segunda-feira, 4 de abril de 2016

O Querer e o Ser


Quem esperava - como foi o meu caso - que o jornalista Ricardo Costa fosse ao Grémio Literário dissertar sobre o tema do ciclo de conferências "Que Portugal queremos ser, que Portugal vamos ter", viu defraudada a sua expectativa. Ricardo Costa, antes diretor do Expresso e agora o novo diretor da Impresa (Grupo Balsemão), é um jornalista com um raro e apurado sentido de análise política. A esta qualidade alia rigor e independência, esta bem demonstrada pela atitude que tomou quando o seu irmão, António Costa, se candidatou a primeiro ministro. No passado dia 29 de março, no Grémio, escolheu falar sobre a atualidade política e sobre os jogos que a condicionam. O essencial da sua palestra já foi resumido pelo jornalista Silas de Oliveira no renovado site do Clube Português de Imprensa que pode ser consultado aqui.

Os jogos políticos - que são jogos de poder - lembram-me os jogos de estratégia, muito particularmente o xadrez, que jogo desde a meninice e me apaixonou na minha juventude. O jogador de xadrez tem de saber lidar com a multiplicidade das peças, de ter presente a abrangência de todo o tabuleiro, de ser capaz de antever as possíveis jogadas do adversário, de ser perspicaz para avaliar com rigor o risco de sacrificar uma peça e dessa forma ganhar uma vantagem posicional. Além disso, tem de ser psicólogo para não denunciar fraquezas, perseverante para explorar debilidades, ousado para surpreender o adversário com jogadas insólitas ou imprevistas e calculista para saber utilizar o tempo a seu favor.

Os jogos políticos exigem muitas qualidades presentes no xadrez, mas, ao contrário deste, não são jogos de soma zero como aqueles onde uns ganham aquilo que outros perdem. Na política, o contexto e até as regras do jogo mudam continuamente. O tempo, a economia, a conjuntura internacional, e não só, podem alterar as coisas e reduzir ou aumentar o prémio que está em jogo. No final, todos podem ser ganhadores ou perdedores. Os jogos políticos não são um passatempo ou um entretenimento entre jogadores, eles dizem-nos respeito e condicionam o nosso futuro coletivo. Por isso, deveriam sujeitar-se a certas regras - mesmo que se ficassem no plano da ética –, que tivessem como objetivo elevar o valor do prémio e não apenas a sua disputa. Mas, tal só é possível com um compromisso assumido por todos os intervenientes. O "Portugal que queremos ser" é, ou deveria ser, o compromisso consensual entre os jogadores que mais não são do que os políticos que governam os partidos ou nos governam a nós.

No quadro do nosso sistema político-partidário, como compromisso mínimo, existem duas premissas que são aceites - será que são? - por todos: a integração na Comunidade Europeia e a aceitação das regras da economia de mercado. Daqui decorre, implicitamente, a obrigatoriedade de pagar as dívidas que se contraem e o respeito pelos tratados assinados. A aceitação da economia de mercado pressupõe a adesão ao princípio sagrado de que é imperativo fazer crescer a riqueza produzida. E, deste principio, quer se queira quer não, deriva, por sua vez, o primado da economia sobre a política. Existe, é claro, a questão da soberania que ninguém põe em causa. Todavia, um país soberano não pode depender de credores, nem pode mendigar o perdão ou a renegociação da divida. Contudo, tem de ter uma estratégia para a economia e para a sua competitividade, para garantir sustentabilidade financeira, indispensável à defesa do Estado Social, à manutenção da coesão regional – de molde a não deixar desaparecer o nosso abandonado interior – à divulgação da cultura, uma herança e um património de muitos séculos. Na política externa deve merecer destaque o espaço reservado à lusofonia. Além disso, a soberania tem de compaginar-se com os direitos que a Constituição garante aos seus cidadãos, nomeadamente, em áreas tão sensíveis como a educação e a proteção na infância, na doença, na incapacitação e na velhice.

Saí do Grémio Literário interrogando-me sobre se algum político se preocupa verdadeiramente com o Portugal que queremos ser. Veio-me à memória um outro palestrante que recentemente, ali no Grémio, afirmou que muitos políticos trocam as convicções pelas conveniências. E convenço-me de que o tema da conferência esteve ausente do discurso de Ricardo Costa pela simples razão de que "o Portugal que queremos ser" não está presente no tabuleiro de jogo dos nossos políticos. E, como bom jornalista que é, ele não tem de falar sobre o que não acontece; afinal, isso não é notícia. Nesta ordem de ideias, e para nosso descontentamento, "o Portugal que vamos ter" vai continuar a ser mais do mesmo.

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