segunda-feira, 25 de julho de 2016

Alfarrobeira

Aos fins de semana, desde que  deixei de ler a edição em papel do Expresso, a minha horta ganhou mais atenção. A "minha horta" é uma força de expressão: são meia dúzia de metros quadrados roubados ao jardim de uns escassos cinquenta metros quadrados que eu tenho o raro privilégio de cuidar no bairro de Telheiras, em Lisboa. Sem contar com as minhas plantas de estimação- uma bananeira que dá bananas, uma mangueira que dá mangas  e duas jovens anoneiras que ainda não deram nada  - aí cultivo uma dúzia de alhos, meio cento de cebolas, 6  ou 7 tomateiros, 4 feijoeiros, 3 meloeiros e algumas ervas aromáticas. No passado sábado, logo pela manhãzinha iniciei o meu trabalho.  Nesta altura do ano, a horta precisa de cuidados redobrados. É preciso regar, mondar e colher. Dispunha de umas escassas três horas para as minhas tarefas, pois a partir das dez horas o sol abrasador do verão já não consente trabalho a um cidadão urbano pouco habituado ao árduo trabalho do campo.

A primeira tarefa foi a colheita de tomates. A safra deste ano está a ser generosa. Alguns tomateiros vieram de S. Pedro, do alfobre da tia Alice, e são objeto de um carinho especial. São da variedade "coração de boi", grandes, carnudos e muito saborosos. Para fazer inveja aos meus amigos, aqui mostro a produção colhida neste sábado.



Em seguida, aproveitando a terra seca de um vaso,  decidi preparar uma nova  terra enriquecida misturando-a com com a terra preta do meu compostor. Eu guardo neste compostor os restos crus da cozinha e os que resultam do corte  da relva e das podas do jardim, depois de triturados num pequeno triturador. Ao fim de uns meses, a matéria orgânica vai-se decompondo e eu posso retirar da parte inferior do compostor uma argamassa preta que irá servir para incorporar na terra do jardim. Desta vez, misturei uma quantidade de composto - aí uns dez quilos - com a mesma quantidade de terra seca. Depois, usei esta terra enriquecida para tranvasar algumas plantas que estavam a precisar de ser mudadas para vasos maiores.

A terra que sobrou utilizei-a no meu germinador de alvéolos. Coloquei  uma semente de alfarrobeira em cada um dos 80 alvéolos. A alfarrobeira (Ceratonia Siliqua) é uma árvore mediterrânica muito abundante no Sul de Portugal, sobretudo no Algarve  As suas vagens ricas em açúcar, são comestíveis tanto por animais como por humanos, e quando moídas podem ser usadas para fazer pão. A farinha de alfarroba é usada como antidiarreico sobretudo em crianças. Das suas sementes extrai-se uma goma com propriedades especiais e que é utilizada para fabricar pastilhas elásticas.

As minhas sementes tinha-as recolhido com o meu amigo Rodrigo Queiroz em Troia, nas férias do  ano passado. Estou agora esperançado que uma boa percentagem delas germine. Mais tarde, hei-de transferi-las para vasos de enraizamento e, se tudo correr bem,  um dia verei alfarrobeiras a crescer no jardim da minha casa de praia.

Uma alfarrobeira do meu jardim com algumas semanas de germinação, já transvasada

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Turquia

Foi com alguma surpresa - e uma boa dose de preocupação à mistura - que, na sexta-feira passada, muita gente recebeu a notícia da tentativa de um golpe militar na Turquia. Para o cidadão comum - é o meu caso - não parecia previsível que tal pudesse acontecer num país da Nato, encostado à Europa, e candidato a entrar na União Europeia.

No final da Primeira Guerra Mundial, a Turquia foi construída sobre os escombros do derrotado Império Otomano. O seu primeiro Presidente foi Mustafa Kemal Ataturk, um jovem e dinâmico oficial do exército, que introduziu profundas reformas políticas, sociais, culturais e económicas – mudou, por decreto, a forma de vestir tradicional e a antiga escrita árabe - de modo a criar um país moderno inspirado nos padrões ocidentais. A Turquia atual é uma República parlamentar com uma população de mais de 75 milhões de pessoas (censo de 2012) que se distribuem por dois continentes. A capital é Ankara, situada na península da Anatólia, mas a principal cidade é Istambul que, com os seus 15 milhões de habitantes, é a maior cidade da Europa.

