segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O Sagrado e o Profano


Num programa de televisão emitido recentemente, alguém informou que a religião católica é aquela cujo número de praticantes, a nível mundial, mais tem regredido. Este dado suscitou-me uma reflexão sobre o papel desempenhado pelas religiões ao longo da história  da Civilização Humana e sobre o papel que desempenharão no futuro. As religiões estiveram intimamente ligadas ao desenvolvimento do ser humano e o seu padrão parece ser universal pois ele repete-se - na mitologia, nas narrativas sobre a criação do mundo, nos rituais e sacrifícios - em sociedades espalhadas pelo planeta e sem contactos entre elas. Penso que se pode afirmar, com propriedade, que o  homem não é apenas um ser eminentemente social - como disse Aristóteles - mas é também um ser eminentemente religioso.

Terá sido a consciência da morte, o sofrimento físico e psíquico, as interrogações sobre a origem das coisas, sobre os fenómenos naturais, sobre a natureza da vida e sobre o destino do homem,  que criaram no homem primitivo a necessidade de encontrar explicações, de procurar conforto no sofrimento e de justificar a morte ou de tentar prolongar a vida para além dela. As primeiras religiões eram politeístas, as diferentes divindades replicavam as emoções e as paixões dos humanos. As crenças, os sacrifícios de animais e de pessoas, os rituais, fizeram surgir os templos e os altares. Surgiu a organização do culto e apareceram os seus agentes - sacerdotes e outros representantes do sagrado - que a integravam. O poder esteve sempre ligado à religião.  A igreja - considerada, no sentido lato, como a estrutura social que organiza o culto religioso - é anterior ao estado e, em paralelo com o poder militar e com a administração que coletava os impostos, tornou-se um dos principais suportes dos estados.

A invenção da escrita criou as religiões que hoje predominam no mundo ocidental: o judaísmo, o cristianismo, o maometismo. Nesse aspeto, teremos de destacar o judaísmo, uma religião com uma forte componente moral e com muitos rituais na forma de viver, de comer e até de vestir. A vida dos judeus, a sua existência como povo - e agora como estado, em Israel - está suportada pela religião e pelas crenças. O cristianismo é um enxerto da mitologia greco-romana com o judaísmo que encontrou nas sociedades fortemente hierarquizadas dos bárbaros do centro e do norte da Europa o terreno propício à sua disseminação. O seu desenvolvimento na idade média sobre os escombros do Império Romano do Ocidente está na base da construção da Europa e da Civilização Ocidental. A difusão das ideias de Lutero, que a invenção da imprensa haveria de facilitar, levou à criação de novas religiões dentro do cristianismo, criou divisões na Europa e conduziu à guerra dos 30 anos.

A partir da Renascença e da descoberta da imprensa, o desenvolvimento científico, nomeadamente com Galileu e com Darwin, começam a questionar e abalar as velhas narrativas do cristianismo sobre a criação e sobre o evolucionismo.  O último  golpe ocorre já no século XX com Sigmund Freud, quando questiona a natureza transcendental da alma humana. O desenvolvimento económico que sobreveio, sobretudo a partir da Revolução Industrial, que consolidou o estado organizado e criou as condições que permitiram o surgimento do estado social, retirou à igreja o  papel e importância que tinha no plano social nomeadamente na assistência na doença e na pobreza. Por tudo isso, no mundo atual, a religião cristã - e a religião católica em particular - perdeu muita da sua importância de outros tempos.

Eu vejo na religião três dimensões: uma dimensão espiritual, uma dimensão moral e uma dimensão social. E vejo sinais de que a dimensão espiritual da religião não foi abalada pelos desenvolvimentos científico e social. As respostas às questões fundamentais continuam por dar. O absurdo da morte, ao retirar sentido à vida, continua fonte de angústia permanente, a origem da matéria e da vida fogem à nossa compreensão. Não se pode resumir a discussão religiosa ao chavão de acreditar em Deus ou de negar a sua existência. A dimensão espiritual tem mais a ver com a forma de viver de cada um, com a compaixão com os semelhantes, com a solidariedade. Estamos no limiar de entrar  num novo ciclo civilizacional que é resultado de uma nova forma de comunicar. Quem sabe se não estaremos também no advento de uma nova religião!

Sem comentários:

Enviar um comentário