quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Férias

Nesta época estival muda-se de poiso, alteram-se rotinas, liberta-se o corpo para o sol e para o ar livre; a alma para o sonho e para a imaginação. As pessoas procuram o mar, como se regrassem às origens mais remotas da espécie, quando os primeiros anfíbios saiam da água e começavam a aventurar-se nas praias. Nesta estação, tal como os catos do deserto que florescem por um único dia, as aldeias do interior, com as casas cheias de emigrantes, ganham uma vida efémera.

Mas, nem sempre foi assim. Em S. Pedro do Rio Seco, na minha infância, o verão de julho e de agosto era o tempo das palhas. Em junho segava-se o trigo e o centeio, que se ajuntava em rolheiros nas tapadas; depois, acarranjava-se para os enxidos ou para as eiras da Queijata e de Carcidade onde era colocado nas medas circulares com as espigas dos molhos viradas para o interior. Rezava-se, para que não chovesse nem trovejasse, e temiam-se os incêndios, o pior de tudo, uma calamidade. Ainda estava na memória das gentes um deles, pavoroso, em que os sinos tocaram longamente a rebate e o povo todo se irmanou - baldeando a escassa água dos poços - na tentativa inglória de o debelar. Lembro-me ainda de ver malhar o centeio, à mão, com os manguais, processo que a malhadeira do Ti Farias viria substituir. O trigo ainda se continuou a trilhar nas parvas redondas do enxido pequeno, com os trilhos de madeira puxados por juntas de vacas ou de machos. Só mais tarde, a trilhadeira mecânica do Ti Farias viria também a acabar definitivamente com o processo.

Em setembro, amenizava o calor e as tarefas tornavam-se mais aprazíveis: arrancavam-se as batatas e vivia-se a fartura do pomar e da horta. As uvas já pintavam, comia-se o melão da Feira Nova e a melancia da Santa Eufemia. E já se pensava em começar a preparar a terra para as sementeiras do ano seguinte. Os parentes das cidades vinham nesse mês e davam um ambiente mais cosmopolita à aldeia; vinha o doutor juiz com as filhas que passeavam no cavalo que a Ti Adelaide Raimunda lhes tratava durante o ano; chegavam os filhos do capitão Faria, esbeltos e bons jogadores de futebol. E até algumas personalidades estranhas como a D. Florinda, que trazia dois pequenos cães a quem tratava como se fossem família. E claro, havia a ansiada Festa Grande com os bailes à música do acordeão, onde se experimentava - com a condescendente tolerância dos mais velhos -, o doce enlace de corpos adolescentes, ávidos de transbordar as delícias da libido e do amor...

Tudo muda, como escreveu Camões, o tempo é feito de mudança. Sinto que no nosso tempo as coisas mudam muito e demasiado depressa. Como nada é previsível, as pessoas parece que já nem arriscam fazer planos. Deste modo, muito do saber dos mais velhos parece obsoleto aos olhos dos mais jovens, que, perigosamente, começam a acreditar demasiado no mundo virtual.