terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Refletindo a Educação

Educar não é encher o balde, é atear o fogo.
William Butler Yeats

Nos últimos tempos, o tema da Educação tem ocupado muito do meu tempo de reflexão. São muitas as questões, maiores as dúvidas, inseguras as respostas. Deixo aqui, de forma incompleta e desorganizada, alguns tópicos das minhas reflexões. 
  • Qual deve ser a missão da Educação?
  • A quem compete defini-la?
  • Educar para o sucesso, para a competitividade?
  • A educação deve privilegiar a pessoa ou o cidadão?
  • O papel do professor, a importância da formação dos professores
  • A importância dos afetos, da empatia, dos relacionamentos sociais
  • O papel da família na educação.
  • Educação e Religião...
  • Educação e Moral...
  • Educação e Cultura...
  • Educação e Ciência...
  • A inteligência emocional. Pensar, sentir e agir.
  • Educar para a inclusão, para a aceitação das diferenças.
  • Educar para a sustentabilidade económica e ambiental.
  • O foco no aluno ou nos conteúdos.
  • Qual a maior virtude do ser humano? A Justiça? A Tolerância? A Generosidade?
  • Educação e Democracia...
  • ....
Para produzir ideias preciso ouvir quem sabe, preciso de inspiração, preciso de tempo...
Alguém quer ajudar? 

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

As Fraturas da Europa

António Vitorino foi o orador convidado pelo Clube Português de Imprensa para a terceira conferência, subordinada ao tema “ Que Portugal na Europa, que futuro para a União?”, e que o Clube promove em parceria com o Centro Nacional de Cultura e o Grémio Literário. António Vitorino é um conhecido jurista, ex-Deputado, ex-Comissário Europeu, que ali, neste jantar-debate, foi apresentado como um homem inteligente, e muitos veem como uma reserva da Nação, integrando quase sempre a lista de personalidades a considerar para poder ocupar os lugares de maior responsabilidade e destaque na estrutura do Estado.

O ilustre conferencista repetiu algumas das ideias já anteriormente expressas naquela sala, afirmando que a crise profunda que se vive na Europa é uma crise diferente das anteriores e que, para a superar, temos de pensar fora da caixa. E nesse sentido questionou-se sobre se, na construção da Europa, não teremos andado depressa de mais e se não teremos ido longe de mais. Ao concretizar esta dúvida, interrogou-se sobre se o euro terá sido mesmo necessário, e se a sua criação não terá sido um erro histórico. No que diz respeito a Portugal – um País fraco, periférico, endividado e sem competitividade – ele acha que a margem de manobra é estreita e pouco pode fazer sozinho, pelo que a saída do euro só avolumaria as dificuldades. Acrescentou que o próprio mercado interno está incompleto, havendo sectores que estão mal resolvidos, e refere, como exemplos: a energia, os serviços, o mercado de capitais e as fragilidades do sistema financeiro. Abriu um parêntesis para afirmar que a política  monetária do BCE (baseada na criação e injeção de moeda na economia, o quantitative easing) gerou uma falsa ilusão de estabilidade financeira. Todavia, deixou um alerta para a anunciada nova política económica americana, de cariz expansionista (infraestruturas e obras públicas), já que ela poderá gerar inflação e aumento das taxas de juro, cujos efeitos podem vir a fazer sentir-se de forma negativa na Europa e em Portugal. Referiu-se enfaticamente à revolução digital em curso, um processo de mudança acelerada que não reconhece fronteiras e causa de grandes mudanças em vários sectores, nomeadamente na medicina, nos quais pode vir a reduzir drasticamente o emprego. Na linha do que Carlos Moedas já tinha dito, numa conferência anterior ali no Grémio, acha que a Europa ainda não soube materializar em negócios toda a sua elevada capacidade de inovação e criatividade neste domínio.

Na minha opibnião, António Vitorino colocou o dedo na ferida quando se referiu à União Europeia como um espaço de conveniência e não de pertença afetiva, pois não a vemos como a nossa Pátria. O cimento da união são os resultados produzidos, e são os resultados, e apenas eles, que, em última análise, são pesados quando um país avalia o interesse e as vantagens de  pertencer à Europa. Durante muito tempo, havia a sensação de que a União era vantajosa para todos. Nos tempos de crise económica, financeira e social - pensemos nos refugiados - que atravessamos, tal já não acontece: há ganhadores e perdedores e isso está a fraturar a Europa entre uns e outros. Uma das causas do brexit terá sido exatamente a constatação que muitos ingleses fizeram de que estariam a ser prejudicados na União dando mais do que aquilo que recebiam em troca.

Alertou ainda para os perigos da desconstrução da Europa: os países europeus isolados vão perdendo influência no contexto das nações, e em 2035 nenhum país europeu estará individualmente representado no G7. Apontou três domínios prioritários a ter em atenção no futuro: 1) a consolidação do Euro 2) o crescimento económico, que passará pelo reforço da globalização e não pelas políticas protecionistas;  3) e a captacão para a democracia das camadas mais jovens. Estas, tanto no brexit como na eleição de Trump, assumiram com a sua intervenção no espaço publico as posições mais progressistas, ao mesmo tempo, que revelaram, pela sua elevada abstenção nas urnas, estar muito descrentes das propostas e dos políticos que as apresentam.

Nesta conferência, na linha das anteriores, predominou o pessimismo na análise. Todavia, parece-me haver aqui uma insuficiente leitura das causas desta crise, que é diferente das anteriores pela sua natureza, pela sua persistência, pela sua dimensão e pela sua complexidade. Esta não é uma das crises dos ciclos curtos da economia; esta tem de ser contextualizada no tempo longo da história. Factores como o envelhecimento populacional no Ocidente, a intensificação da pressão demográfica na fronteira sul, a descentralização da produção industrial para os países emergentes, o fim dos regimes coloniais e o advento da era digital são importantes. Mas, não menos importantes são os excessos do consumismo, a busca incessante de mais conforto proporcionado pela energia fóssil,  o exagero no uso de recursos escassos e as emissões poluentes. Em síntese, são os limites naturais ao crescimento a impor-se, e a exigir urgentemente que se comece a pensar numa nova economia. Está em causa sermos capazes de contrariar  a visão economicista de curto prazo, que se manifesta pelo egoísmo, pelos interesses populistas, tribalistas e elitistas. Isto remete-nos para uma questão delicada: estamos a assistir à evidência de que a democracia, tal como a conhecemos, favorece essa visão de curto prazo. E impõe-se uma última pergunta: será possível romper o ciclo vicioso?

A construção da Europa foi feita por idealistas que viram muito à frente do seu tempo. A memória da Guerra vai-se desvanecendo aos poucos. Ora, perante as dificuldades, a natureza humana parece ter uma irresistível atração pelo abismo. No entanto, a  Europa foi o berço da economia que hoje governa o mundo. Por isso, temos de estar à altura dos que tiveram a visão de construir a Europa e sermos líderes outra vez na procura de novos caminhos...


terça-feira, 22 de novembro de 2016

A Europa depois do Brexit

No passado dia 10 de Novembro, voltei à Sociedade de Geografia de Lisboa. Desta vez, foi para ouvir Carlos Gaspar e Nuno Rogeiro falarem sobre a Europa depois do brexit. A conferência estava inserida num ciclo denominado: A Europa numa encruzilhada. Foi com um discurso breve e conciso mas marcadamente pessimista que Carlos Gaspar - um especialista em relações internacionais - abriu o debate. Disse que a construção da Europa foi feita para ser uma ever closed union, significando com isto que no edifício europeu havia uma porta de entrada, mas não havia uma porta de saída. Tudo começou com o grupo dos seis do Tratado de Roma, que haveria de crescer primeiro para nove, depois para quinze e por aí fora até aos atuais 28. Ora, ainda havia países a bater à porta da União quando aconteceu aquilo que não estava na cabeça de ninguém: a saída de um membro. E logo um membro de peso: o Reino Unido. Para o palestrante, isto é uma reversão da ideia original e marca o início da desconstrução da Europa.

Carlos Gaspar considera esta saída paradoxal tendo em conta que, no rescaldo da II Guerra Mundial,  a Inglaterra foi um dos grandes impulsionadores da ideia de criar uma Europa Unida. Lembra, a propósito, o pensamento de  Churchill e associa-o à ideia da formação de um exército europeu e à criação da NATO pelo o tratado de Washington. Refere ainda que, mais recentemente, o Reino Unido dentro da Europa estava no centro do programa de governo de Tony Blair. Considera que a Nato e a Inglaterra são dois pilares onde assenta a construção europeia, razão pela qual não consegue imaginar a Europa sem o Reino Unido. Ela ficará desequilibrada pelo peso da Alemanha, país que, na sua opinião, não reúne nem as qualidades políticas nem diplomáticas para substituir a Inglaterra. E remata a sua intervenção concluindo: o brexit tem tudo para correr mal.

Nuno Rogeiro, um conhecido jornalista interessado pelos temas da politica internacional, falou a seguir. Num tom menos fatalista, começou por comparar o e brexit e a eleição de Trump. Encontra analogias nos dois acontecimentos, chamando-lhes processos dinâmicos, visto não estarmos perante situações definitivas. São, no seu ponto de vista, processos regulares, não irreversíveis. Um dia, tudo pode vir a mudar: o Reino Unido poderá voltar à casa comum dos europeus e  virá tempo em que Donald Trump deixará a Casa Branca e os democratas poderão voltar a ocupá-la. Tanto o resultado do referendo no Reino Unido como a eleição de Trump têm a ver com a percepção dos eleitores de que alguma coisa não está a ir bem. No caso do brexit refere-se à complexidade do processo considerando que existem, no Reino Unido, três tipos de partidários da saída da União Europeiaos envergonhados, os assumidos, e os independentistas radicais  do UKIP. Acrescenta que os ingleses invocaram três  razões para o brexit : 1) que o Reino Unido dá mais do que aquilo que recebe da Europa; 2) que existe um excesso da burocracia e do peso legislativo na UE e que 3) o problema dos refugiados veio criar uma grande insegurança das fronteiras. Para explicar a eleição de Trump fala da existência de bolsas de pobreza nos Estados Unidos e na subversão dos conceitos de direita e de esquerda. 

Generaliza-se a ideia de que existe um caminho de retrocesso na Europa. Alguns acreditam que depois de um passo atrás poderá haver dois para a frente. Que a Inglaterra pode voltar ao seio da União, e que Trump pode deixar a Casa Branca. Mas, acho eu, nada voltará a ser como dantes. Não se podem já apagar as marcas dos ventos da história que levaram os homens à Lua, que emanciparam os povos das antigas colónias europeias, que ergueram e derrubaram muros, que trouxeram o conforto às nossas casas, a mobilidade e o estado social. E que trouxeram uma nova forma planetária de comunicar. 

O regresso dos nacionalismos é contrária à corrente implacável das leis da evolução. O encerramento de fronteiras e o regresso do protecionismo económico  - este, curiosamente, defendido tanto pela esquerda como pela direita radical - vai ao arrepio da exigência do crescimento económico. Só pode levar à recessão e às consequências que ela acarreta nos planos financeiro, social e assistencial. Mas a globalização consumista, predadora de recursos e poluidora também não é solução. Estamos perante um dilema. E convém não esquecer que são os dilemas que estão na origem das guerras.

A virtude só pode estar no meio: nem protecionismo nem globalização selvagem. Ora, a virtude emana dos homens bons e sensatos. No ruído da confusão que está a percorrer o mundo e a extremar posições já ninguém parece querer ouvir a sua voz.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

América, América!

A eleição de Donald Trump como 45º Presidente dos EUA deixou muita gente à beira de um ataque de nervos. E o caso não é para menos. A América é o país mais poderoso do planeta; o que acontece na América propaga-se ao planeta global. Nos próximos tempos, aquilo que Trump fizer ou deixar de fazer não interessa apenas aos americanos. Assim, hoje proponho-me passar em revista alguns dos dossiers mais sensíveis sobre os quais a nova administração terá de debruçar-se.