A Turquia tem uma grande importância geoestratégica. Os chamados estreitos turcos (Dardanelos, Mar da Mármara e Bósforo) controlam a entrada no Mar Negro, um importante mar interior onde está situada a península da Crimeia. A via marítima formada pelos estreitos constitui o único acesso da Rússia ao Mar Mediterrâneo. A Turquia ocupa uma posição charneira no Médio Oriente e faz fronteira com a Síria, com o Iraque e com o Irão. Além disso, é através deste país que flui muito do petróleo da Ásia Central, estando prevista a construção de novos e importantes oleodutos e gasodutos.

A Turquia faz parte da Nato e é um candidato a entrar na União Europeia, mas as discussões sobre este pedido arrastam-se há muitos anos, e aparentemente sem grandes progressos. Países como a França mantêm uma posição crítica em relação à entrada dos turcos na União e, de tempos a tempos, lembram o genocídio de arménios durante a primeira guerra mundial. Que os turcos nunca assumiram. A Turquia mantém, desde os tempos do Império Otomano, boas relações com a Rússia com que tem fortes relações económicas, e de onde provém uma boa parte do seu turismo. Estão em lados opostos no conflito Sírio - nomeadamente no apoio da Rússia a Bashar Al'Assad . Recentemente, parece estar a verificar-se uma reaproximação de posições – isto, apesar do insólito abate de um avião russo ocorrido há meses atrás na fronteira com a Síria.

O episódio do passado dia 14 de julho acontece, pois, num momento crítico e num local chave, e é essa a razão de ter assustado muita gente. Estão em causa eventuais consequências muito importantes que poderão afetar o equilíbrio na região: as relações com a Rússia e o futuro da cooperação entre os dois países nos domínios energético e militar; as relações com a União Europeia, a evolução do dossier integração e o futuro do acordo recentemente assinado sobre os refugiados; as relações com os Estados Unidos, a permanência na Nato e as facilidades militares cedidas aos americanos. Para não falar da delicada questão curda e do apoio - nunca admitido - que o Estado Islâmico tem encontrado na Turquia.

O presidente Erdogan emerge desta situação como o homem forte. Parece interessado em assumir uma posição não-alinhada, e querer repor um regime de concentração de poderes à semelhança dos sultões do antigo Império Otomano. Já se fala em reintroduzir a pena de morte, um claro sinal de retrocesso civilizacional. E tudo leva a crer que seja reforçado o condicionamento dos mídia, a ilegalização de partidos e a criminalização dos delitos de opinião. Aliás, as purgas a que estamos a assistir fazem lembrar o que aconteceu na Alemanha dos anos 30, na sequência do incêndio do Reichstag em Berlim, quando Hitler se aproveitou do caso para eliminar os seus inimigos internos. Viviam-se, nessa altura, tempos conturbados e muitos já veem nas prisões de milhares de juízes e soldados o ressuscitar de fantasmas que acreditávamos definitivamente enterrados.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Um País à Deriva

A palestra de encerramento do ciclo de conferências "Que Portugal queremos ser? Que Portugal vamos ter?", promovidas pelo Grémio Literário, pelo Clube Português de Imprensa e pelo Centro Nacional de Cultura, coube a Rui Ramos, historiador e comentador, que, no passado dia 28 de junho, optou por abordar o tema numa perspetiva histórica focalizada nos últimos duzentos anos.

