, entendo eu, estamos agora a sentir essa necessidade. É um tempo propício para avaliar o presente, pensar o futuro e colocar interrogações. Como é que chegámos a esta crise? Como é que vamos sair dela? Poderemos ir mais longe, e questionar a nossa identidade, o nosso lugar no Mundo e o nosso destino coletivo. A verdade é que Portugal não está bem. Vamos, pois, olhar para este país como se de um “doente” se tratasse, fazer o diagnóstico, arriscar o prognóstico e receitar o tratamento. Depois escolher o caminho da cura, e enfrentar com ânimo, e sem vacilar, a tarefa de o percorrer.

O diagnóstico

Como referi no ponto inicial, esta crise mundial é, na minha opinião, a consequência da incapacidade de sustentar, de forma continuada, a taxa de crescimento que o atual modelo económico mundial exige para se manter. A globalização, que é um produto do capitalismo global inspirado nas doutrinas de liberalismo económico, criou o enquadramento organizativo que se impôs no pós guerra, e vigorou nos últimos 65 anos. Até aqui funcionou bem, pois permitiu um crescimento elevado do PIB mundial, destronou as experiências das economias “socialistas”, centralizadas e planeadas, permitiu inúmeras façanhas tecnológicas e descobertas científicas admiráveis. Foi a causa do forte acréscimo da população mundial, proporcionou a uma grande parte dessa população elevados níveis de conforto e bem-estar, permitiu construir e consolidar o “Estado Social e Democrático” que conhecemos e apreciamos na Europa.

A globalização, ao favorecer esse crescimento exponencial da população e da produção, criou uma enorme pressão de procura sobre os recursos naturais: terra arável, água potável, matérias-primas, produtos alimentares e energéticos. Mas, porque esses recursos são finitos, a partir dos anos 90, o mundo começou a pressentir a sua escassez, e a economia passou a confrontar-se com essa realidade. Fatores como o despertar da China e da Índia, com uma grande avidez de matérias-primas para suportar o seu acelerado crescimento, só serviram para aumentar essa pressão de procura e evidenciar o risco de ruturas no abastecimento. Ora, de todos os recursos em risco de escassez, o petróleo é o mais sensível pelos efeitos diretos que produz na economia e, por não existir alternativa que o substitua, nomeadamente na mobilidade.

Associadas a este quadro de escassez de recursos, não podemos ignorar as alterações climáticas provocadas pelo Homem, as suas previsíveis e alarmantes consequências, mas que são desvalorizadas ou consideradas como um problema de menos importância pelos agentes económicos. Todavia, os seus efeitos são percebidos como sendo longínquos e difusos, ao contrário da crise financeira, que sendo o sintoma e não a doença, está muito mais próxima de nós e afeta as decisões económicas do nosso dia-a-dia. Crise financeira que é tão valorizada face à míngua do crédito, que chega a ser considerada a causa da atual recessão económica e não uma sua consequência.

O prognóstico

Embora estejamos, no que à crise diz respeito, perante uma pandemia, e não sendo Portugal um caso isolado, é sobre o nosso país que incide este prognóstico. É que a perspetiva de evolução futura do nosso país é muito sombria.

Apesar da ilusão de abundância que o conjuntural baixo preço do petróleo provoca, não tenhamos ilusões: a energia abundante e barata está a chegar ao fim, e embora as soluções energéticas alternativas sejam boas, são caras e insuficientes. O aumento da eficiência energética leva apenas a um maior consumo global da energia. A retoma é uma ilusão, e o buraco da dívida afunda-se com mais dívida. O “deficit” das contas públicas vai custar muito a reduzir, a divida vai crescer, e com ela as dificuldades de a pagar.

As obras públicas e o investimento público e privado vão afrouxar. O consumo vai reduzir-se e, com isso, os serviços que o suportam, tais como a grande distribuição, a publicidade e o marketing. O turismo flutuará ao sabor da conjuntura, mas, tendencialmente, irá contrair-se; o desemprego no sector, que é fortemente empregador, vai aumentar. A mobilidade vai reduzir-se, os combustíveis, a prazo, vão aumentar de preço e o automóvel vai ficar mais difícil de manter. E mais grave que tudo isso, o Estado Social, que foi criado pela prosperidade do pós-guerra, não poderá manter-se nos moldes atuais.

Começa a generalizar-se a crença de que alguém há-de vir para nos salvar! A consciência da gravidade da situação, sem solução à vista, ameaça conduzir-nos ao desespero. Portugal está mais pobre, sem estratégia, e muitos perguntam: o que fazer?

A receita

“Para grandes males, grandes remédios”, diz o ditado popular, e que se aplica ao nosso caso. Em primeiro lugar, aconselharia os governantes a falar verdade aos portugueses. Ao falar verdade, as pessoas começam a preparar-se para o pior e aceitam melhor a adversidade. Explicar o que está mal, e por que está mal. Explicitar a nossa dependência alimentar e energética, explicar o pico do petróleo, a insustentabilidade do Estado Social.

Como tratamento de continuidade, receitaria o ELP, sigla de Economizar, Localizar, Produzir. Com esta receita, bem aplicada, vamos voltar a cultivar os nossos campos, a reativar a pequena indústria e comércio local, a diminuir a nossa dependência do exterior, e com isso reganhar a independência que estamos a perder. Claro que tem de existir a clarividência necessária para contrariar a desertificação do nosso interior rural, o que exige medidas ousadas sobre o regime da propriedade da terra. Na verdade, o problema do envelhecimento e da não reposição da nossa população ativa é o mais grave que enfrentamos.