O futuro da Nato, o lobby militar
Com apenas cinco por cento da população mundial, de acordo com dados do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo, os Estados Unidos tiveram, em 2011, uma despesa militar de 607 mil milhões de dólares, que representaram, nesse ano, 41% do total dos gastos militares mundiais. Com 8%, a longa distância, segue-se a populosa China. Toda a estrutura, que suporta a máquina militar americana, representa cerca de 5% do PIB, um peso considerável na economia deste país. Por isso, não admira que exista nos Estados Unidos um fortíssimo lobby criado para proteger a indústria do armamento militar. Qualquer alteração da política externa dos Estados Unidos, que vise reduzir a intervenção militar, vai ter de confrontar-se com este lobby. Neste contexto, a Nato assume uma importância fundamental. Criada para enfrentar o poder da antiga União Soviética, inclui o Canadá, países europeus e a bem armada Turquia. Após a queda do muro de Berlim, teve um importante papel na Guerra dos Balcãs, na Líbia e na estabilização do Leste Europeu. Presentemente, no discurso oficial, a justificação da Nato tem a ver com a chamada ameaça da Rússia. Mas tem também a ver com a proteção do Estado de Israel e a manutenção da presença do Ocidente no Médio Oriente. Não se sabe até que ponto, e por quanto tempo, os americanos poderão continuar a manter o papel de polícias do mundo. Trump já deu a entender que poderá reduzir o esforço americano na Nato e pedir uma maior comparticipação dos aliados europeus. Todavia, foi da boca do Secretário- Geral da Organização que veio uma das primeiras reações, ao revelar preocupação com as consequências da eleição de Trump.

A hegemonia americana na economia digital
Vivemos num mundo dominado pela tecnologia digital. E a tecnologia digital, sediada na América, é um negócio quase exclusivamente americano. Empresas como a Microsoft, a Google ou a Apple têm uma enorme importância estratégica. O poder associado ao controlo das redes de comunicações, dos servidores, das aplicações e das bases de dados é vital para a economia e para a segurança americana. Até que ponto a nova administração será tentada a criar uma sociedade orwelliana, é uma dúvida que persiste. Resistirão os Estados Unidos à tentação de usar o seu poder digital como arma económica, e até militar, provocando perturbações ou blackouts cirúrgicos em sectores económicos ou em espaços situados nas suas zonas de interesse estratégico?

As relações com a Europa
A Europa sem ideologia, sem recursos e capacidade de defender-se a si própria, é hoje uma colónia da América. O essencial da estratégia económica europeia passa pelo reforço dos laços com os Estados Unidos, como é o exemplo bem expressivo do ansiado TTIP- um tratado de comércio livre visando a criação de uma zona económica privilegiada no Atlântico Norte. Mas, para muitos americanos a Europa desunida, em desagregação, sem estratégia e incapaz de superar os seus problemas, está a constituir um fardo injustificado. O brexit, preservando a relação separada com a Inglaterra, seu principal parceiro e aliado, vai contribuir para um maior desinteresse e afastamento da América com uma União Europeia, continental e agregada pela Alemanha.

O reforço da globalização. Os acordos de comércio livre
A globalização tornou-se uma imperiosa necessidade para a economia e para assegurar o seu crescimento. Foi a entrada da China na Organização Internacional do Comércio que motivou o seu elevado crescimento, o qual por sua vez alavancou a retoma da economia mundial nas duas últimas décadas e teve um papel decisivo na superação da crise pós Lehman. Qualquer entrave ao reforço da globalização irá provocar problemas ao crescimento económico, e por consequência, terá fortes implicações económicas, financeiras e sociais. Uma eventual politica protecionista - já anunciada por Trump, visando a China -, e contrária a este espírito globalizante, poderá ter um explosivo potencial de geração de uma nova crise.

O problema dos recursos energéticos. O Médio Oriente
A energia é o principal fator de crescimento da economia mundial. Nesse domínio, adquirem importância especial os combustíveis fósseis, muito em particular o petróleo. Ora, os Estados Unidos são, desde há muito, importadores líquidos de petróleo. Desde o início dos anos setenta, toda a estratégia militar americana está orientada para a defesa e proteção das reservas de energia fóssil do Médio Oriente, e para a segurança das rotas que asseguram o seu escoamento. Isso mesmo foi expresso na Doutrina Carter, enunciada a seguir ao primeiro choque petrolífero. A maciça presença americana no Médio Oriente justifica-se à luz dessa doutrina. Nos últimos anos, a extração de petróleo pelo processo de fracking - o famoso petróleo de xisto -, o aumento da eficiência energética nos transportes, o desenvolvimento das energias renováveis, a redução do consumo em resultado do declínio das indústrias pesadas em detrimento dos serviços, estão a devolver aos americanos a crença de que a tão almejada independência energética externa pode ser atingida. Julgo que o pensamento de Trump, ao anunciar o levantamento de restrições ao fracking e, possivelmente, autorizando a exploração em áreas protegidas do Alaska, vai nesse sentido. Mas, os americanos sabem que não será fácil aliviar a pressão militar no Golfo, pois qualquer cedência nessa zona abrirá caminho aos interesses de outros países como a China, a Rússia, a Índia e o Japão. A acontecer, isso seria uma tragédia para os europeus, que têm na sua grande dependência energética a principal vulnerabilidade. Numa tal situação, não teriam outra alternativa que procurar alianças, a leste, com a Rússia. Para Trump o Médio Oriente será o dossier mais delicado e mais sensível da sua governação. Turquia, Israel, Palestina, Arábia Saudita, Síria, Irão, Afeganistão são peças de um jogo complexo onde se joga muita coisa. Aqui entroncam questões tão importantes como o papel da Nato, as relações com a Europa, inclusive, a gestão dos assuntos relativos aos refugiados e aos emigrantes.

A demografia. Os muros
O elevado crescimento demográfico está a criar fortes desequilíbrios e distorções a nível mundial. As pressões demográficas fazem sentir-se no sul dos Estados Unidos e no Sul da Europa. Tudo indica que a pressão vai manter-se e vai agravar-se quando, tal qual um tsunami, a onda subsariana e hispano-americana começar a deslocar-se para o Norte. O Ocidente rico, envelhecido e desprovido de ideologia e valores é a barreira a transpor. Não haverá muros que detenham a onda.

As emissões poluentes: as alterações climáticas.
A insensibilidade de Trump à questão das emissões poluentes, e o consequente risco das alterações climáticas, está em consonância com o radicalismo neoliberal que só pensa no crescimento a curto prazo e a todo o custo. Após a Conferência de Paris, o problema não pode mais ser camuflado nem ignorado. Perante a força dos movimentos internos e externos, a nova administração americana terá muita dificuldade em ignorar o problema.

Vive-se uma estranha sensação de que a eleição de Trump poderá significar o princípio do fim da Pax Americana. Mas, isso poderá não ser uma coisa necessariamente má. Só o futuro o dirá. Futuro que fica agora mais incerto e muito mais perigoso do que já estava. Por aqui, por este jardim à beira mar plantado, vamos assistindo incrédulos, mas impávidos e serenos, à espera que as coisas aconteçam...

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Por terras da Ria de Aveiro, falando de Educação

Os encontros com professores que realizamos por ocasião das sessões de formação dos programas Nepso e Rato de Biblioteca são momentos muito importantes que nos permitem ficar a conhecer melhor a realidade escolar. A convivência com os  professores e a envolvência com a relidade do dia-a-dia da escola, reforça a nossa convicção de que estamos no bom caminho para ajudar a preparar o futuro dos nossos jovens. Sim, porque falar da educação é falar do futuro. Quando se desmorona o edifício da educação, caem os alicerces do nosso futuro coletivo. Voltar à escola devia ser uma obrigação para todos aqueles que atingem a idade da reforma. Isso far-nos-ia perceber quanto envelhecemos ou sentir quão jovens ainda somos! Desta vez, foi em Ovar onde fomos recebidos pela equipe do Centro Escolar da Regedoura que se situa na freguesia de Válega. Estavam presentes professores do Norte, mais propriamente de Caminha, de Ovar, de Caldas das Taipas, de Ponte de Lima, de Matosinhos e, este ano pela primeira vez, um grupo de professoras da Trofa.

O Nepso (A Nossa Escola Pesquisa a Sua Opinião) é o programa baseado numa metodologia de ensino inovadora que a Fundação Vox Populi está, desde há 7 anos, a levar com êxito a dezenas de escolas portuguesas. Professores e alunos candidatam-se a realizar um projeto de investigação tendo como base um estudo de opinião.  O Rato de Biblioteca é outro programa da Fundação através do qual se procura ensinar os alunos a pesquisar, criticar e conciliar a informação disponível e oriunda de diferentes fontes. Este ano o tema proposto para o Rato de Biblioteca é o voluntariado.

No ensino tradicional, os alunos são preparados para dar as respostas convencionais dos manuais escolares. Tanto no Nepso como no Rato de Biblioteca procura-se estimular os alunos a partir à descoberta das respostas. A fazerem perguntas e a questionarem o mundo à sua volta. O resultado é a aquisição de conhecimento, fruto de um trabalho em equipa. O professor deixa de ser o sabe tudo para ser o condutor da pesquisa. Quando o professor, com os seus alunos, escolhem um tema de pesquisa, eles iniciam, em conjunto, uma caminhada, partem para uma espécie de aventura. Não há temas bons nem maus. Logo no início, debruçam-se e começam a explorar e a contextualizar o tema: perceber os conceitos, o significado das palavras, aprender o que outros já estudaram, identificar as perguntas que ainda não têm resposta. Às vezes, nesta fase ainda preliminar, a vastidão do que encontram por debaixo da parte visível do "iceberg" deixa-os surpresos. E anima-os a prosseguir. Com o Rato de Biblioteca procuramos estimular a pesquisa da informação que circula em grandes quantidades, sobretudo na Internet, e que é um convite ao copy-paste acrítico. Saber usar a informação, filtrá-la, compará-la, relacioná-la e transformá-la em conhecimento, é o principal objetivo deste programa.

O Nepso e o Rato de Biblioteca são uma caminhada de professores e de alunos. São ferramentas que nos ajudam a subir um degrau na escada do saber.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Lembrar e Esquecer

No passado dia 27 de outubro, Guilherme d´Oliveira Martins esteve no Grémio Literário como orador convidado da segunda conferência do ciclo "Que Portugal na Europa, que futuro para a União?", promovido pelo Clube Português de Imprensa em parceria com o Centro Nacional de Cultura. O orador, atualmente administrador da Fundação Gulbenkian, personalidade ilustre da nossa cultura, é um jurista com uma grande experiência política e competência nas áreas económica e financeira. Por isso, não causou espanto que a biblioteca do Grémio onde decorreu a sessão estivesse a rebentar pelas costuras.

Oliveira Martins começou por fazer o diagnóstico da situação na Europa que, segundo ele, vive um dos períodos mais difíceis dos últimos sessenta anos da sua história: um crescimento fraco – a Europa tem agora o mesmo PIB de 2008, enquanto o PIB americano cresceu em igual período 19% -, lideranças enfraquecidas, partidos populistas em ascensão, regresso dos egoísmos nacionais. A agravar tudo isto, está em curso o brexit que veio trazer muitas outras incertezas políticas e económicas. Logo no início, porém, deixou uma mensagem de otimismo e confiança: precisamos de olhar para o futuro, e acreditar; o mais importante é não cometer erros irreversíveis.

Numa época em que se desvanece a memória da guerra, precisamos lembrar e, ao mesmo tempo, esquecer: lembrar para que uma tragédia semelhante não volte a acontecer, esquecer para que não perdure a vingança, nem o ódio, nem o ressentimento. Frisou ter sido uma guerra longa de 30 anos a que se viveu na Europa no século passado, pois à Primeira Guerra Mundial, que acabou com a humilhação dos vencidos no Tratado de Versalhes, seguiu-se a Segunda como continuação da anterior. Desde o final do conflito, e a propósito, sublinhou a importância no pós guerra do plano Marshall, vivemos o mais longo período de paz da história europeia.

