segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

As Duas Espanhas

Oitenta anos passados sobre as eleições, que em 16 de fevereiro de 1936 deram, por uma escassa margem, a vitória à Frente Popular, paira de novo sobre o país vizinho o fantasma das duas Espanhas, que se confrontaram durante os sangrentos anos da Guerra Civil. Há oitenta anos, enfrentavam-se, de um lado, a Espanha católica, ordeira, latifundiária, hierarquizada e monárquica, e do outro, a Espanha republicana, laica, operária, anarquista, sindicalista que via na revolução bolchevista de outubro o modelo para a criação do homem novo e que fez dela a sua bandeira...

Não tendo participado no conflito da Primeira Guerra Mundial, que libertou tensões e redesenhou o mapa da Europa, a Espanha do início dos anos 30 refletia tardiamente as transformações e as contradições resultantes da revolução industrial e do surgimento de uma forte classe operária. Criou-se um amplo movimento sindical com ideais libertários, antipatronais, antireligiosos e antimonárquicos. A experiência de um país governado pelo poder operário, que se desenvolvia na Rússia soviética, era seguida com particular atenção. Em 1931, o rei Alfonso XIII, sem abdicar formalmente, exilou-se na sequência de uma derrota eleitoral regional. Implantou-se a República e promulgou-se uma nova constituição. Surgiu um governo republicano e de esquerda, a Espanha dividiu-se. Sobre o País começaram a pairar as nuvens da agitação social.

Na sequência da vitória eleitoral da Frente Popular, em Fevereiro de 1936, constituiu-se um Governo de coligação liderado por Largo Caballero, extremaram-se posições, instalou-se o revanchismo, atacou-se a Igreja Católica, ocuparam-se terras, mataram-se pessoas, cometeram-se muitos excessos. Em julho desse ano, um levantamento militar separou a Espanha em duas. Seguiram-se três anos de uma guerra sangrenta, que seria o prelúdio da II Guerra Mundial. Alinhamentos externos apoiaram estas duas Espanhas, testaram-se armas, lutou-se com bravura e heroísmo. As brigadas internacionais, que se formaram com voluntários idealistas vindos de todo o mundo para apoiar a causa republicana, ajudaram a criar o mito da última guerra romântica.

A situação da Espanha de hoje não é comparável à situação que se vivia em 1936. A Espanha já não é um país predominantemente agrícola. Está integrada na Europa, tem uma economia moderna que assenta nos serviços, com destaque para o turismo. E a religião já não é o que era. A esquerda da Espanha de hoje - embora cada vez mais expressiva e a crescer - já não tem para erguer a bandeira do bolchevismo nem o exemplo do país dos sovietes. É uma esquerda que se apoia na classe média, uma esquerda indignada. Mas que não apresenta uma alternativa económica ao sistema vigente.

Com o nervosismo que se instalou após as eleições inconclusivas de dezembro passado, a Espanha começa a perder a serenidade. Regressam velhas tensões, cavam-se trincheiras nas mentes, há divisões nas famílias, dispara-se a artilharia das palavras. Porventura, haverá reedições da paixão do libertário Buenaventura Durruti, da empolgante passionária Dolores Ibarruri, do jovem idealista José António Primo de Rivera. Mas, a não ser que a Europa se suicide, que o mundo enlouqueça ou que a economia - sobretudo na sua vertente financeira - destrua o frágil equilibro onde se apoia, não voltará a haver duas Espanhas, e não irá reeditar-se a Guerra Civil.

Porém, começa a desenhar-se o risco de uma outra divisão: passarem a existir não duas, mas várias Espanhas. A atração pela independência das regiões -mais notória na Catalunha e no País Basco - ameaça a unidade de Espanha. Como será o desfecho de uma Espanha partida em três ou quatro é uma incógnita para a qual ninguém tem resposta.


1 comentário:

  1. Esperamos que não volte a Espanha a guerra civil,pois nós e, possivelmente não só, também seríamos afetados. Leio sempre os teus artigos que são de muito interesse para todos nós.Um abraço.

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