Mas acima de tudo há que mudar a atitude das pessoas. Temos de ser mais exigentes com nós próprios. Os portugueses precisam de trabalhar mais e melhor, com mais empenhamento, mais rigor e menos corrupção. Reduzir as gorduras da administração central e local, desconfiar dos subsídios fáceis, orientar a educação para o rigor, mas também para a cidadania. Optar por uma alimentação mais saudável, mais amiga do ambiente, que produza corpos mais sãos e menos obesos– como eu já ouvi alguém dizer, temos de satisfazer o estômago e não a boca. Reduzir fortemente a mobilidade, abandonar a cultura do automóvel particular e da televisão alienante. Desenvolver o orgulho de ser português e de pertença à Comunidade.

Insisto na prioridade da educação: quando a globalização tiver esgotado o espaço de crescimento, quando os recursos tiverem de ser racionados e forem impostos limites às emissões poluentes, vai ser necessário mudar a educação pois a que temos hoje - desenhada com outros pressupostos -  de pouco nos servirá. Vamos precisar de mais cidadania e de menos matemática; vamos ter de voltar a utilizar mais as mãos e de aprender a reciclar; vamos ter de redescobrir a medicina antiga, baseada em produtos naturais; vamos ter de aprender que a verdade nem sempre é aquilo que a televisão nos diz. Acima de tudo, vamos ter de atribuir à educação o seu papel essencial de ensinar a descobrir. 

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A Educação

O envolvimento que, através dos projetos da Fundação Vox Populi, tive nos últimos anos  com o nosso sistema de ensino, permitiu-me ter dele um melhor e mais direto conhecimento. Esse facto tem despertado a minha atenção para este sector. Com o decorrer do tempo, vou consolidando a convicção de que, para assegurarmos um futuro de prosperidade aos nossos jovens, devemos-nos focalizar sobretudo no tema Educação. São duas as questões com que temos de nos confrontar: como educar e para quê? E, para elas, urge encontrar as respostas.

A educação e o sistema de ensino ensino que a suporta, aquela nos seus propósitos e este na sua organização, são sempre pensados no pressuposto que o mundo não muda. Educamos as nossas crianças para a realidade presente e não para a realidade futura, que é aquela em que elas irão viver. Ora, tendo em conta que tudo está a mudar muito depressa, existe um grande risco de que, o mundo - pensado à imagem do mundo de hoje - para o qual educámos os nossos jovens, seja muito diferente do mundo em que eles irão viver. Desse,  já hoje notório,  desajustamento decorrem muitas das angústias, das incertezas e da desorientação que grassa nos jovens.

A minha geração - que é a geração nascida nos anos do pós guerra - viveu numa época de grande abundância e de grande crescimento. Foi uma época marcada por transformações económicas e sociais, na qual muitas pessoas de classes mais baixas ascenderam às novas elites que nesse período de euforia consumista e tecnológica se formaram. Essas novas elites resultaram e  refletiram  o sucesso económico das grandes empresas, o poder dos novos media,  a importância do desporto e do entretenimento.  A principal condição para ascender às novas elites foi a educação que funcionou como um elevador social. Nesta época, embalados pela euforia do crescimento, e acreditando que ele continuaria indefinidamente, educámos os jovens para a competição e para o sucesso:  sucesso nas empresas, sucesso  na política, sucesso desportivo e sucesso académico.

A crise de 2008 trouxe-nos para uma encruzilhada. O crescimento atenuou-se. A revolução digital anuncia extraordinárias mudanças na nossa forma de viver. Vamos interiorizando a ideia de que quando o crescimento estagnar muita coisa terá de mudar. Nasce a consciência das incertezas e dos riscos do futuro, relacionada com a sustentabilidade da economia e dos recursos. Para muitos, começa a consolidar-se a crença que o  mundo do futuro será mais rural, mais frugal,  que a alimentação será mais vegetariana e que haverá menos mobilidade.

Quando a globalização tiver esgotado o espaço de crescimento, quando os recursos tiverem de ser racionados e forem impostos limites às emissões poluentes, vai ser necessário mudar a educação pois a que temos hoje - desenhada com outros pressupostos -  de pouco nos servirá. Vamos precisar de mais cidadania e de menos matemática; vamos ter de voltar a utilizar mais as mãos e de aprender a reciclar; vamos ter de redescobrir a medicina antiga, baseada em produtos naturais; vamos ter de aprender que a verdade nem sempre é aquilo que a televisão nos diz. Vamos, acima de tudo, ter de atribuir à educação o seu papel essencial de ensinar a descobrir. 

O homem novo que a nova educação terá de produzir é o Homem da Transição. Não pode ser o homo economicus mas tem de ser um homem consciente dos limites do planeta, vivendo em harmonia com a natureza, preocupado com a humanidade como um todo. Tem de ter a humildade que resulta da consciência da sua insignificância cósmica. E tem de encontrar o equilíbrio necessário entre o material e o espiritual. Só assim encontrará a prosperidade e a felicidade, afinal duas palavras com o mesmo significado