Centrando-se na situação da Europa, citou um artigo de Jacques Delors, publicado há dias, para afirmar que, em relação ao passado, devemos ser menos ambiciosos e também mais ambiciosos. Menos, aceitando que não podemos construir uma Europa perfeita, e mais para atingir três imperativos: salvaguardar a Europa como um espaço de paz, garantir o seu desenvolvimento sustentável e preservar a sua diversidade cultural. Voltou ainda a citar Jacques Delors ao afirmar que a União Económica e Monetária está mal preparada para a crise que aí vem, apontando como causas da estagnação: o fechamento da economia no seu mercado interno, a resistência à inovação e à criatividade, a fragmentação política e a insuficiência das medidas de coesão económica e social. Com um orçamento Europeu igual a 1% do PIB global não pode haver coesão, pois um valor de 3% seria o mínimo necessário, embora ainda insuficiente. Em síntese, a União Europeia necessita de mais convergência e mais crescimento.

Acrescentou ser o próprio Instituto Jacques Delors que aponta a necessidade de atuar em três direções 1. Reforço da estabilidade 2. Reforço acrescido da união bancária e maior controlo económico 3. Maior proximidade com os seus cidadãos. Sobre este último ponto, realçou que a União se apoia na legitimidade dos Estados e na legitimidade dos seus cidadãos, considerando necessária uma maior intervenção dos parlamentos nacionais. Guilherme d´Oliveira Martins diz, enfaticamente, que "falta à União Europeia um senado” onde todos os seus Estados estejam igualitariamente representados e trabalhe em conjunto com o Parlamento Europeu.

Disse ser consensual entre os analistas terem sido os últimos dez anos uma década perdida. Todavia, insistiu em afirmar que a Europa é mais necessária do que nunca, e ser fundamental a existência do Euro, apesar de incompleto e ameaçado pelos maus resultados da convergência. Sintetizou a sua análise ao dizer que vivemos num sistema de polaridades difusas que geram a ameaça do terrorismo e a incapacidade de encontrar soluções, e que necessitamos de um sólido orçamento da zona Euro bem como de reforçar os mecanismos de estabilização e confiança. Além disso, temos de saber lidar com o brexit, uma nova circunstância que nos obrigará a criar uma união de segurança.

Não se considera otimista em relação ao futuro da Europa; em contrapartida, declara-se confiante em relação a Portugal. É que para lá do potencial resultante da plataforma continental, o português - língua de várias culturas e cultura de vários línguas -, será um dos cinco idiomas (os outros são o pequinês, o hindi, o espanhol e o inglês) que mais vão crescer até 2070. Aliás, com 400 milhões de falantes no final do século, o português é já, neste momento, o idioma mais falado no Hemisfério Sul. Concluiu, dizendo ser necessário apostar na sustentabilidade – económica, demográfica, social e ambiental-, na inovação, na criatividade e na sobriedade económica. Ora, se temos menos, então temos de viver com menos.

O discurso de Oliveira Martins torna-se vibrante e contagiante quando fala de Portugal e da portugalidade. Infelizmente não consigo partilhar do seu empolgante otimismo. Tenho presentes opiniões proferidas, naquela mesma sala, por outros oradores ao dizerem que Portugal não tem estratégia, que a classe política olha demasiado para as suas conveniências, que as pessoas se preocupam mais com o individual do que com o coletivo e que não somos capazes de criar consensos para as reformas que se impõe fazer. Não posso esquecer que ficou sem resposta a pergunta que constituiu o tema do anterior ciclo destas conferências "Que Portugal queremos ser?" Mas hei-de lembrar as palavras sábias que ouvi a Guilherme d´Oliveira Martins proferidas no Grémio Literário. Dessas, destaco três: sustentabilidade, criatividade e sobriedade.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Guerra e Paz

Se perguntarmos ao cidadão comum se concorda com a existência de guerras, a resposta será, invariavelmente, a negativa. Contudo, na história da Humanidade, desde os tempos mais recuados, existe um interminável rosário de conflitos e de guerras a demonstrar que eles são inerente às sociedades humanas. Nos grupos nómadas de caçadores-recoletores havia as guerras tribais, onde os guerreiros lutavam corpo a corpo ou usavam as lanças da caça. Mais tarde, criaram-se exércitos organizados servidos por armas, cavalos e carros de combate. No século XIV, a pólvora, com a espingarda e a artilharia, veio alterar a forma de combater. No século passado, os combustíveis fósseis, sobretudo o petróleo, trouxeram a guerra mecanizada e a aviação. Mais recentemente, surgiu a guerra eletrónica com armas comandadas à distância e visando interferir com os sistemas de comunicação. Desde Hiroshima, as armas nucleares, com um efeito destruidor cego e massivo, pesam como uma permanente ameaça sobre o nosso futuro como espécie, e são, porventura, o fator mais dissuasor de uma nova guerra global.

Faz agora precisamente 100 anos que a Europa estava em estado de guerra. As tropas do Corpo Expedicionário Português aprontavam-se em Tancos para partirem para França. Iam participar numa guerra que não era a sua e sobre a qual nada sabiam.  A maior parte das praças vinha das áreas rurais do mais profundo de Portugal, sobretudo das regiões mais populosas do Minho, de Trás-os-Montes e das Beiras. Depois de muita discussão e de muita hesitação Portugal acabava por entrar na guerra ao lado da Entente Cordiale, integrado na organização militar inglesa a combater na frente da Flandres. A I Guerra Mundial foi devastadora. Terminou sem um um claro vencedor.  A Alemanha foi condenada ao pagamento de elevadas indemnizações aos vencedores, mas não houve responsabilização nem criminalização dos vencidos. Quando o armistício, que impunha condições que os alemães consideraram humilhantes, estava a ser assinado na carruagem de Compiègne começava a germinar a semente que viria a originar a II Guerra Mundial, ainda mais devastadora que a Primeira.

Acredito que esta guerra em dois atos foi a última guerra Global. Creio também que ela não poderia ter sido evitada. As tensões acumulavam-se por toda a Europa: O Império Austro-húngaro uma monarquia dual assente nas elites, formado em 1867, era uma estrutura anacrónica sobrevivente do antigo regime que enfrentava fortes sentimentos independentistas ou autonomistas dos muitos grupos étnicos: alemães, húngaros, checos, eslovacos, polacos, ucranianos, eslovenos, sérvios, croatas, romenos e italianos; a Alemanha e a Itália unificadas no final do século XIX procuravam afirmar-se como novas potências; o Império Otomana estava em desagregação; a Rússia czarista alimentava o sonho de um grande Império eslavo; a França, que ainda não se tinha recomposto das derrotas de Waterloo  e da guerra Franco-Prussiana, queria desforrar-se. À Inglaterra, senhora de um vaso império, não interessava a guerra, mas tinha de a enfrentar se ela se desencadeasse. A revolução industrial estava a mudar o mundo. Já se sabia que o petróleo - que não existia na Europa - seria o motor da economia, e todos olhavam para o Mar Cáspio e para o Médio Oriente como áreas estratégicas. Os Estados Unidos, distantes, ainda estavam adormecidos e não tinham ambições de dominar o mundo. A agricultura estava a dar lugar à fábrica e as elites ligadas à posse da terra estavam a ser substituídas pelas novas elites do poder industrial. Por tudo o que se disse, na ausência de um forum moderador, a guerra era inevitável. Faltava o rastilho, que surgiu em Serajevo no dia 28 de junho de 1914, com os assassinatos do arquiduque Francisco Fernando e da sua esposa Sofia

A guerra foi um flagelo em qualquer sociedade e em qualquer época. Sempre andou de mãos dadas com a fome, a peste e a morte, os outros cavaleiros do Apocalipse. Mas as guerras têm uma outra face: serviram a economia, e, paradoxalmente, trouxeram mais segurança à humanidade. Com efeito, as guerras funcionam nas sociedades como as infeções num organismo vivo. Elas provocam o aparecimento de anticorpos, aumentam as defesas do organismo infetado e acabam por protegê-lo contra novas infeções. Também as guerras provocam o aparecimento de leis e formas de organização com o objetivo de  evitar novas guerras. A criação da Sociedade das Nações no final da I Guerra Mundial, da ONU, após a II Guerra Mundial, e até mesmo o ideal subjacente à União Europeia são a prova disso. O mundo é hoje mais seguro do que era no passado. Nunca foi tão baixa a probabilidade de um ser humano morrer de morte violenta. Só a guerra nos faz amar a paz, da mesma forma que só a doença nos faz aspirar à saúde.

Nos dias de hoje, as tensões voltam a acumular-se. A luta pelas fontes energéticas do Médio Oriente, o fundamentalismo religioso que alimenta o terrorismo, as pressões demográficas que provocam migrações em massa, a crise financeira que se desenha no horizonte, como consequência do anémico crescimento económico, são sinais perturbadores. No entanto, muita coisa mudou no último século. Um confronto direto entre potências nucleares não é possível, pois tal, a acontecer, seria uma guerra sem vencedores. Os Estados Unidos, que no pós guerra, se envolveram em guerra na Coreia, no Vietnam e no Iraque, optam hoje por uma estratégia de não envolvimento direto nas operações terrestres -"no boots on ground" , deixando essa tarefa para outros. Nos países do Ocidente já não existe a motivação do patriotismo nem religiosa para fazer guerras. Combate-se por dinheiro e o salário dos combatentes está associado ao risco da sua intervenção.  E, apesar disso, muitos começam a acreditar que só uma guerra - a guerra que não pode existir!- virá libertar as tensões e trazer uma nova ordem política económica e social. Um dilema angustiante...

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Europa: as duas faces da moeda

Desta vez, o debate sobre a Europa aconteceu na Sociedade de Geografia de Lisboa. Sob o tema "A Europa na encruzilhada: o futuro do Euro", discutia-se o futuro da Europa e em particular da moeda única. Como intervenientes, os economistas João Ferreira do Amaral e Fernando Teixeira Santos – uma espécie de prós e contras sobre qual deverá ser a futura posição portuguesa relativamente ao Euro. A assistir estariam umas trinta pessoas, a maioria delas com aparência de reformados, pareceu-me estarem por ali ex-embaixadores, ex-professores, ex-militares... A sala, a assistência, o ambiente e a própria instituição que acolhia o evento sugeriam um tristonho quadro de decadência. Contudo, tendo em conta a qualidade dos palestrantes, a sessão prometia.

A abrir, o moderador deu a palavra a João Ferreira do Amaral - por ser mais polémico, frisou. Para o economista, a construção da Europa divide-se em dois períodos completamente diferentes que, por sua vez, refletem duas realidades políticas muito distintas: o período que vai desde o Tratado de Roma (1958) até Maastricht (1993) - que designou por período das comunidades - e o período desde Maastricht até ao presente - o período da união económica e monetária. Foi a criação da moeda única - um erro, segundo ele - que alterou os equilíbrios, permitindo o aparecimento da Alemanha como potência económica dominante. Ora, isto em nada contribuiu para tornar a Europa mais coesa; antes pelo contrário, serviu apenas para reduzir o anterior espírito de coesão. E não deu perspectivas de futuro a ninguém. Agora, chegou-se a uma encruzilhada e torna-se necessário tomar opções para escolher o caminho a seguir. A questão coloca-se nestes termos simples: esta união é reformável ou deve ser substituída? Ferreira do Amaral acha que não é reformável, pois um dos pilares da união que saiu de Maastricht - a união monetária - não funciona nem nunca poderá vir a funcionar.

