segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Direitos e deveres

Na Europa medieval, no plano social, os direitos e os deveres das pessoas estavam sobretudo consignados na prática religiosa. A religião cristã - e creio que o mesmo se passa no islamismo - é, na sua essência, uma religião de deveres. Deveres não só para com Deus, mas também para com o próximo. Na sua pregação, Jesus Cristo não incitou os seus seguidores a reivindicar direitos, mas pregou a virtude, a caridade e o amor do próximo como deveres a praticar. Os Dez Mandamentos e as Obras de Misericórdia são disposições de deveres.

Nessa época, os Estados não concediam direitos nem asseguravam qualquer tipo de assistência às pessoas. Direitos sociais não se invocavam nem se reivindicavam. O apoio na doença ou nas provações resultava da prática da caridade que era vista como um dever pelo homem religioso ou pelo humanista. As Misericórdias, as ordens mendicantes e hospitaleiras organizaram-se para regular os direitos e os deveres, ou seja, para distribuir a caridade pela necessidade. Em épocas mais recentes - na esteira das ideias da Revolução Francesa e das convulsões sociais pós Revolução Industrial -, surgiram centros cívicos, associações de benemerência e associações mutualistas com o mesmo papel.

No plano assistencial, o Estado moderno substituiu-se a tudo isso. Os cidadãos dispõem hoje de direitos consignados nas leis - falo da educação, da assistência, etc.. As sociedades modernas marcadas pelo consumismo e pela abundância energética são sociedades de direitos. Todos queremos partilhar das benesses dessa abundância. Estou a falar do Estado Social.

Mas as organizações de pendor religioso e as posteriores organizações cívicas e de pensadores livres impunham - e proclamavam! - deveres que o Estado hoje não impõe nem proclama. Na verdade, os únicos deveres que o Estado hoje nos impõe é o de não infringir as leis - um dever passivo -, e o de pagar impostos. Reivindicar direitos é a palavra de ordem na política e está generalizada em muitas outras organizações. Assegurados os elementares direitos à liberdade e à livre de expressão da opinião, conquistaram-se o direito à reforma, à assistência na doença, na velhice e no desemprego. Reivindicam-se novos direitos para as crianças, para os mais velhos, para os doentes, para os menos capazes, para as mulheres. Os políticos, nos seus discursos, sabem que a promessa de mais direitos conquista mais votos do que proclamar a exigência de deveres. Por isso, não espanta que na nossa lei fundamental a palavra direito apareça 149 vezes e a palavra dever apareça apenas 11. No plural, direitos surge 116 vezes e deveres 41.

Na nossa sociedade, na nossa educação, às vezes até nas relações profissionais e familiares, está a perder-se o velho sentido do dever. E, o que é mais grave, estão a desaparecer os sistemas de valores subjacentes ao sentido do dever. Ora, uma sociedade que assegura aos seus elementos o direito de aprender e não exige o dever de ensinar, que assegura o direito a respirar ar puro e a beber água despoluída, mas não exige o dever de não poluir, que assegura o direito a usufruir a coisa pública, mas não exige o dever de a preservar, essa sociedade, repito, está condenada ao fracasso.


1 comentário:

  1. A sabedoria é o topo duma escala que passa pela informação, pelo conhecimento, pelo saber, até chegar a ela. É uma benesse ler-te, Luís!

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