quarta-feira, 22 de junho de 2016

Informação e Poscapitalismo

No livro Pós-capitalismo: um guia para o nosso futuro, Paul Mason diz que estamos no fim de um ciclo económico e na alvorada de um novo. A informação, no entender de Mason, será o produto inovador que  ficará associado ao novo ciclo.  Na verdade, mais do que de um ciclo, o jornalista fala  de uma transformação da essência do capitalismo que dará origem ao pós-capitalismo. O homem culto e informado será o agente dessa transformação.

 A primeira pergunta que me ocorre é a seguinte: como será um mundo em que a economia é dominada pela informação? A resposta será dada pela própria dinâmica do capitalismo, e pela sua capacidade de adaptar-se e evoluir dentro do novo modelo.  Mais do que um produto, vejo na informação uma ferramenta que cria um ambiente ou um contexto novo nas relações entre as pessoas e as organizações.  Algo de semelhante ao que ocorreu com o aparecimento da escrita, que permitiu criar, preservar e transmitir registos sobre pessoas, acontecimentos e negócios. Mais tarde, associada à escrita, surgiu a grafia dos números e o cálculo. A escrita e a matemática, num dado momento, influenciaram a filosofia, a política, a justiça, a religião e o comércio. E alavancaram, de uma forma decisiva e irreversível, o curso da civilização. Com a revolução digital – afinal é disso que falamos! –, a sociedade sofrerá um novo e decisivo impulso ; nada voltará a ser como dantes.

Pensando na economia, e vistas as coisas de uma forma simplificada, verificamos que o comércio de bens e serviços é regulado por leis universais. Em primeiro lugar, pela lei da oferta e da procura, que ao formar os preços desses bens e serviços estabelece equilíbrios. Os produtores e os consumidores são os agentes económicos; o  mercado é o cenário onde a ação decorre. Após a Revolução Industrial, a produção em massa  passou a socorrer-se da comunicação para divulgar a oferta e criar a procura. Nasceu assim o marketing e a publicidade, um sector que, num ciclo que parece estar agora a fechar-se, foi motor gerador de investimentos e de emprego.  Foi a época dourada do desenvolvimento da comunicação social em que muito se falou de  emissores, recetores, meios  e mensagens.

 Ora, tudo isto parece estar a mudar. Numa sociedade dominada pela informação os produtos falam por si, apresentam-se e vendem-se a eles próprios; a  comunicação e o comércio tendem a fundir-se e o mercado transforma-se num espaço dinâmico, fluido e supranacional.  Por outro lado, a globalização associada à informação ameaça diluir as fronteiras entre Estados, põe em causa a fiscalidade, e, no final, poderá influenciar as relações de trabalho e inviabilizar o estado social. Numa sociedade de homens e mulheres cultos e informados,  até a democracia de um homem um voto pode deixar de fazer sentido.

Mais do que um avanço quantitativo - na senda do tão almejado crescimento da riqueza produzida - estamos perante um salto qualitativo, aquilo a que chamei a quarta revolução, depois da linguagem, da escrita e da imprensa. Nesse aspeto, ele difere do salto quantitativo que esteve na origem do capitalismo, e que foi o input energético trazido, primeiro pelo carvão, depois pelo petróleo e pelo gás natural.

Irá o capitalismo sobreviver ao salto qualitativo da sociedade da informação? Acredito que, no novo modelo, haverá ganhos de eficiência, sobretudo no plano energético, mas que não serão suficientes para diminuir a pegada ecológica, pois tal como postula o paradoxo de Jevons, "o aumento de eficiência na utilização de um recurso leva a um aumento do consumo global desse recurso". Se tal acontecer, a ameaça das alterações climáticas não vai ser mitigada e serão muitas as mudanças que irão ocorrer nos planos político, social e laboral. O maior de todos os riscos tem a ver com a complexidade tecnológica necessária para manter e desenvolver uma sociedade de informação. Tenho presentes as ideias de Joseph Tainter e a sua teoria que afirma: quando os custos de aumentar a complexidade superam as vantagens que ela traz a sociedade tende a colapsar. O caminho para a Era da informação não se apresenta nada fácil.  Mas, como não se vislumbra outro, vamos ter de o percorrer.


terça-feira, 14 de junho de 2016

A Agenda de Bilderberg

O grupo de Bilderberg é um grupo informal de elites do mundo ocidental que se reúnem anualmente para discutir os problemas do mundo. A conferência inaugural foi realizada em 1954 no Hotel Bilderberg  na Holanda - daí a designação pela qual o grupo passou a ser conhecido. Na reunião anual participam 120 a 150 delegados ligados à política, à grande indústria, ao mundo das finanças, aos mídia e às universidades . Cerca de dois terços dos participantes são oriundos da Europa e um terço da América anglo-saxónica (Estados Unidos e Canadá). As reuniões são informais, de carácter privado, sem comunicado final, realizadas longe dos jornalistas e das câmaras de televisão. O grupo é conhecido pela sua capacidade de influenciar políticos e governantes e é acusado de ser uma estrutura lobista e muito pouco transparente.  A agenda da reunião de Dresden, realizada há dias, distribuída pelos organizadores revela bem as preocupações dos participantes. Mas ela é também um reflexo do complexo e confuso estado da civilização e do mundo.