E acrescentou que, logo na origem, já estavam evidenciadas as contradições: o espaço europeu é muito diferenciado, porque existem países muito competitivos ao lado de outros pouco competitivos. Ora, isso não foi resolvido com a criação da união monetária, logo, os problemas das economias menos competitivas agravaram-se. Desde a primeira hora adivinhava-se: haveria países perdedores e Portugal estaria desse lado . Os fundos estruturais que foram criados para compensar os países menos competitivos não deram o resultado desejado. Como consequência disso, a situação dos países perdedores é agora mais grave do que era em 1993, e o tratado orçamental não veio resolver a situação.

O que impede a União Europeia de reformar-se, na opinião de Ferreira do Amaral, é o facto de países como Portugal não disporem de instrumentos financeiros adequados para resolver os seus problemas: não têm autonomia monetária e estão condicionados em termos orçamentais. Enquanto país, compara Portugal com o nosso Interior, enquanto região. Na Europa, Portugal está condenado a empobrecer e terá o mesmo destino que o interior de Portugal... Como poderão ser criados mecanismos para estas zonas se desenvolverem? Não é, como já se viu, encharcando a economia com fundos estruturais. Também não será pela solidariedade, pois, nesse aspeto, estamos agora pior do que estávamos há vinte anos atrás. O projeto federal, por não reunir apoios suficientes, também não é solução. Porque, em boa verdade, ninguém está interessado em perder para os outros. A existência de três blocos de países - países de leste, países mais desenvolvidos do centro e países do sul - com diferentes perspectivas, agrava ainda mais a situação.

Concluiu afirmando que, com as clivagens a acentuar-se, esta Europa já nem é uma garantia de paz. Por isso, a solução para a Europa tem de inspirar-se no espírito das comunidades vigente no primeiro período: um espaço de cooperação e não um Super Estado.

O antigo ministro das finanças, Fernando Teixeira Santos, que falou a seguir, começou por concordar que a Europa está numa encruzilhada, e que há dez anos foram postas a nu debilidades sérias no projeto para as quais urge encontrar uma resposta adequada. Mas, discorda dos que acham que a crise e a sua solução têm apenas a ver com finanças públicas. A Europa é mais de que um projeto financeiro, dado ter uma componente política que deve ser preservada, até porque - convém não ter a memória curta, sublinhou - o processo da criação da Europa foi a coisa mais importante que aconteceu no Velho Continente desde a Segunda Guerra Mundial.

O Euro quando foi criado não se preocupou com a convergência das economias. Pensou-se que bastaria controlar a taxa de inflação, as taxas de juro e a estabilidade financeira dos Estados; o resto viria naturalmente com a moeda única. Tal como uma mão invisível, acreditava-se que de forma automática a dinâmica económica iria corrigir as assimetrias entre países. A realidade foi outra: as diferenças que existiam em 93 (data do Tratado de Maastricht) não se reduziram.

E, passando a explicitar melhor o seu ponto de vista, disse que Portugal continua com a mais baixa produtividade dos 12 países iniciais do Euro. Dado que a prosperidade de uma economia depende do nível da produtividade, não resulta aumentar salários sem aumentar a produtividade. No nosso caso, tem especial relevância a competitividade externa, pois quando existe um deficit externo aumenta a dívida. A razão da nossa crise não é a gestão orçamental, mas sim esta fragilidade estrutural. E a competitividade externa só pode se conseguida por duas vias: manter os salários baixos – a nossa opção antes da entrada no Euro - ou conseguir melhorar a produtividade.

Durante anos, os mercados conviveram bem com a situação da dívida de países como Portugal. Mas, com a crise grega perceberam que a UE não tinha instrumentos para lidar com o rápido agravamento dessa dívida. Recordou que, em maio de 2010, não havia nenhum instrumento para isso, porque só mais tarde foi criado o mecanismo de estabilidade financeira. De tal forma, que os empréstimos do primeiro resgate à Grécia foram concedidos através de contratos bilaterias entre países, discutidos no âmbito do Ecofin.

Tornava-se evidente que faltava qualquer coisa na construção do Euro que o fragilizava. Ora, a razão dessa fragilidade prende-se com a existência de três "nãos" que suportaram o tratado de Maastricht: 1) não se previa a saída do euro 2) não se previa default e 3) não se previa a necessidade de resgate. Durante muito tempo, acreditou-se que era possível respeitar estes princípios. Contudo, a crise grega veio mostrar que as três premissas negativas, não podem coexistir e que, num país em situação de crise, a ocorrência de uma delas torna-se uma condição necessária para a superar: ou sai do Euro, ou há default, ou há resgate. Então, quando os mercados perceberam que o problema era mais sério do que aquilo que eles julgavam, as taxas de juro aplicadas à divida de cada país dispararam - antes eram praticamente iguais, diferiam apenas 20 pontos base, ou seja, 0,2% - e começaram a diferenciar-se.

Mas isto não tem que significar o fim do Euro para Portugal. Precisamos de equilibrar as nossas contas e reduzir o deficit, e essa necessidade coloca-se com ou sem Euro. Teixeira dos Santos acredita que isso até se consegue melhor com o Euro do que fora dele. Porque sem Euro, a receita teria de voltar a ser a mesma do passado, quando a desvalorização cambial funcionava como uma anestesia (uma droga) e não obrigava a melhorar (fazer o upgrade, nas suas palavras) a produtividade. Em sintonia com João Ferreira do Amaral, considerou que a salvação do Euro não tem de passar por uma solução federal, dado que não está reunido o consenso para tal, e defende também a necessidade de mais cooperação entre países membros da UE.

Por último, defendeu que a existência do mercado único, por si só, é essencial para a economia dos países europeus, mesmo para os países que não têm o Euro como moeda (e até para o UK, após o brexit). Tudo isto exige um quadro de maior partilha de risco, ou seja, com mais cooperação. Terminou com uma alusão ao plano Junkers de estímulo à economia que acha insuficiente. Entende, sim, que a Alemanha deveria adotar uma política económica mais expansionista, porque só países com excedentes o podem fazer, recordando, a propósito, que os excedentes da Alemanha superam os da China.

Terminado o debate seguiu-se uma sessão de perguntas e respostas que nada acrescentaram ao que antes tinha sido dito. Saí dali com uma convicção: Portugal, por sua iniciativa, nunca sairá da União Europeia ou da moeda única. Muitas vezes, não nos centramos nas soluções, andamos continuamente em círculos à volta destes problemas - fazendo e desfazendo ao sabor das maiorias que se constituem - e tardamos em definir uma estratégia coerente e consistente que nos oriente. Ora, isso só pode ser conseguido com o alargado compromisso que pode resultar de um diálogo construtivo ao centro.


segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Amanhã



O filme-documentário "Amanhã" (em francês, Demain), realizado em 2015 por Mélanie Laurent e Cyril Dion, passou praticamente desapercebido numa sala de Lisboa. No entanto, trata-se de um importante trabalho que revisita e muito ajuda a entender o conceito de Transição. A tese é conhecida: o mundo da globalização - urbano, superpovoado, ávido de crescimento, sustentado por uma economia poluidora e predadora de recursos - não tem futuro. O sistema financeiro, baseado no crédito e na exigência de crescimento contínuo e ilimitado, é frágil. A economia, que tudo comanda, criou a sociedade consumista, a uniformização dos gostos, a cultura do desperdício, as monoculturas agrícolas. Os políticos entretêm-se com os jogos de poder de curto prazo e perdem de vista o essencial. A ciência e a tecnologia, interferindo com a procriação, prolongando artificialmente a vida, virtualizando as relações sociais, escravizando-nos a uma dependência de redes informáticas e de comunicações cada vez mais complexas, só estão a contribuir para acelerar o processo de decadência civilizacional. Os agentes dos meios de comunicação social sofrem de cegueira crónica relativamente a este estado de coisas, pois servem o sistema que lhes paga os ordenados no final do mês. Estamo-nos a aproximar vertiginosamente do colapso. Fala-se de décadas; não de séculos. Entretanto, as tensões acumulam-se na frente da economia que se defronta com os limites naturais ao crescimento e com as graves consequências dos efeitos poluidores - é o caso das alterações climáticas. O Médio Oriente, onde se encontram dois terços das reservas de combustíveis fósseis - apesar dos avanços no aproveitamento do sol e do vento, a energia fóssil continua a ser o motor da economia -, é palco de uma guerra sem fim onde se confrontam os interesses das grandes potências: EUA/Europa, Rússia e China. No curto prazo, os elos mais vulneráveis do periclitante equilíbrio mundial são o sector financeiro, os conflitos regionais, as tensões migratórias e as ameaças terroristas.

O filme vem dizer-nos que existe um caminho alternativo, e repete muito do que, nos últimos anos, se tem escrito sobre o tema (Rob Hopkins, Tim Jackson, Serge Latouche, etc.). A novidade está na forma sistemática como o tema é tratado e na profusão dos exemplos apresentados. São já muitas as pessoas reais que estão a viver experiências de transição na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Índia, na Finlândia... Muitas das ideias que o filme nos apresenta foram semeadas na última dezena de anos: falo, por exemplo, da experiência de Totnes, das iniciativas locais de transição um pouco por toda a parte - incluindo Portugal -, das hortas urbanas, da rápida tomada de consciência das opções alimentares - favorecendo os vegetais em detrimento das proteínas animais -, da adoção de criar uma moeda local, da reutilização dos resíduos urbanos, etc... É certo que muita coisa falhou, que houve muita ingenuidade, que se cometeram muitos erros... Agora, ao ver este filme, estamos perante a evidência de que as sementes frutificaram. E começa já a consolidar-se e a generalizar-se a convicção de que este é o único caminho para evitar o colapso e assegurar a prosperidade da raça humana.

O filme conclui que é urgente arrepiar o caminho da globalização, abandonar a sociedade consumista, reformar o sistema financeiro, relocalizar a produção, reciclar matérias primas, evitar os desperdícios, alterar os hábitos alimentares, reduzir a mobilidade, estabelecer formas de cooperação, voltar a usar as mãos; adoptar um modo de vida mais simples e mais próximo da terra - afinal as leis de Gaia sobrepõem-se às leis dos homens . Em suma, respeitar a natureza e privilegiar o ser em detrimento do ter.

Para conseguir isto precisamos de mudar de economia. Porque a Transição é voltar a recuperar o primado da política sobre a economia. Uma política que terá de ser feita por homens mais capazes, mais solidários, menos corruptos. Um dia irá pôr-se em causa a democracia como sistema - quando se demonstrar que o discurso dos políticos, por ser muitas vezes baseado na mentira, não serve o bem comum. Regressamos ao argumento de Platão contra os sofistas: se a democracia permite usar a mentira para eleger os nossos governantes, então a democracia não serve. A democracia só terá lugar na nova sociedade se for capaz de basear-se na verdade e no conhecimento (o espistemé),e de expurgar a mentira e a falácia (a doxa) do discurso dos políticos

Na parte final, o filme releva o papel da educação para singrar no caminho da Transição. E exibe o exemplo da Finlândia onde se pratica uma educação mais livre, mais multidisciplinar, em que o professor se aproxima do aluno, em que não existe um sistema que classifica as escolas e impele à competição, onde a escola é mais autónoma, mais criativa e os alunos reaprendem a trabalhar com as mãos. Mudar um sistema educativo demora muito tempo. Vinte anos foi o tempo necessário no caso finlandês. Fiquei a saber, ainda, que na Finlândia não se avaliam escolas, e que o sistema educacional está blindado contra as mudanças introduzidas pela alternância partidária no poder.

É preciso acreditar que nada está perdido. O pessimismo das previsões não deve sobrepor-se ao otimismo indispensável à ação.

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Europa: o Encanto e o Desencanto

Na semana passada, ao falar no Grémio Literário, na abertura da nova temporada das conferências que esta Associação promove em parceria com o Centro Nacional de Cultura e o Clube Português de Imprensa, Freitas do Amaral, logo a abrir a sua intervenção, e referindo-se ao seu longo percurso como líder partidário e governante, considerou ter valido a pena o combate político travado nos anos que se seguiram ao 25 de Abril. Nessa altura, e segundo ele, foi a luta travada na rua que enraizou os quatro grandes partidos da cena política portuguesa, o que não se verificou noutros países, como foi, nomeadamente, o caso da vizinha Espanha.