A imagem que o orador nos deixou do Portugal daquele período foi a de um país que se esforçava permanentemente em importar e adaptar os padrões económicos, sociais e culturais vigentes na Europa Central, a qual vivia o surto de progresso da Revolução Industrial: uma constituição à semelhança da França; um regime parlamentar à semelhança da Inglaterra; a escola pública, a rede ferroviária, as ideias liberais, a difusão da imprensa, as comunicações, impulsionadas pelo telégrafo e pelo telefone e as tecnologias associadas à eletricidade, que se disseminavam um pouco por toda a parte. O século XIX - sobretudo a partir das lutas liberais - foi, no nosso país, o tempo dessa adaptação, marcada por uma luta entre a elite progressista dos inovadores e os saudosistas do antigo regime. A famosa Geração de 70 deixou-nos como referência a célebre conferência proferida por Antero de Quental sobre "As causas da decadência dos povos peninsulares" e a ironia fina da prosa de Eça de Queirós que tão bem retrata as duas correntes em confronto.

Os anos do pós-guerra, já no século passado, trouxeram à Europa uma nova e enorme transformação. A reconstrução iniciada com o plano Marshall e impulsionada pela energia fóssil – nomeadamente, pelo petróleo e pelo automóvel - conduzem a uma sociedade mais urbana, mais escolarizada, já com um sistema de apoio social. Surge, por essa altura, a ideia de uma Europa Unida, e o Portugal de Salazar, apesar do dilema colocado pela manutenção das colónias africanas, não tem outra solução senão a inovação e uma lenta aproximação à Europa. O instrumento encontrado para esse fim são os conhecidos Planos de Fomento com as suas reformas na administração, na educação, na saúde, nas grandes obras, na agricultura, na indústria e nas vias de comunicação. Em 1960, Portugal adere à EFTA, uma zona de comércio livre impulsionada pela Inglaterra. O então ministro Correia de Oliveira - que participou ativamente nas negociações para a adesão à EFTA - considerava que a Europa e a continuação da nossa presença em África eram desejáveis e compatíveis para Portugal.

Entretanto, a emigração para a Europa aumenta fortemente e, ela própria, é um contributo para a integração. Perante este surto de desenvolvimento e progresso – o País registou, nesse período, as taxas de crescimento do PIB mais elevadas da sua história - a oposição está dividida entre apoiar ou rejeitar a política económica da ditadura. O Partido Socialista, adepto de uma linha europeísta, funda-se em 1973 na Alemanha, apoiado por partidos europeus.

Após o 25 de Abril, na confusão do período do PREC, Portugal torna-se um país à deriva, sem saber se deve rumar para África, para a Europa ou para o Terceiro Mundo - na altura alinhado com a esfera soviética. Porém, rapidamente se tornou claro que só a opção Europa era compatível com a democracia. Em 1977, Portugal pede a adesão à CEE, e a concretização desse objetivo passa a ser o grande projeto nacional. Seguem-se grandes reformas estruturais que recuperam a ideia dos planos de fomento da ditadura – conduzidas ainda, nalguns casos, pelas mesmas pessoas que os tinham concebido como foi o caso, entre outros, do economista José da Silva Lopes. O período 1986-1992 foi um período de grande euforia que viu nascer um País novo. A comemoração do dia de Portugal, em 10 de junho, reflete, de alguma forma, os novos tempos. Antes evocativo do passado imperial, saudosista, passou a simbolizar o Portugal das comunidades, do sucesso das novas elites, da prosperidade, dos campeões.

Todavia, a crise que adveio nos anos mais recentes volta a colocar interrogações. Muitos já perguntam se o projeto Europeu ainda faz sentido? Para Rui Ramos, a resposta é, definitivamente, afirmativa: Portugal tem de ser a casa comum de todos os portugueses. Porém, para isso precisa de estabilidade e, agora, também da Europa, entendida esta não apenas como uma democracia formal, mas como um espaço que defenda e proteja a democracia. Esta Europa trouxe a paz ao continente europeu, e em tempo algum os seus povos viveram uma situação melhor!

Também eu estou convicto que não há portugalxit possível. Mas, fala-se e discute-se ainda como se houvesse. Os políticos digladiam-se ainda entre si, lutando pelo poder e pelas suas benesses como se fôssemos um país soberano. Na realidade teimamos em não querer discutir o Portugal que queremos ser. E isso mergulha-nos na angústia e ansiedade que suscitam a imprevisibilidade do Portugal que vamos ter.

