segunda-feira, 18 de julho de 2016

Turquia

Foi com alguma surpresa - e uma boa dose de preocupação à mistura - que, na sexta-feira passada, muita gente recebeu a notícia da tentativa de um golpe militar na Turquia. Para o cidadão comum - é o meu caso - não parecia previsível que tal pudesse acontecer num país da Nato, encostado à Europa, e candidato a entrar na União Europeia.

No final da Primeira Guerra Mundial, a Turquia foi construída sobre os escombros do derrotado Império Otomano. O seu primeiro Presidente foi Mustafa Kemal Ataturk, um jovem e dinâmico oficial do exército, que introduziu profundas reformas políticas, sociais, culturais e económicas – mudou, por decreto, a forma de vestir tradicional e a antiga escrita árabe - de modo a criar um país moderno inspirado nos padrões ocidentais. A Turquia atual é uma República parlamentar com uma população de mais de 75 milhões de pessoas (censo de 2012) que se distribuem por dois continentes. A capital é Ankara, situada na península da Anatólia, mas a principal cidade é Istambul que, com os seus 15 milhões de habitantes, é a maior cidade da Europa.

A Turquia tem uma grande importância geoestratégica. Os chamados estreitos turcos (Dardanelos, Mar da Mármara e Bósforo) controlam a entrada no Mar Negro, um importante mar interior onde está situada a península da Crimeia. A via marítima formada pelos estreitos constitui o único acesso da Rússia ao Mar Mediterrâneo. A Turquia ocupa uma posição charneira no Médio Oriente e faz fronteira com a Síria, com o Iraque e com o Irão. Além disso, é através deste país que flui muito do petróleo da Ásia Central, estando prevista a construção de novos e importantes oleodutos e gasodutos.

A Turquia faz parte da Nato e é um candidato a entrar na União Europeia, mas as discussões sobre este pedido arrastam-se há muitos anos, e aparentemente sem grandes progressos. Países como a França mantêm uma posição crítica em relação à entrada dos turcos na União e, de tempos a tempos, lembram o genocídio de arménios durante a primeira guerra mundial. Que os turcos nunca assumiram. A Turquia mantém, desde os tempos do Império Otomano, boas relações com a Rússia com que tem fortes relações económicas, e de onde provém uma boa parte do seu turismo. Estão em lados opostos no conflito Sírio - nomeadamente no apoio da Rússia a Bashar Al'Assad . Recentemente, parece estar a verificar-se uma reaproximação de posições – isto, apesar do insólito abate de um avião russo ocorrido há meses atrás na fronteira com a Síria.

O episódio do passado dia 14 de julho acontece, pois, num momento crítico e num local chave, e é essa a razão de ter assustado muita gente. Estão em causa eventuais consequências muito importantes que poderão afetar o equilíbrio na região: as relações com a Rússia e o futuro da cooperação entre os dois países nos domínios energético e militar; as relações com a União Europeia, a evolução do dossier integração e o futuro do acordo recentemente assinado sobre os refugiados; as relações com os Estados Unidos, a permanência na Nato e as facilidades militares cedidas aos americanos. Para não falar da delicada questão curda e do apoio - nunca admitido - que o Estado Islâmico tem encontrado na Turquia.

O presidente Erdogan emerge desta situação como o homem forte. Parece interessado em assumir uma posição não-alinhada, e querer repor um regime de concentração de poderes à semelhança dos sultões do antigo Império Otomano. Já se fala em reintroduzir a pena de morte, um claro sinal de retrocesso civilizacional. E tudo leva a crer que seja reforçado o condicionamento dos mídia, a ilegalização de partidos e a criminalização dos delitos de opinião. Aliás, as purgas a que estamos a assistir fazem lembrar o que aconteceu na Alemanha dos anos 30, na sequência do incêndio do Reichstag em Berlim, quando Hitler se aproveitou do caso para eliminar os seus inimigos internos. Viviam-se, nessa altura, tempos conturbados e muitos já veem nas prisões de milhares de juízes e soldados o ressuscitar de fantasmas que acreditávamos definitivamente enterrados.

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