Mas o tema da palestra era a Europa- "Que Portugal na Europa, que futuro para a União?", e o professor, de imediato, centrou-se nele. O projeto europeu nascido em 1958, com a assinatura do Tratado de Roma, foi, na sua opinião, um dos mais brilhantes e bem sucedidos da história das nações: uma construção pacífica e voluntária, inspirada na ideia alemã da economia social de mercado. Ao longo dos quase sessenta anos da sua existência, a Europa, assim construída, foi fazendo o seu caminho como união politica, económica e monetária. Falando a uma só voz, cedo se impôs na cena internacional, ao intervir nos conflitos como um elemento moderador na procura de construir pontes e consensos. Para Portugal, depois de encerrado o ciclo africano, a adesão à Europa era o seu destino natural. Por um lado, era a garantia de democracia e, por outro, a promessa de apoio ao desenvolvimento de que tanto precisávamos. Durante 25 anos tudo correu bem. Foi um período brilhante: Portugal encurtou em 50% a distância que o separava da Europa...

No entanto, esse sucesso foi interrompido com a grande crise de 2008 nascida na América. Uma crise que em amplitude terá superado a crise económica dos anos trinta do século passado. Mencionou as hesitações iniciais nos primeiros meses da crise, em que a política económica da Europa começou por ser expansionista, do tipo keynesiano, mas que rapidamente foi invertida para a austeridade imposta pela Alemanha - mal, acha ele -, argumentando que os Estados Unidos mantiveram essa política e cresceram, ao invés da Europa que, em contrapartida, tem tido nos últimos anos um crescimento anémico. Referiu-se ainda à cegueira ideológica dos governantes, ao acrescentar que a Europa não percebeu o problema: primeiro, da Grécia, e depois de Portugal e da Irlanda, e que não soube encontrar a resposta adequada para o drama dos refugiados. A este propósito, disse que ninguém cumpre o sistema de quotas, dando como exemplo o caso aberrante da Dinamarca, cujo parlamento aprovou por unanimidade uma lei que confisca os bens dos refugiados à entrada no país!

Nós fizemos o nosso ajustamento e isso teve custos elevados. Considera que se foi longe de mais na subserviência e que, atualmente, vivemos num "colete de gesso". Referiu-se ainda à ameaça de sanções com base num tratado - o Tratado Orçamental - que, na opinião dele, não tem valor jurídico, já que não foi aprovado por todos os países da União e não constitui, por isso, uma peça do direito comunitário.

A Europa, agora, está numa encruzilhada: ou resolve os seus problemas e responde aos desafios que tem pela frente ou desagrega-se. Os problemas colocam-se no curto prazo e são muitos os desafios: a resposta ao brexit que tem de ser bem negociada, não podendo ser um divórcio litigioso; a necessidade de uma nova política económica, pois é preciso alguém, da dimensão de um Charles de Gaulle, capaz de dar um rumo na mesa; a necessidade de fazer renascer o princípio da solidariedade - os países mais ricos têm de investir e apoiar os países mais pobres. Advoga a urgência de uma visão de longo prazo e da definição de uma estratégia a nível mundial, referindo, como exemplo, uma eventual parceria com a Rússia. A este respeito, considera que o Ocidente agiu mal no caso da Crimeia, que sempre pertenceu à Rússia, e tem para este país um valor estratégico e militar que não lhe deixava alternativa. No entanto, Freitas do Amaral não prevê grandes alterações na Europa nos próximos dois anos, ou seja, antes das eleições na Alemanha e na França, e que podem trazer novos atores e nova política à sua governação.

Nestas condições, o que pode fazer Portugal? Nós temos os nossos problemas e de olhar para eles: prestar uma redobrada atenção ao frágil sistema bancário, reduzir a dívida e a despesa pública, cujo crescimento está, desde há muito, desajustado do crescimento do PIB. Deveríamos baixar o IRC às empresas para captar mais investimento estrangeiro. Sobretudo, urge trazer bom investimento da Europa para Portugal - explica que três ou quatro "Auto-Europas" resolveriam os nossos problemas. E porque não, pôr os nossos ex-governantes a trabalhar para isso? Temos de pensar Portugal com uma certa grandeza; definir uma estratégia que não temos. O mundo está à nossa espera, mas precisamos de iniciativa... A terminar a sua intervenção, Freitas do Amaral citou de Gaulle. "A guerra é um pesadelo e a Europa é um sonho de sábios". Mas reconheceu que o futuro não está escrito em parte nenhuma.

Mais de que um político ou um economista foi um jurista, preocupado com questões sociais, que veio falar ao Grémio. Como ali lembrou alguém, um homem que participou como espectador e ator privilegiado da história recente de Portugal. Saí do Grémio com a angústia da incerteza que paira sobre o futuro da nossa casa comum. Com dúvidas sobre a possibilidade do aparecimento de um homem providencial que - mesmo com murro na mesa – reconduza o barco para a rota desejada. Foi Charles de Gaulle que disse "todas as doutrinas, todas as escolas e todas as revoltas só têm um tempo". A Europa, como conceito ou doutrina, se preferirem, teve o seu tempo de encanto e vive agora o seu tempo de desencanto. Regressar ao encanto é o que todos desejamos. Mas, num contexto internacional tão complexo - nos planos político, económico, social e até climatérico! -, isso não dependerá apenas dos homens que governam e decidem na Europa.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A Ruralidade pós-agrícola do nosso Interior

No passado dia 16 de setembro participei num  jantar-debate sobre o tema "Portugal conhece o Interior?" organizado pela Associação dos Territórios do Côa que teve lugar no aprazível restaurante da Quinta do Prado Verde, em Vilar Formoso. Foi em em Almeida, no meu concelho, por sinal um dos mais afetados pela desertificação que mina toda a região do Interior Beirão. Estavam ali presentes jornalistas, académicos das Universidades da região e, pelo menos, um deputado. Ao contrário do que tinha sido anunciado, a  professora Helena Freitas que preside à Unidade de Missão para a Valorização do Interior, criada em março passado pelo atual governo, não foi a Vilar Formoso. Mas interveio na sessão, via  skype. 

O debate esteve dominado pelas intervenções de alguns autarcas da região - Guarda, Almeida, Sabugal, Manteigas e Penamacor. Não sobrou tempo para os representantes dos órgãos de comunicação e, muito menos, para o público em geral. Discutiu-se a forma de inverter a situação atual; o tema específico do debate nem sequer foi aflorado. A moderadora, a jornalista  Felícia Cabrita, tentou desempenhar o seu papel o melhor que pôde, mas via-se que estava claramente deslocada, que não se sentia à vontade dentro da temática.

Após as breves palavras de boas vindas proferidas pelo professor António Baptista, presidente da Câmara  de Almeida, seguiu-se a intervenção de Álvaro Amaro, o fogoso presidente da autarquia da Guarda, a qual  acabaria por marcar o tom da sessão. Álvaro Amaro começou por reconhecer que as estatísticas são inexoravéis: o Interior está a desaparecer, perde população, envelhece, não consegue atrair investimentos. Faltando gente, não existe economia produtiva. Implicitamente, reconheceu que a política de subsídios - parece-me a mim a única que motiva a governação local - não tem dado os resultados esperados. Que fazer? Como resposta disse que não vale a pena apresentar muitas medidas pois isso só serve para adiar soluções, ir fazendo qualquer coisita e ignorar o essencial. Por isso, centrou-se em duas que, pelos vistos, já defende há muito tempo: uma de política fiscal e outra de política educativa. Concretamente, relativamente à primeira medida, advoga que durante um período, se reduza o IRC para as empresas que invistam no Interior, o qual seria depois reintroduzido de forma gradual. Já em relação à segunda medida, defende que, para certos cursos superiores, através de um sistema de numerus clausus, se  façam deslocar estudantes das Universidades dos grandes centros (Lisboa e Porto) para as Universidades do Interior.

Outras intervenções surgiram dentro da mesma linha, defendendo a discriminação positiva desta região e a urgente necessidade de trazer pessoas, o que passa, necessariamente, pela criação de emprego. Falou-se ainda de cooperativismo. A professora Helena Freitas - intervindo pelo Skype - informou que o relatório da Unidade de Missão já teria sido entregue ao Governo, mas nada adiantou sobre as propostas nele contidas. Na fase das perguntas, confrontada com as propostas do Presidente da Câmara da Guarda, desvalorizou-as. O meu destaque vai para a intervenção do presidente da autarquia de Penamacor, o único que, na minha opinião, pôs o dedo na ferida. Disse que estes concelhos viveram durante centenas de ano de uma economia baseada na agricultura e que ela desapareceu e não foi substituída por outra. Atualmente são concelhos que pertencem ao que ele designou por mundo rural pós agrícola. Focou duas situações que não estão a ser devidamente acarinhadas: o cadastro da propriedade rural e o emparcealmento.

Na verdade, o futuro da agricultura de vastas zonas - sobretudo no norte de Portugal - depende da capacidade de modificar o regime da propriedade rural. Disso mesmo se aperceberam os governantes que, desde o século XIX, têm legislado no sentido de promover o emparcelamento. No entanto, os resultados foram parcos, pode dizer-se praticamente nulos, e a questão de fundo prevalece sem alteração. Em 1988 uma nova tentativa - o Decreto-Lei n.º 384/88 de 25 de Outubro - teria o mesmo insucesso. Chegou o momento de investigar as causas destes falhanços, e regressar ao assunto de forma mais consequente.

Já na semana passada, foi tornado público que o relatório relatório da equipa da professora Helena Freitas já tinha sido entregue ao Conselho de Coesão Regional e que ele contempla propostas de mais de 150 medidas para valorizar o Interior. Concordo com Álvaro Amaro, considero que são medidas a mais. Receio que seja mais um daqueles relatórios que vai ser muito badalado mas que não vai servir para nada. E não acredito que o atual governo tenha condições para propor alterações - necessariamente corajosas e polémicas - ao regime de propriedade rural.

Fiquei a saber, em Vilar Formoso, que para as escolas do concelho de Almeida entraram este ano para o primeiro ano de escolaridade 20 crianças, algumas das quais oriundas  de outros concelhos.  Entretanto, o mais certo é que as estatísticas continuem  a trazer-nos más notícias até que surja o desastre ou o milagre.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O Portugal que Somos

O ciclo de palestras que, em conjunto com o Clube Português de Imprensa e o Centro Nacional de Cultura, o Grémio Literário organizou na época passada, propunha aos oradores convidados duas questões: Que Portugal queremos ser? Que Portugal vamos ter? Todos os palestrantes que participaram no ciclo - Manuel Sobrinho Simões, Luís Marques Mendes, Emílio Rui Vilar, Ricardo Costa, Eduardo Marçal Grilo e Rui Ramos - são gente conhecida e de reconhecida competência. Tive o privilégio de ter assistido a todas elas.

Nas vésperas de iniciar-se um novo ciclo, em jeito de balanço do anterior, concluo que não foram dadas as respostas que se pediam. Não ficámos a saber que Portugal queremos ser e, muito menos, o Portugal que vamos ter. Ora, foi sobretudo acerca do Portugal que somos que os oradores convidados centraram o seu discurso e teceram as principais considerações. E, sobre este aspeto, começo por alertar que ficámos mal na fotografia, pois a apreciação que eles fizeram sobre o nosso País foi, de um modo geral, muito crítica e pouco abonatória.

Logo na primeira secção, o médico e cientista Manuel Sobrinho Simões marcou a tónica crítica afirmando: "somos péssimos em termos de nos associarmos em volta de um objetivo e de fazer as perguntas certas. Isto tem afetado a sociedade portuguesa, que se revela incapaz de fazer reformas: não temos sido capazes de reformar a justiça ou a administração interna, nem capazes de reformar a universidade e o ensino superior. Não reforçamos o valor institucional, mas reforçamos o valor individual.". Sobre o futuro diz que "vamos ter de depender mais da evolução da Europa do que de nós próprios. Temos limitações geográficas, económicas e muita dependência externa. Acima de tudo, temos de apostar no conhecimento, superar os grandes defeitos educacionais, melhorar a nossa capacidade de understanding, isto é, não aprender superficialmente, mas conhecer com profundidade a razão de ser das coisas e o que está por debaixo (under)".