Saio desta última conferência com a convicção de que Portugal está condenado a ser um país inconformado, hesitante, sem rumo e sem consensos. Como se tivéssemos de cumprir este fado de ser um país à deriva, recusando a praxis que nos oferecem. Como se fizesse parte dos nossos genes a crença sebastianista e saudosista de que Portugal só se cumprirá nas névoas do Quinto Império...

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Brexit

O Brexit acontece em contracorrente com a lógica da evolução natural da economia e do progresso civilizacional. A economia exige mais globalização, porém, o Brexit vai no caminho oposto. O mundo exige mais integração e mais diálogo; com o Brexit um país isola-se e fecha-se aos outros. O mundo apela ao fim das fronteiras; o sentido do Brexit orienta-se para o reerguer de muros e para a colocação de barreiras. A transição, necessária para um futuro de prosperidade, exige mais igualdade e mais solidariedade. O Brexit foi uma escolha egoísta dos mais favorecidos para proteger as suas regalias e direitos em detrimento dos mais desfavorecidos. Quando tudo isto é feito em nome da democracia e do sagrado direito dos povos a escolher o seu destino, nós perguntamos se a democracia pode ser usada em todas as circunstâncias? E até se, em situações como esta, não servirão para a enfraquecer?

A laboriosa e lenta construção da Europa foi iniciada há 70 anos sobre os escombros da devastação produzida na Segunda Guerra Mundial. A Holanda, a Bélgica, a França, o Reino Unido tinham perdido, ou estavam em vias de perder, as suas colónias na Oceânia, na Ásia e em África. O acentuar da sua dependência energética era previsível, visto que escasseavam na Europa os combustíveis fósseis, nomeadamente o carvão e o petróleo (pois ainda não se tinham descoberto as jazidas do Mar do Norte). A guerra tinha produzido duas novas super potências: os Estados Unidos e a União Soviética. Qualquer delas com um poderio militar e económico muito superior ao do conjunto dos países europeus. A linha que as separava - "uma cortina de ferro que se estendia desde Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático (discurso de Churchill, 1946) "- dividia a Europa ao meio. Em 1949, os norte-americanos lançaram o Plano Marshall que permitiu aos europeus uma rápida recuperação das suas economias para os níveis anteriores ao conflito. No dia 9 de maio de 1950, cinco anos após a rendição do regime nazi, Robert Schuman lançou um apelo à Alemanha Ocidental e aos países europeus para que instituíssem uma única autoridade comum para administração das respectivas produções de aço e carvão. Assim nasceu a CECA, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, assinada por seis países: França, Alemanha, Itália e os três países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).

O impulso mais importante tem lugar em 1957 com a assinatura do Tratado de Roma. Os países constituintes da Europa dos Seis decidem avançar na cooperação nos domínios económico, social e político. Os acordos tinham como objetivo implantar um mercado comum, que permitisse a livre circulação de pessoas, bens e capitais. A Comunidade Económica Europeia (CEE) foi a entidade internacional instituída por este tratado, de tipo supranacional e dotada de capacidade autónoma de financiamento.

Para muitos dos países que - como é o caso de Portugal – hoje integram a União Europeia, a adesão à Europa e ao Euro significou a promessa de um futuro de paz com uma prosperidade sem fim. Mas, agora, esse futuro apresenta-se incerto e perigoso. A recessão, que nos anos recentes se abateu sobre a economia mundial, está a produzir insegurança no emprego, nas reformas e a fragilidade do sector financeiro; a austeridade e as migrações agravaram o descontentamento de muitas pessoas, sobretudo da classe média. Para muitas delas, o capitalismo e a Europa que o representa são o bode expiatório. Os indignados, que fazem crescer, por toda a parte, partidos de um novo tipo, não são os filhos da classe operária, mas são os filhos dos revolucionários do maio de 68 que prosperaram no capitalismo. E ainda não perceberam que, sem uma Europa coesa e forte, o futuro que os espera só pode ser pior.

Um dia, algum iluminado quererá referendar o fim da miséria, do sofrimento e, quiçá, até da Morte. O sim, como resposta a estes anseios ancestrais, até pode vencer. Mas, não será por isso que entraremos no Paraíso ou alcançaremos a Vida Eterna.