segunda-feira, 4 de julho de 2016

Brexit

O Brexit acontece em contracorrente com a lógica da evolução natural da economia e do progresso civilizacional. A economia exige mais globalização, porém, o Brexit vai no caminho oposto. O mundo exige mais integração e mais diálogo; com o Brexit um país isola-se e fecha-se aos outros. O mundo apela ao fim das fronteiras; o sentido do Brexit orienta-se para o reerguer de muros e para a colocação de barreiras. A transição, necessária para um futuro de prosperidade, exige mais igualdade e mais solidariedade. O Brexit foi uma escolha egoísta dos mais favorecidos para proteger as suas regalias e direitos em detrimento dos mais desfavorecidos. Quando tudo isto é feito em nome da democracia e do sagrado direito dos povos a escolher o seu destino, nós perguntamos se a democracia pode ser usada em todas as circunstâncias? E até se, em situações como esta, não servirão para a enfraquecer?

A laboriosa e lenta construção da Europa foi iniciada há 70 anos sobre os escombros da devastação produzida na Segunda Guerra Mundial. A Holanda, a Bélgica, a França, o Reino Unido tinham perdido, ou estavam em vias de perder, as suas colónias na Oceânia, na Ásia e em África. O acentuar da sua dependência energética era previsível, visto que escasseavam na Europa os combustíveis fósseis, nomeadamente o carvão e o petróleo (pois ainda não se tinham descoberto as jazidas do Mar do Norte). A guerra tinha produzido duas novas super potências: os Estados Unidos e a União Soviética. Qualquer delas com um poderio militar e económico muito superior ao do conjunto dos países europeus. A linha que as separava - "uma cortina de ferro que se estendia desde Stettin, no Báltico, até Trieste, no Adriático (discurso de Churchill, 1946) "- dividia a Europa ao meio. Em 1949, os norte-americanos lançaram o Plano Marshall que permitiu aos europeus uma rápida recuperação das suas economias para os níveis anteriores ao conflito. No dia 9 de maio de 1950, cinco anos após a rendição do regime nazi, Robert Schuman lançou um apelo à Alemanha Ocidental e aos países europeus para que instituíssem uma única autoridade comum para administração das respectivas produções de aço e carvão. Assim nasceu a CECA, Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, assinada por seis países: França, Alemanha, Itália e os três países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).

O impulso mais importante tem lugar em 1957 com a assinatura do Tratado de Roma. Os países constituintes da Europa dos Seis decidem avançar na cooperação nos domínios económico, social e político. Os acordos tinham como objetivo implantar um mercado comum, que permitisse a livre circulação de pessoas, bens e capitais. A Comunidade Económica Europeia (CEE) foi a entidade internacional instituída por este tratado, de tipo supranacional e dotada de capacidade autónoma de financiamento.

Para muitos dos países que - como é o caso de Portugal – hoje integram a União Europeia, a adesão à Europa e ao Euro significou a promessa de um futuro de paz com uma prosperidade sem fim. Mas, agora, esse futuro apresenta-se incerto e perigoso. A recessão, que nos anos recentes se abateu sobre a economia mundial, está a produzir insegurança no emprego, nas reformas e a fragilidade do sector financeiro; a austeridade e as migrações agravaram o descontentamento de muitas pessoas, sobretudo da classe média. Para muitas delas, o capitalismo e a Europa que o representa são o bode expiatório. Os indignados, que fazem crescer, por toda a parte, partidos de um novo tipo, não são os filhos da classe operária, mas são os filhos dos revolucionários do maio de 68 que prosperaram no capitalismo. E ainda não perceberam que, sem uma Europa coesa e forte, o futuro que os espera só pode ser pior.

Um dia, algum iluminado quererá referendar o fim da miséria, do sofrimento e, quiçá, até da Morte. O sim, como resposta a estes anseios ancestrais, até pode vencer. Mas, não será por isso que entraremos no Paraíso ou alcançaremos a Vida Eterna.


4 comentários:

  1. Amigo Luís
    De acordo, na essência. Salvo circunstâncias específicas, concretas e muito bem definidas, não sou adepto de referendos, essas bandeiras no ar nas mãos de demagogos confusos.
    Mas há no texto um calcanhar de Aquiles, no que respeita à globalização da economia. Esse corcel sem freio a correr à desfilada, sem cabresto. Aí há diferenças, nuances de visões, que eu não sei nem posso discutir.
    Mas é sempre positivo e útil ler-te.

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    1. Eu entendo a tua reserva no que à globalização diz respeito. Eu digo que a economia a exige, e isso à verdade. E como os ingleses não propõem uma economia alternativa, eu concluo que estão em contracorrente...
      Ora, isto não significa que eu defenda a globalização!

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  2. Caro,
    Segundo o seu pensamento de que o mundo apela ao fim das fronteiras nunca teria havido descolonização.
    E o problema do "brexit", no meu entender, é o facto de a actual UE bruxeleense ter enveredado pelo caminho da colonização tratando os países mais fracos como departamentos coloniais.
    Os ingleses velhos senhores imperiais do seu nariz jamais aceitarão qualquer tipo, declarado ou encapotado, de submissão à Alemanha.
    Já tiveram duas experiências bem dolorosamente vivas para se deixarem levar.
    Nem mesmo sob uma perspectiva portuguesa a venda de soberania para ser escravo não faz sentido quanto mais tratando-se da Inglaterra apoiada pelo seu fiel amigo americano.

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