Na opinião, frontalmente expressa pelo segundo conferencista, o ex-presidente do PSD Luís Marques Mendes, "vivemos mergulhados numa crise de credibilidade dos políticos e das instituições. Os programas eleitorais são feitos em cima da hora, e os candidatos a deputados nem sequer os leem antes das campanhas. Tudo isso faz com que as promessas feitas não sejam cumpridas na governação. Os partidos - todos os partidos, fez questão de sublinhar - estão cada vez mais divorciados das pessoas e da sociedade. E o cidadão comum está, também ele, divorciado da política, dos políticos e dos partidos.". Para Marques Mendes, não só a vida política se vai degradando, mas também a seriedade e a autenticidade. Disse que "só um grande exercício de cidadania pode alterar este estado de coisas. É urgente debater o sistema e, só depois disso, fazer um choque cívico. Tem de haver uma política de compromisso". Defendeu um sistema eleitoral como o alemão, com um círculo nacional e círculos nominais. Todavia, não acredita que a reforma algum dia se faça a partir do interior do sistema, justificando que os chefes partidários, sobretudo a nível local, não vão querer perder o seu poder.

Para o anterior presidente da Fundação Gulbenkian, Emílio Rui Vilar, a posição de Portugal na Europa está, agora, mais enfraquecida e Portugal, sozinho, nunca conseguirá superar o bloqueio da dívida. Aponta como causas " a reunificação da Alemanha, o alargamento a leste e a nova arquitetura da União- ironicamente saída da cimeira de Lisboa, e de uma presidência portuguesa - que nos remeteu, outra vez, à nossa insignificância. A culminar tudo isso, a crise do ´subprime´, as hesitações iniciais entre medidas expansivas e restritivas e, finalmente, a adopção da doutrina alemã a penalizar a dívida que nos trouxe a austeridade...". Rui Vilar defendeu a solução federativa como a única saída lógica para a Europa e para Portugal. Então, com a necessária criação de um orçamento europeu, de mecanismos de mutualização da dívida, de um banco central com poderes semelhantes aos da FED ou do Banco de Inglaterra, e que não se limite a estar preocupado com a inflação. Deixou uma mensagem: "aproxima-se um tempo de grande exigência no qual precisamos acreditar em que será possível superar as dificuldades. É um imperativo ético conseguir fazê-lo, perante nós próprios e perante as gerações futuras". Terminou, aconselhando prudência e rigor: "No fundo, é começarmos a guardar mais lenha para os invernos que estão para vir."

O jornalista Ricardo Costa, na linha do que já tinha dito Marques Mendes, falou dos jogos dos políticos e partidários, que afinal se sobrepõem ao interesse nacional e condicionam o nosso futuro coletivo. Para ele o "Portugal que queremos ser" deveria sair de um compromisso consensual entre os políticos, que governam os partidos e nos governam a nós. No quadro do nosso sistema político-partidário, como compromisso mínimo, existem duas premissas que são aceites por quase todos: a integração na Comunidade Europeia e a aceitação das regras da economia de mercado. Daqui decorre, implicitamente, a obrigatoriedade de pagar as dívidas que se contraem e o respeito pelos tratados assinados. A aceitação da economia de mercado pressupõe a adesão ao princípio sagrado de que é imperativo fazer crescer a riqueza produzida. Um país soberano não pode depender de credores, nem pode mendigar o perdão ou a renegociação da dívida. Contudo, tem de ter uma estratégia para a economia, para a sua competitividade, e para garantir sustentabilidade financeira, indispensável à defesa do Estado Social, à manutenção da coesão regional e à divulgação da cultura - uma herança e um património de muitos séculos. Na política externa deve merecer destaque o espaço reservado à lusofonia. Além disso, a soberania tem de compaginar-se com os direitos que a Constituição garante aos seus cidadãos, nomeadamente, em áreas tão sensíveis como a educação e a proteção na infância, na doença, na incapacitação e na velhice.

O antigo ministro da educação Eduardo Marçal Grilo falou, em primeiro lugar, dos nossos pontos fracos: o problema demográfico - somos um país de velhos!, na caricatura que fiz da sua análise, -, as debilidades da economia e do sistema financeiro - um país pobre e perdulário! -, o baixo nível médio da instrução e o desinteresse pelo conhecimento - um país de incultos e analfabetos! -, o fraco peso e a desprestigiada imagem das instituições - um país de amadores! -, o maior pendor da gente para concentrar-se nos problemas e não nas soluções - um país de preguiçosos! -, a tendência para o negativismo e para a auto-flagelação - um pais de derrotistas !-, as debilidades do sistema eleitoral, a ineficácia da justiça, o afastamento entre eleitos e eleitores, a falta de dialogo ao centro - enfim, um país que não sabe governar-se, nem se deixa governar !. Acrescentou, que os portugueses sofrem do mal da inveja e centram-se mais nos direitos do que nos deveres, ou seja, que somos um país de mal-agradecidos! Já relativamente aos pontos fortes o palestrante enumerou os 800 anos de Portugal, a estabilidade política das últimas décadas, a localização única entre o Mar e a Europa - o velho dilema português, nunca resolvido! -, e a centralidade atlântica onde convergem as rotas das Américas e de África. Aludiu, ainda, aos casos de sucesso de algumas empresas de excelência, tão boas como as melhores, de alguns quadros muito qualificados e com boa capacidade de adaptação, sem deixar de mencionar algumas universidades, classificadas entre as melhores do mundo. Só faltou falar de alguns dos nossos futebolistas e treinadores de futebol. E, claro, não se esqueceu de referir a amenidade do clima.

 A imagem que o historiador e comentador Rui Ramos, que encerrou o ciclo, nos deixou do Portugal dos últimos 200 anos, foi a de um país que permanentemente se esforçou em importar e adaptar os padrões económicos, sociais e culturais vigentes na Europa Central, a qual vivia o surto de progresso da Revolução Industrial: uma constituição à semelhança da França; um regime parlamentar à semelhança da Inglaterra; a escola pública, a rede ferroviária, as ideias liberais, a difusão da imprensa, as comunicações, impulsionadas pelo telégrafo e pelo telefone e as tecnologias associadas à eletricidade, que se disseminavam um pouco por toda a parte. Após o 25 de Abril, na confusão do período do PREC, Portugal transformou-se num país à deriva, sem saber se devia rumar para África, para a Europa ou para o Terceiro Mundo - na altura, alinhado com a esfera soviética. Porém, rapidamente, tornou-se claro que só a opção Europa era compatível com a democracia. Para Rui Ramos, só esta opção, definitivamente, nos interessa: Portugal tem de ser a casa comum de todos os portugueses. Porém, para tal, precisa de estabilidade e, agora, também da Europa, entendida esta não apenas como uma democracia formal, mas como um espaço que defende e protege a democracia. Esta Europa trouxe a paz ao continente europeu, e em tempo algum os seus povos viveram uma situação melhor!

 Gostei de ter assistido a estas conferências e ter ouvido gente inteligente e informada falar do meu País. Pois, é de verdade e de realismo que precisamos, mesmo que isso afete o nosso ego coletivo ou interfira com o nosso comodismo pessoal.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Génesis

Depois de um período de férias regresso ao blog. Neste verão afastei-me de televisão e dos jornais e dediquei-me sobretudo a tarefas manuais no jardim e no bricolage.  Procurei o prazer de viver de forma frugal e de fazer coisas simples - pensando, por vezes, na fase outonal de Lev Tolstoi. Será isto um sintoma da idade? Para fugir à canícula exagerada deste verão, num dia do início de agosto, escapei-me com a Paula para a fresca e verde Sintra e, quase por acaso, acabámos alojados no celebrado Lawrence´s onde cada recanto me parecia impregnado da figura esguia do jovem Eça - um verdadeiro êxtase! Já em Almeida, na Asta, que é para mim o espaço mais sagrado do mundo, participei, no final de Agosto,  num workshop sobre arteterapia. Vivi com a Maria José, com o desconcertante Jonatas e um grupo de jovens senhoras - todas muito bonitas! - uma experiência ao mesmo tempo  prazerosa e espiritualmente enriquecedora. Mas confesso que sinto nesta rentrée alguma preguiça mental para voltar a escrever. Eu prefiro abordar temas intemporais e não gosto de me perder na análise dos assuntos - sempre tão volúveis! - da atualidade social e política. Sinto necessidade de tempo e de silêncio interior para produzir ideias. E nem sempre consigo reunir estas duas condições. Mas alguns amigos, generosos, pedem-me que continue a publicar. Hoje escrevo sobre o tema central da Humanidade: a Criação do Mundo. E dedico este despretensioso texto ao Eng. Galhardo Coelho que não conheço pessoalmente mas que, de vez em quando, me envia umas notas e me vai ajudando a perceber o Universo com outros olhos.

O homem primitivo, já consciente do seu eu no mundo, cedo se apercebeu das particularidades do meio natural que o envolvia: o Sol que aquece, alumia e volta todos os dias; a  serena Lua que o acompanha; o ciclo das estações que em cada ano revitalizam a terra; o sobe e desce das marés do Mar imenso, imaginado sem fim; a profusão da Vida, na terra, na água e no ar; a ira que provem das entranhas da terra, quando se agita em frenesim ou vomita fogo; a fúria do trovão, do raio, da chuva e da ventania no auge das tempestades. Enfim, o amplitude do céu estrelado a suscitar sonhos e a ativar a imaginação. Perante tal deslumbramento, o homem primitivo procurou respostas: para a origem das coisas, para a origem da Vida, para a explicação dos fenómenos naturais, para o absurdo da morte, e sobre como sossegar a angústia de não saber o que existe depois dela. Foi para responder a tudo isto que surgiram os mitos. Que são as narrativas protagonizadas por deuses, e que são a base das religiões.

As narrativas mitológicas da criação do mundo estão presentes em todas as sociedades e em todas as religiões. Na mitologia grega, no princípio, havia o caos e a noite. Eros fecundou Gaia e nasceram os titãs. Um deles, Cronos simboliza o tempo. As narrativas dos astecas, dos maias, e dos egípcios contêm  os princípios que enformaram as religiões, os cultos, os rituais e os sacrifícios. Na Bíblia dos judeus, Deus começou por fazer a Luz ( fiat lux) e dar forma aos mares e aos continentes. Depois criou as espécies vegetais e animais - a Vida!- e, no final, criou o Homem - a Vida Consciente. E ordenou ao Homem que dominasse a Terra e se multiplicasse. Nos mitos da cosmogenia existe em comum uma divindade que organiza o caos, que domina as trevas, que cria as coisas vivas e que molda o homem à sua imagem e com ele estabelece laços (religo) que estruturam o culto religioso.

A Ciência está a destruir os mitos e, à medida que isso acontece, o Homem passa a ocupar o lugar de Deus. Galileu desferiu o primeiro golpe, Darwin arrasou a Bíblia, Freud aniquilou a Alma e Einstein questionou a rigidez dos conceitos de  tempo e do espaço sensorial. Muito se avançou na explicação da criação do Universo. Para a cosmogenia, surgiu a teoria do big bang. Mas persistem muitas dúvidas e muitas respostas por encontrar: sobre a natureza da luz, sobre a gravidade, sobre o que existe para lá da matéria sensorial. O Big Bang é um mito moderno em que o Homem se quer substituir a Deus na nova narrativa da Criação. Mas o Big Bang explica o Princípio mas não aponta o Fim. E não explica o que havia antes do Princípio. Também o Big Bang não explica se o código do ADN - ou seja a Vida - já estava inscrito no momento da explosão inicial. E também não resolve a grande questão sobre o fenómeno humano e sobre a consciência que o caracteriza.

