segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Europa: o Encanto e o Desencanto

Na semana passada, ao falar no Grémio Literário, na abertura da nova temporada das conferências que esta Associação promove em parceria com o Centro Nacional de Cultura e o Clube Português de Imprensa, Freitas do Amaral, logo a abrir a sua intervenção, e referindo-se ao seu longo percurso como líder partidário e governante, considerou ter valido a pena o combate político travado nos anos que se seguiram ao 25 de Abril. Nessa altura, e segundo ele, foi a luta travada na rua que enraizou os quatro grandes partidos da cena política portuguesa, o que não se verificou noutros países, como foi, nomeadamente, o caso da vizinha Espanha.

Mas o tema da palestra era a Europa- "Que Portugal na Europa, que futuro para a União?", e o professor, de imediato, centrou-se nele. O projeto europeu nascido em 1958, com a assinatura do Tratado de Roma, foi, na sua opinião, um dos mais brilhantes e bem sucedidos da história das nações: uma construção pacífica e voluntária, inspirada na ideia alemã da economia social de mercado. Ao longo dos quase sessenta anos da sua existência, a Europa, assim construída, foi fazendo o seu caminho como união politica, económica e monetária. Falando a uma só voz, cedo se impôs na cena internacional, ao intervir nos conflitos como um elemento moderador na procura de construir pontes e consensos. Para Portugal, depois de encerrado o ciclo africano, a adesão à Europa era o seu destino natural. Por um lado, era a garantia de democracia e, por outro, a promessa de apoio ao desenvolvimento de que tanto precisávamos. Durante 25 anos tudo correu bem. Foi um período brilhante: Portugal encurtou em 50% a distância que o separava da Europa...

No entanto, esse sucesso foi interrompido com a grande crise de 2008 nascida na América. Uma crise que em amplitude terá superado a crise económica dos anos trinta do século passado. Mencionou as hesitações iniciais nos primeiros meses da crise, em que a política económica da Europa começou por ser expansionista, do tipo keynesiano, mas que rapidamente foi invertida para a austeridade imposta pela Alemanha - mal, acha ele -, argumentando que os Estados Unidos mantiveram essa política e cresceram, ao invés da Europa que, em contrapartida, tem tido nos últimos anos um crescimento anémico. Referiu-se ainda à cegueira ideológica dos governantes, ao acrescentar que a Europa não percebeu o problema: primeiro, da Grécia, e depois de Portugal e da Irlanda, e que não soube encontrar a resposta adequada para o drama dos refugiados. A este propósito, disse que ninguém cumpre o sistema de quotas, dando como exemplo o caso aberrante da Dinamarca, cujo parlamento aprovou por unanimidade uma lei que confisca os bens dos refugiados à entrada no país!

Nós fizemos o nosso ajustamento e isso teve custos elevados. Considera que se foi longe de mais na subserviência e que, atualmente, vivemos num "colete de gesso". Referiu-se ainda à ameaça de sanções com base num tratado - o Tratado Orçamental - que, na opinião dele, não tem valor jurídico, já que não foi aprovado por todos os países da União e não constitui, por isso, uma peça do direito comunitário.

A Europa, agora, está numa encruzilhada: ou resolve os seus problemas e responde aos desafios que tem pela frente ou desagrega-se. Os problemas colocam-se no curto prazo e são muitos os desafios: a resposta ao brexit que tem de ser bem negociada, não podendo ser um divórcio litigioso; a necessidade de uma nova política económica, pois é preciso alguém, da dimensão de um Charles de Gaulle, capaz de dar um rumo na mesa; a necessidade de fazer renascer o princípio da solidariedade - os países mais ricos têm de investir e apoiar os países mais pobres. Advoga a urgência de uma visão de longo prazo e da definição de uma estratégia a nível mundial, referindo, como exemplo, uma eventual parceria com a Rússia. A este respeito, considera que o Ocidente agiu mal no caso da Crimeia, que sempre pertenceu à Rússia, e tem para este país um valor estratégico e militar que não lhe deixava alternativa. No entanto, Freitas do Amaral não prevê grandes alterações na Europa nos próximos dois anos, ou seja, antes das eleições na Alemanha e na França, e que podem trazer novos atores e nova política à sua governação.

Nestas condições, o que pode fazer Portugal? Nós temos os nossos problemas e de olhar para eles: prestar uma redobrada atenção ao frágil sistema bancário, reduzir a dívida e a despesa pública, cujo crescimento está, desde há muito, desajustado do crescimento do PIB. Deveríamos baixar o IRC às empresas para captar mais investimento estrangeiro. Sobretudo, urge trazer bom investimento da Europa para Portugal - explica que três ou quatro "Auto-Europas" resolveriam os nossos problemas. E porque não, pôr os nossos ex-governantes a trabalhar para isso? Temos de pensar Portugal com uma certa grandeza; definir uma estratégia que não temos. O mundo está à nossa espera, mas precisamos de iniciativa... A terminar a sua intervenção, Freitas do Amaral citou de Gaulle. "A guerra é um pesadelo e a Europa é um sonho de sábios". Mas reconheceu que o futuro não está escrito em parte nenhuma.

Mais de que um político ou um economista foi um jurista, preocupado com questões sociais, que veio falar ao Grémio. Como ali lembrou alguém, um homem que participou como espectador e ator privilegiado da história recente de Portugal. Saí do Grémio com a angústia da incerteza que paira sobre o futuro da nossa casa comum. Com dúvidas sobre a possibilidade do aparecimento de um homem providencial que - mesmo com murro na mesa – reconduza o barco para a rota desejada. Foi Charles de Gaulle que disse "todas as doutrinas, todas as escolas e todas as revoltas só têm um tempo". A Europa, como conceito ou doutrina, se preferirem, teve o seu tempo de encanto e vive agora o seu tempo de desencanto. Regressar ao encanto é o que todos desejamos. Mas, num contexto internacional tão complexo - nos planos político, económico, social e até climatérico! -, isso não dependerá apenas dos homens que governam e decidem na Europa.

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