Pontos da agenda da reunião de Dresden do Grupo Bilderberg
  1. Acontecimentos correntes 
  2. A China 
  3. Europa: migrações, crecimento, reformas, visão, unidade 
  4. Médio Oriente 
  5. A Rússia 
  6. A situação politica e económica dos Estados Unidos: crescimento, dívida, reformas
  7. Ciber Segurança 
  8. Geopolítica da energia e preços das matérias primas. 
  9. Precariedade e classe Média 
  10. Inovação tecnológica 
Eu teria proposto uma agenda com menos pontos, mas mais abrangente por contemplar dois aspetos extremamente importantes: as alterações climáticas e a segurança nuclear.

A minha agenda para debater a forma de cuidar do mundo seria a seguinte:
  1. A  crise do capitalismo, a globalização, o papel do Ocidente (crescimento, reformas); 
  2. A demografia, as migrações, o futuro da classe média; 
  3. Os recursos não renováveis, em particular a energia fóssil e a geopolítica associada; 
  4. A revolução digital e as suas implicações na segurança e na economia; 
  5. As alterações climáticas; 
  6. A segurança nuclear;
  7. Os conflitos religiosos, o terrorismo;
  8. Nos Estados Unidos e no Reino Unido a curto prazo: A eventual eleição deTrump e Brexit
A crise do capitalismo, a globalização, o papel do ocidente (crescimento, reformas) 
Apesar dos sucessos da economia de mercado, e da esperança que alguns acordos (como é o caso do TTIP) possam trazer o seu  prolongamento por mais algum tempo,  existe por parte das elites esclarecidas a consciência de que, a breve prazo, vai ser necessária uma nova ordem mundial. Isso vai pôr em causa muita coisa, como por exemplo a organização por estados soberanos, a democracia e a economia. Estou em crer que o grupo de Bilderberg - dominado pela ideologia do lobby americano-judaico - já interiorizou essa necessidade, mas entende que deve ser o Ocidente a liderar a implementação dessa nova ordem. Aliás, acredito que este tema é central nas reuniões do grupo.

A demografia, as migrações, a classe média

O crescimento demográfico, para lá dos limites suportáveis pelo planeta, constitui a maior ameaça ao futuro da humanidade. Os limites ao crescimento populacional estão à vista, as tensões já se libertaram na Síria e na orla norte do Mediterrâneo e acumulam-se na África Subsariana, no Paquistão, na Índia, no Bengladesh e em países latino americanos. A classe média urbana é o resultado da sociedade de consumo e do conforto  do estado social proporcionados pela Revolução Industrial e pela Revolução Tecnológica. Os limites ao crescimento e a escassez de recursos já ameaçam o emprego e o estado social. A classe média, pilar da estabilidade social, começa a sentir a ameaça e reage. Surgem os indignados, as políticas monetárias falham como antídotos. Voltam a ser questionados os fundamentos do capitalismo. E, desta vez, sem alternativa.

Os recursos não renováveis, em particular a energia fóssil e a geopolítica associada

As lutas pela água e pelo solo arável (agricultura, caça e pastagens)  estiveram na base de todas as guerras da antiguidade. Nos nossos dias luta-se e fazem-se guerras pelo controlo das jazidas de energia fóssil. Foi assim nas duas Guerras Mundiais do século passado e é assim nas guerras sem fim do Médio Oriente onde convergem os interesses do Ocidente, da Rússia e da China. Ora, precisamente por este motivo, o Médio Oriente, a China e a Rússia são três pontos autónomos da agenda oficial de Dresden.

 A revolução digital e as implicações na segurança e na economia

A revolução digital está a mudar o mundo, ameaça a velha ordem política social e económica. As elites instaladas sentem uma urgente necessidade de controlar o fluxo de informação e o fluxo de bens e serviços que circulam na Rede.  Estão em causa questões de segurança e questões que têm a ver com a taxação das transações. A solução destas questões são exigências imperiosas da nova ordem. O Ocidente - que tem o controlo da Rede - sente que não pode perder nenhuma oportunidade de se antecipar neste domínio.

As alterações climáticas

Este ponto não consta da agenda de Bilderberg. Acredito, no entanto, que os participantes da reunião de Dresden já se deram conta que esta é uma luta perdida, uma luta que o Ocidente sozinho não poderá ganhar. Ora, aqui entramos no domínio da cooperação, uma palavra que não parece inspirar muito os membros deste grupo.

A segurança nuclear

O mesmo que se disse para as alterações climáticas pode dizer-se para a segurança nuclear. Porém, os assuntos que têm a ver com armamento são tabu nas agendas americanas.