Sem o mito criacional as religiões perdem os seus fundamentos. Só assim se explica a reação da Igreja Católica aos que destruíram o mito do Génesis (Galileu, Darwin, Freud). Com o Homem a ocupar o lugar de Deus abre-se uma nova dimensão na perspetiva da religiões. Que tem de fundar-se na ética e no direito, os quais, por sua vez, são condicionados pela política e pela economia. Mas isto não resolverá a angústia existencial ligada à origem de tudo. Podemos um dia explicar o como mas acredito que nunca saberemos o porquê. Afinal o homem é apenas um objeto da criação: matéria a tomar conhecimento ou consciência de si própria. Será isto uma maldição ou uma redenção?

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Férias

Nesta época estival muda-se de poiso, alteram-se rotinas, liberta-se o corpo para o sol e para o ar livre; a alma para o sonho e para a imaginação. As pessoas procuram o mar, como se regrassem às origens mais remotas da espécie, quando os primeiros anfíbios saiam da água e começavam a aventurar-se nas praias. Nesta estação, tal como os catos do deserto que florescem por um único dia, as aldeias do interior, com as casas cheias de emigrantes, ganham uma vida efémera.

Mas, nem sempre foi assim. Em S. Pedro do Rio Seco, na minha infância, o verão de julho e de agosto era o tempo das palhas. Em junho segava-se o trigo e o centeio, que se ajuntava em rolheiros nas tapadas; depois, acarranjava-se para os enxidos ou para as eiras da Queijata e de Carcidade onde era colocado nas medas circulares com as espigas dos molhos viradas para o interior. Rezava-se, para que não chovesse nem trovejasse, e temiam-se os incêndios, o pior de tudo, uma calamidade. Ainda estava na memória das gentes um deles, pavoroso, em que os sinos tocaram longamente a rebate e o povo todo se irmanou - baldeando a escassa água dos poços - na tentativa inglória de o debelar. Lembro-me ainda de ver malhar o centeio, à mão, com os manguais, processo que a malhadeira do Ti Farias viria substituir. O trigo ainda se continuou a trilhar nas parvas redondas do enxido pequeno, com os trilhos de madeira puxados por juntas de vacas ou de machos. Só mais tarde, a trilhadeira mecânica do Ti Farias viria também a acabar definitivamente com o processo.

Em setembro, amenizava o calor e as tarefas tornavam-se mais aprazíveis: arrancavam-se as batatas e vivia-se a fartura do pomar e da horta. As uvas já pintavam, comia-se o melão da Feira Nova e a melancia da Santa Eufemia. E já se pensava em começar a preparar a terra para as sementeiras do ano seguinte. Os parentes das cidades vinham nesse mês e davam um ambiente mais cosmopolita à aldeia; vinha o doutor juiz com as filhas que passeavam no cavalo que a Ti Adelaide Raimunda lhes tratava durante o ano; chegavam os filhos do capitão Faria, esbeltos e bons jogadores de futebol. E até algumas personalidades estranhas como a D. Florinda, que trazia dois pequenos cães a quem tratava como se fossem família. E claro, havia a ansiada Festa Grande com os bailes à música do acordeão, onde se experimentava - com a condescendente tolerância dos mais velhos -, o doce enlace de corpos adolescentes, ávidos de transbordar as delícias da libido e do amor...

Tudo muda, como escreveu Camões, o tempo é feito de mudança. Sinto que no nosso tempo as coisas mudam muito e demasiado depressa. Como nada é previsível, as pessoas parece que já nem arriscam fazer planos. Deste modo, muito do saber dos mais velhos parece obsoleto aos olhos dos mais jovens, que, perigosamente, começam a acreditar demasiado no mundo virtual.


segunda-feira, 25 de julho de 2016

Alfarrobeira

Aos fins de semana, desde que  deixei de ler a edição em papel do Expresso, a minha horta ganhou mais atenção. A "minha horta" é uma força de expressão: são meia dúzia de metros quadrados roubados ao jardim de uns escassos cinquenta metros quadrados que eu tenho o raro privilégio de cuidar no bairro de Telheiras, em Lisboa. Sem contar com as minhas plantas de estimação- uma bananeira que dá bananas, uma mangueira que dá mangas  e duas jovens anoneiras que ainda não deram nada  - aí cultivo uma dúzia de alhos, meio cento de cebolas, 6  ou 7 tomateiros, 4 feijoeiros, 3 meloeiros e algumas ervas aromáticas. No passado sábado, logo pela manhãzinha iniciei o meu trabalho.  Nesta altura do ano, a horta precisa de cuidados redobrados. É preciso regar, mondar e colher. Dispunha de umas escassas três horas para as minhas tarefas, pois a partir das dez horas o sol abrasador do verão já não consente trabalho a um cidadão urbano pouco habituado ao árduo trabalho do campo.

A primeira tarefa foi a colheita de tomates. A safra deste ano está a ser generosa. Alguns tomateiros vieram de S. Pedro, do alfobre da tia Alice, e são objeto de um carinho especial. São da variedade "coração de boi", grandes, carnudos e muito saborosos. Para fazer inveja aos meus amigos, aqui mostro a produção colhida neste sábado.



Em seguida, aproveitando a terra seca de um vaso,  decidi preparar uma nova  terra enriquecida misturando-a com com a terra preta do meu compostor. Eu guardo neste compostor os restos crus da cozinha e os que resultam do corte  da relva e das podas do jardim, depois de triturados num pequeno triturador. Ao fim de uns meses, a matéria orgânica vai-se decompondo e eu posso retirar da parte inferior do compostor uma argamassa preta que irá servir para incorporar na terra do jardim. Desta vez, misturei uma quantidade de composto - aí uns dez quilos - com a mesma quantidade de terra seca. Depois, usei esta terra enriquecida para tranvasar algumas plantas que estavam a precisar de ser mudadas para vasos maiores.

A terra que sobrou utilizei-a no meu germinador de alvéolos. Coloquei  uma semente de alfarrobeira em cada um dos 80 alvéolos. A alfarrobeira (Ceratonia Siliqua) é uma árvore mediterrânica muito abundante no Sul de Portugal, sobretudo no Algarve  As suas vagens ricas em açúcar, são comestíveis tanto por animais como por humanos, e quando moídas podem ser usadas para fazer pão. A farinha de alfarroba é usada como antidiarreico sobretudo em crianças. Das suas sementes extrai-se uma goma com propriedades especiais e que é utilizada para fabricar pastilhas elásticas.

As minhas sementes tinha-as recolhido com o meu amigo Rodrigo Queiroz em Troia, nas férias do  ano passado. Estou agora esperançado que uma boa percentagem delas germine. Mais tarde, hei-de transferi-las para vasos de enraizamento e, se tudo correr bem,  um dia verei alfarrobeiras a crescer no jardim da minha casa de praia.

Uma alfarrobeira do meu jardim com algumas semanas de germinação, já transvasada

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Turquia

Foi com alguma surpresa - e uma boa dose de preocupação à mistura - que, na sexta-feira passada, muita gente recebeu a notícia da tentativa de um golpe militar na Turquia. Para o cidadão comum - é o meu caso - não parecia previsível que tal pudesse acontecer num país da Nato, encostado à Europa, e candidato a entrar na União Europeia.

No final da Primeira Guerra Mundial, a Turquia foi construída sobre os escombros do derrotado Império Otomano. O seu primeiro Presidente foi Mustafa Kemal Ataturk, um jovem e dinâmico oficial do exército, que introduziu profundas reformas políticas, sociais, culturais e económicas – mudou, por decreto, a forma de vestir tradicional e a antiga escrita árabe - de modo a criar um país moderno inspirado nos padrões ocidentais. A Turquia atual é uma República parlamentar com uma população de mais de 75 milhões de pessoas (censo de 2012) que se distribuem por dois continentes. A capital é Ankara, situada na península da Anatólia, mas a principal cidade é Istambul que, com os seus 15 milhões de habitantes, é a maior cidade da Europa.

A Turquia tem uma grande importância geoestratégica. Os chamados estreitos turcos (Dardanelos, Mar da Mármara e Bósforo) controlam a entrada no Mar Negro, um importante mar interior onde está situada a península da Crimeia. A via marítima formada pelos estreitos constitui o único acesso da Rússia ao Mar Mediterrâneo. A Turquia ocupa uma posição charneira no Médio Oriente e faz fronteira com a Síria, com o Iraque e com o Irão. Além disso, é através deste país que flui muito do petróleo da Ásia Central, estando prevista a construção de novos e importantes oleodutos e gasodutos.

A Turquia faz parte da Nato e é um candidato a entrar na União Europeia, mas as discussões sobre este pedido arrastam-se há muitos anos, e aparentemente sem grandes progressos. Países como a França mantêm uma posição crítica em relação à entrada dos turcos na União e, de tempos a tempos, lembram o genocídio de arménios durante a primeira guerra mundial. Que os turcos nunca assumiram. A Turquia mantém, desde os tempos do Império Otomano, boas relações com a Rússia com que tem fortes relações económicas, e de onde provém uma boa parte do seu turismo. Estão em lados opostos no conflito Sírio - nomeadamente no apoio da Rússia a Bashar Al'Assad . Recentemente, parece estar a verificar-se uma reaproximação de posições – isto, apesar do insólito abate de um avião russo ocorrido há meses atrás na fronteira com a Síria.

O episódio do passado dia 14 de julho acontece, pois, num momento crítico e num local chave, e é essa a razão de ter assustado muita gente. Estão em causa eventuais consequências muito importantes que poderão afetar o equilíbrio na região: as relações com a Rússia e o futuro da cooperação entre os dois países nos domínios energético e militar; as relações com a União Europeia, a evolução do dossier integração e o futuro do acordo recentemente assinado sobre os refugiados; as relações com os Estados Unidos, a permanência na Nato e as facilidades militares cedidas aos americanos. Para não falar da delicada questão curda e do apoio - nunca admitido - que o Estado Islâmico tem encontrado na Turquia.

O presidente Erdogan emerge desta situação como o homem forte. Parece interessado em assumir uma posição não-alinhada, e querer repor um regime de concentração de poderes à semelhança dos sultões do antigo Império Otomano. Já se fala em reintroduzir a pena de morte, um claro sinal de retrocesso civilizacional. E tudo leva a crer que seja reforçado o condicionamento dos mídia, a ilegalização de partidos e a criminalização dos delitos de opinião. Aliás, as purgas a que estamos a assistir fazem lembrar o que aconteceu na Alemanha dos anos 30, na sequência do incêndio do Reichstag em Berlim, quando Hitler se aproveitou do caso para eliminar os seus inimigos internos. Viviam-se, nessa altura, tempos conturbados e muitos já veem nas prisões de milhares de juízes e soldados o ressuscitar de fantasmas que acreditávamos definitivamente enterrados.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Um País à Deriva

A palestra de encerramento do ciclo de conferências "Que Portugal queremos ser? Que Portugal vamos ter?", promovidas pelo Grémio Literário, pelo Clube Português de Imprensa e pelo Centro Nacional de Cultura, coube a Rui Ramos, historiador e comentador, que, no passado dia 28 de junho, optou por abordar o tema numa perspetiva histórica focalizada nos últimos duzentos anos.

A imagem que o orador nos deixou do Portugal daquele período foi a de um país que se esforçava permanentemente em importar e adaptar os padrões económicos, sociais e culturais vigentes na Europa Central, a qual vivia o surto de progresso da Revolução Industrial: uma constituição à semelhança da França; um regime parlamentar à semelhança da Inglaterra; a escola pública, a rede ferroviária, as ideias liberais, a difusão da imprensa, as comunicações, impulsionadas pelo telégrafo e pelo telefone e as tecnologias associadas à eletricidade, que se disseminavam um pouco por toda a parte. O século XIX - sobretudo a partir das lutas liberais - foi, no nosso país, o tempo dessa adaptação, marcada por uma luta entre a elite progressista dos inovadores e os saudosistas do antigo regime. A famosa Geração de 70 deixou-nos como referência a célebre conferência proferida por Antero de Quental sobre "As causas da decadência dos povos peninsulares" e a ironia fina da prosa de Eça de Queirós que tão bem retrata as duas correntes em confronto.

