segunda-feira, 21 de março de 2016

A Hiperglobalização

Na classificação tradicional, as atividades económicas repartem-se por três sectores: o primário, que inclui a agricultura, a silvicultura, a pecuária, a pesca e a exploração mineira; o secundário, que inclui as indústrias transformadoras, a construção e a produção de energia; o terciário, que integra o comércio e os serviços. No início do século XX, o sector terciário era incipiente. O aumento gradual da sua importância foi uma consequência das transformações na economia e na sociedade ocorridas durante a era do carbono. Aliás, o caso português é um bom exemplo disso: segundo dados do INE (Estatísticas do Emprego), em 1974, 35% da população ativa trabalhava no sector primário, percentagem que em 2012 tinha baixado para 10%; no mesmo período, a população ativa no sector secundário passou de 34% para 26%; enquanto, em contrapartida, o sector terciário que ocupava 31% da população ativa em 1974, empregava já, em 2012, 64% dessa mesma população.

Caraterizada pela adoção da comunicação interativa possibilitada pela internet, a revolução que está em curso - a quarta na história da civilização, depois da linguagem, da escrita e da imprensa – representa um novo salto em frente da humanidade. Com ela, está a nascer a economia hiperglobal. A estrutura da população ativa, as relações de trabalho, e até a forma de viver, estão a mudar. A mobilidade e as telecomunicações estão a provocar a uniformização dos gostos e dos consumos, não só de bens físicos como culturais. Generaliza-se a adesão ao comércio on-line e aparecem novas formas de vender e de fazer publicidade. Emergem novos produtos e serviços relacionados com a nova forma de comunicar - quer de hardware quer de software. A informação flui massiva e livremente na rede, e até a inteligência, materializada numa vasta panóplia de aplicações informáticas, passou a ser um produto comercial. Afirmam-se poderosas empresas de um novo tipo – a Microsoft, a Google, a Apple, o Facebook, ... . Está a mudar o modo como as pessoas se relacionam e se informam. As redes sociais, e o livre acesso à informação e ao entretenimento, estão a provocar forte impacto nos meios de comunicação tradicionais. Lêem-se menos livros e menos jornais. Ouve-se menos rádio; vê-se menos televisão. Na atualidade, estou em crer que a maior parte do nosso tempo de vigília já é passado em interação com ferramentas digitais.

Na nova economia, aos poucos, começa a definir-se e a ganhar peso um novo sector de atividade que poderemos designar de quaternário ou de quarto sector. O automatismo e a robotização estão a chegar aos serviços. Os transportes dispensam cobradores, revisores e até condutores. Os serviços financeiros, o comércio, o turismo, a hotelaria, estão a libertar mão de obra. A era digital está a eliminar muitas das antigas funções das indústrias gráficas e das comunicações. Enfrentamos este paradoxo: a população mundial aumenta, mas o emprego diminui, pois as necessidades de pessoas para trabalhar são agora menores. Será que o quarto sector vai absorver os excedentes de mão de obra provocados pelas transformações em curso?

Com a hiperglobalização, na minha opinião, a sociedade enfrentará novos e graves problemas. Não se criarão empregos suficientes para compensar os que se destroem. Estamos a afundar-nos na perigosa e arriscada dependência da crescente complexidade. A hiperglobalização irá acentuar ainda mais as dissonâncias entre a natureza e a economia. Os recursos continuarão a consumir-se de forma irracional, o planeta continuará a aquecer, as abelhas continuarão a morrer, a biodiversidade continuará a reduzir-se. Estamos já a manipular os genes dos seres vivos e a interferir com a própria identidade das espécies.

A nova economia herdou da velha o seu carácter mercantilista. Não resolverá problemas sociais e não promoverá igualdades. Alguns ricos ficarão mais ricos; muitos pobres ficarão ainda mais pobres. O desemprego crescente alimentará uma onda imparável de indignação e revolta. Os políticos e os economistas, obcecados apenas com o crescimento, só acordarão quando a casa comum estiver a arder.

1 comentário:

  1. Chapeau, companheiro, duas vezes!
    E melhor faria eu, se passasse a andar sempre sem a boina basca na cabeça! Para não ter o trabalho de a tirar.
    Sessinhor!

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