Os conflitos religiosos, o terrorismo

Os Estados Unidos saíram da Segunda Guerra  Mundial convencidos de que eram invencíveis.  Que a força das armas poderia ser usada para sanar e resolver todos os conflitos locais. Mas a experiência do Vietnam mostrou que as armas não vencem as convicções. Neste caso concreto mostrou-se mais eficiente a arma económica, e foi o dólar e a exportação de um modelo de desenvolvimento que conseguiu aquilo que os bombardeamentos e o napalm não tinham conseguido. Após as experiências falhadas das primaveras árabes e com o inusitado sucesso do Daesh - um estado sem território -, começa a ser aceite a ideia de que o fundamentalismo é imune tanto às armas como à economia.  O Ocidente assiste impotente ao sangramento de atos terroristas e desespera à procura de soluções. Estou em crer que em Dresden pouco se terá adiantado sobre este ponto.

O curto prazo nos Estados Unidos e no Reino Unido : Trump e brexit
Duas ocorrências - imprevisíveis até há bem pouco tempo - com elevada probabilidade de acontecerem, na minha opinião maior na eleição de Trump do que no brexit.  Elas escapam aos cânones do pensamento de Bilderberg e contêm em si um elevado potencial explosivo. Mas, caso se concretizem, será a democracia a funcionar, mas a tornar evidente que nem sempre a democracia é conveniente para esta economia.  Porque a democracia só convém quando produz soluções adequadas aos interesses das elites instaladas. O que, até agora, tem sido conseguido. Nada garante que continue a ser assim, e este terá sido o amargo de boca com que os políticos e os magnates deixaram Dresden.

terça-feira, 7 de junho de 2016

Ciclos de Esperança

Se olharmos para o que foi o mundo dos últimos 250 anos encontramos saltos qualitativos e quantitativos extraordinários. Tudo começou com a Revolução Industrial, que transformou o velho mundo rural num mundo comandado por máquinas e fábricas que vieram ocupar o lugar dos artesãos e das suas oficinas. Nesse período, o comboio substituiu o cavalo para levar os homens mais longe, ao mesmo tempo que o trator agrícola e os fertilizantes permitiram retirar mais alimentos da terra ocupando menos gente nesse labor. Contrariando as teses de Malthus a população aumentou sete vezes e as pessoas passaram a ter mais conforto. O progresso chegou a quase todas as partes do planeta; atenuou-se a divisão entre países industrializados e países do terceiro mundo.

Ao olharmos para as etapas que marcaram esse período, verificamos que elas constituem ciclos de desenvolvimento que vão surgindo a intervalos regulares:

A Revolução Industrial - 1776
O ciclo dos navios a vapor e dos caminhos de ferro - 1830
O ciclo do aço e da indústria pesada - 1875
O ciclo do petróleo e do automóvel - 1908
O ciclo do eletrodoméstico e da produção em massa - 1948
O ciclo da informação e telecomunicações -1971
O ciclo da Internet - em curso

Muitos economistas, alinhados com as conclusões do trabalho do russo Nikolai Kondratieff, não aceitam uma crise final do capitalismo, mas apenas ciclos com as suas fases: expansão, maturidade, declínio e depressão. Desde o início da revolução industrial que esses ciclos se têm sucedido a períodos regulares, sempre associados a inovações tecnológicas. Na fase de expansão verifica-se a adoção progressiva das novas tecnologias, acompanhada da criação de empregos nos sectores emergentes. Na fase de maturidade assiste-se a uma a explosão do crédito o que, já na fase de declínio, provoca um desajustamento entre esse crédito e a produção. Finalmente, na fase da depressão, rebenta a bolha de crédito e instala-se a crise.

Com diferentes argumentos, a teoria dos ciclos económicos foi contestada por Karl Marx e por Lenine e também pelos ideólogos do bolchevismo, Leon Trotsky e Nikolai Buckharin, que advogavam a ideia de que o capitalismo estaria irremediavelmente condenado ao fracasso. Ainda hoje persiste a discussão acerca desta questão. Por isso, não admira que ela tenha sido reintroduzida no ensaio de Paul Mason de que tenho vindo a falar - Pós- capitalismo- Um guia para o nosso futuro. Nesta teoria dos ciclos tem-se menosprezado o factor energético, privilegiando-se o factor tecnológico e a inovação. No entanto, bem vistas as coisas, desde o início da revolução industrial tivemos apenas dois grandes ciclos: o ciclo do carvão e o ciclo do petróleo. O novo ciclo da informação e da Internet - uma revolução na forma de comunicar - é já um ciclo de uma natureza diferente.

Assim, estaremos na iminência de um novo ciclo do capitalismo que trará uma nova fase de progresso ou estamos perante um declínio irreversível do capitalismo como sistema? Se é certo que existem variáveis de natureza cíclica como o crédito, a rentabilidade, as taxas de juro e até a produção per capita, também é verdade que algumas variáveis têm tido uma preocupante progressão unidireccional. Estão neste caso o consumo energético per capita, a produtividade agrícola, a população mundial, a complexidade organizativa, a concentração de gases de efeito de estufa na atmosfera e o aquecimento global. Vivemos um desafiante tempo de transição. Será o pós-capitalismo a resposta para o ressurgimento?