Os anos do pós-guerra, já no século passado, trouxeram à Europa uma nova e enorme transformação. A reconstrução iniciada com o plano Marshall e impulsionada pela energia fóssil – nomeadamente, pelo petróleo e pelo automóvel - conduzem a uma sociedade mais urbana, mais escolarizada, já com um sistema de apoio social. Surge, por essa altura, a ideia de uma Europa Unida, e o Portugal de Salazar, apesar do dilema colocado pela manutenção das colónias africanas, não tem outra solução senão a inovação e uma lenta aproximação à Europa. O instrumento encontrado para esse fim são os conhecidos Planos de Fomento com as suas reformas na administração, na educação, na saúde, nas grandes obras, na agricultura, na indústria e nas vias de comunicação. Em 1960, Portugal adere à EFTA, uma zona de comércio livre impulsionada pela Inglaterra. O então ministro Correia de Oliveira - que participou ativamente nas negociações para a adesão à EFTA - considerava que a Europa e a continuação da nossa presença em África eram desejáveis e compatíveis para Portugal.

Entretanto, a emigração para a Europa aumenta fortemente e, ela própria, é um contributo para a integração. Perante este surto de desenvolvimento e progresso – o País registou, nesse período, as taxas de crescimento do PIB mais elevadas da sua história - a oposição está dividida entre apoiar ou rejeitar a política económica da ditadura. O Partido Socialista, adepto de uma linha europeísta, funda-se em 1973 na Alemanha, apoiado por partidos europeus.

Após o 25 de Abril, na confusão do período do PREC, Portugal torna-se um país à deriva, sem saber se deve rumar para África, para a Europa ou para o Terceiro Mundo - na altura alinhado com a esfera soviética. Porém, rapidamente se tornou claro que só a opção Europa era compatível com a democracia. Em 1977, Portugal pede a adesão à CEE, e a concretização desse objetivo passa a ser o grande projeto nacional. Seguem-se grandes reformas estruturais que recuperam a ideia dos planos de fomento da ditadura – conduzidas ainda, nalguns casos, pelas mesmas pessoas que os tinham concebido como foi o caso, entre outros, do economista José da Silva Lopes. O período 1986-1992 foi um período de grande euforia que viu nascer um País novo. A comemoração do dia de Portugal, em 10 de junho, reflete, de alguma forma, os novos tempos. Antes evocativo do passado imperial, saudosista, passou a simbolizar o Portugal das comunidades, do sucesso das novas elites, da prosperidade, dos campeões.

Todavia, a crise que adveio nos anos mais recentes volta a colocar interrogações. Muitos já perguntam se o projeto Europeu ainda faz sentido? Para Rui Ramos, a resposta é, definitivamente, afirmativa: Portugal tem de ser a casa comum de todos os portugueses. Porém, para isso precisa de estabilidade e, agora, também da Europa, entendida esta não apenas como uma democracia formal, mas como um espaço que defenda e proteja a democracia. Esta Europa trouxe a paz ao continente europeu, e em tempo algum os seus povos viveram uma situação melhor!

Também eu estou convicto que não há portugalxit possível. Mas, fala-se e discute-se ainda como se houvesse. Os políticos digladiam-se ainda entre si, lutando pelo poder e pelas suas benesses como se fôssemos um país soberano. Na realidade teimamos em não querer discutir o Portugal que queremos ser. E isso mergulha-nos na angústia e ansiedade que suscitam a imprevisibilidade do Portugal que vamos ter.

Saio desta última conferência com a convicção de que Portugal está condenado a ser um país inconformado, hesitante, sem rumo e sem consensos. Como se tivéssemos de cumprir este fado de ser um país à deriva, recusando a praxis que nos oferecem. Como se fizesse parte dos nossos genes a crença sebastianista e saudosista de que Portugal só se cumprirá nas névoas do Quinto Império...

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Brexit

O Brexit acontece em contracorrente com a lógica da evolução natural da economia e do progresso civilizacional. A economia exige mais globalização, porém, o Brexit vai no caminho oposto. O mundo exige mais integração e mais diálogo; com o Brexit um país isola-se e fecha-se aos outros. O mundo apela ao fim das fronteiras; o sentido do Brexit orienta-se para o reerguer de muros e para a colocação de barreiras. A transição, necessária para um futuro de prosperidade, exige mais igualdade e mais solidariedade. O Brexit foi uma escolha egoísta dos mais favorecidos para proteger as suas regalias e direitos em detrimento dos mais desfavorecidos. Quando tudo isto é feito em nome da democracia e do sagrado direito dos povos a escolher o seu destino, nós perguntamos se a democracia pode ser usada em todas as circunstâncias? E até se, em situações como esta, não servirão para a enfraquecer?

A laboriosa e lenta construção da Europa foi iniciada há 70 anos sobre os escombros da devastação produzida na Segunda Guerra Mundial. A Holanda, a Bélgica, a França, o Reino Unido tinham perdido, ou estavam em vias de perder, as suas colónias na Oceânia, na Ásia e em África. O acentuar da sua dependência energética era previsível, visto que escasseavam na Europa os combustíveis fósseis, nomeadamente o carvão e o petróleo (pois ainda não se tinham descoberto as jazidas do Mar do Norte). A guerra tinha produzido duas novas super potências: os Estados Unidos e a União Soviética. Qualquer delas com um poderio militar e económico muito superior ao do conjunto dos países europeus. A linha que as separava - "uma cortina de ferro que se estendia desde Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático (discurso de Churchill, 1946) "- dividia a Europa ao meio. Em 1949, os norte-americanos lançaram o Plano Marshall que permitiu aos europeus uma rápida recuperação das suas economias para os níveis anteriores ao conflito. No dia 9 de maio de 1950, cinco anos após a rendição do regime nazi, Robert Schuman lançou um apelo à Alemanha Ocidental e aos países europeus para que instituíssem uma única autoridade comum para administração das respectivas produções de aço e carvão. Assim nasceu a CECA, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, assinada por seis países: França, Alemanha, Itália e os três países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).

O impulso mais importante tem lugar em 1957 com a assinatura do Tratado de Roma. Os países constituintes da Europa dos Seis decidem avançar na cooperação nos domínios económico, social e político. Os acordos tinham como objetivo implantar um mercado comum, que permitisse a livre circulação de pessoas, bens e capitais. A Comunidade Económica Europeia (CEE) foi a entidade internacional instituída por este tratado, de tipo supranacional e dotada de capacidade autónoma de financiamento.

Para muitos dos países que - como é o caso de Portugal – hoje integram a União Europeia, a adesão à Europa e ao Euro significou a promessa de um futuro de paz com uma prosperidade sem fim. Mas, agora, esse futuro apresenta-se incerto e perigoso. A recessão, que nos anos recentes se abateu sobre a economia mundial, está a produzir insegurança no emprego, nas reformas e a fragilidade do sector financeiro; a austeridade e as migrações agravaram o descontentamento de muitas pessoas, sobretudo da classe média. Para muitas delas, o capitalismo e a Europa que o representa são o bode expiatório. Os indignados, que fazem crescer, por toda a parte, partidos de um novo tipo, não são os filhos da classe operária, mas são os filhos dos revolucionários do maio de 68 que prosperaram no capitalismo. E ainda não perceberam que, sem uma Europa coesa e forte, o futuro que os espera só pode ser pior.

Um dia, algum iluminado quererá referendar o fim da miséria, do sofrimento e, quiçá, até da Morte. O sim, como resposta a estes anseios ancestrais, até pode vencer. Mas, não será por isso que entraremos no Paraíso ou alcançaremos a Vida Eterna.


quarta-feira, 22 de junho de 2016

Informação e Poscapitalismo

No livro Pós-capitalismo: um guia para o nosso futuro, Paul Mason diz que estamos no fim de um ciclo económico e na alvorada de um novo. A informação, no entender de Mason, será o produto inovador que  ficará associado ao novo ciclo.  Na verdade, mais do que de um ciclo, o jornalista fala  de uma transformação da essência do capitalismo que dará origem ao pós-capitalismo. O homem culto e informado será o agente dessa transformação.

 A primeira pergunta que me ocorre é a seguinte: como será um mundo em que a economia é dominada pela informação? A resposta será dada pela própria dinâmica do capitalismo, e pela sua capacidade de adaptar-se e evoluir dentro do novo modelo.  Mais do que um produto, vejo na informação uma ferramenta que cria um ambiente ou um contexto novo nas relações entre as pessoas e as organizações.  Algo de semelhante ao que ocorreu com o aparecimento da escrita, que permitiu criar, preservar e transmitir registos sobre pessoas, acontecimentos e negócios. Mais tarde, associada à escrita, surgiu a grafia dos números e o cálculo. A escrita e a matemática, num dado momento, influenciaram a filosofia, a política, a justiça, a religião e o comércio. E alavancaram, de uma forma decisiva e irreversível, o curso da civilização. Com a revolução digital – afinal é disso que falamos! –, a sociedade sofrerá um novo e decisivo impulso ; nada voltará a ser como dantes.

Pensando na economia, e vistas as coisas de uma forma simplificada, verificamos que o comércio de bens e serviços é regulado por leis universais. Em primeiro lugar, pela lei da oferta e da procura, que ao formar os preços desses bens e serviços estabelece equilíbrios. Os produtores e os consumidores são os agentes económicos; o  mercado é o cenário onde a ação decorre. Após a Revolução Industrial, a produção em massa  passou a socorrer-se da comunicação para divulgar a oferta e criar a procura. Nasceu assim o marketing e a publicidade, um sector que, num ciclo que parece estar agora a fechar-se, foi motor gerador de investimentos e de emprego.  Foi a época dourada do desenvolvimento da comunicação social em que muito se falou de  emissores, recetores, meios  e mensagens.

 Ora, tudo isto parece estar a mudar. Numa sociedade dominada pela informação os produtos falam por si, apresentam-se e vendem-se a eles próprios; a  comunicação e o comércio tendem a fundir-se e o mercado transforma-se num espaço dinâmico, fluido e supranacional.  Por outro lado, a globalização associada à informação ameaça diluir as fronteiras entre Estados, põe em causa a fiscalidade, e, no final, poderá influenciar as relações de trabalho e inviabilizar o estado social. Numa sociedade de homens e mulheres cultos e informados,  até a democracia de um homem um voto pode deixar de fazer sentido.

Mais do que um avanço quantitativo - na senda do tão almejado crescimento da riqueza produzida - estamos perante um salto qualitativo, aquilo a que chamei a quarta revolução, depois da linguagem, da escrita e da imprensa. Nesse aspeto, ele difere do salto quantitativo que esteve na origem do capitalismo, e que foi o input energético trazido, primeiro pelo carvão, depois pelo petróleo e pelo gás natural.

Irá o capitalismo sobreviver ao salto qualitativo da sociedade da informação? Acredito que, no novo modelo, haverá ganhos de eficiência, sobretudo no plano energético, mas que não serão suficientes para diminuir a pegada ecológica, pois tal como postula o paradoxo de Jevons, "o aumento de eficiência na utilização de um recurso leva a um aumento do consumo global desse recurso". Se tal acontecer, a ameaça das alterações climáticas não vai ser mitigada e serão muitas as mudanças que irão ocorrer nos planos político, social e laboral. O maior de todos os riscos tem a ver com a complexidade tecnológica necessária para manter e desenvolver uma sociedade de informação. Tenho presentes as ideias de Joseph Tainter e a sua teoria que afirma: quando os custos de aumentar a complexidade superam as vantagens que ela traz a sociedade tende a colapsar. O caminho para a Era da informação não se apresenta nada fácil.  Mas, como não se vislumbra outro, vamos ter de o percorrer.