quarta-feira, 3 de maio de 2017

Os Lobos de Rio de Onor

Foram os lobos que me levaram a Rio de Onor. Eu explico: há uns anos atrás, a Sara e o Duarte, dois jovens biólogos fixaram-se em S. Pedro do Rio Seco, a minha aldeia, para estudar o Lobo Ibérico (canis lupus signatus)  no âmbito de um projeto do Grupo Lobo (Associação para a proteção do lobo) que envolvia outras regiões do país. Vinham para uma estadia de curta duração trazidos pelo facto de terem ali aparecido sinais da presença do animal depois de um longo período em que se julgou extinto na região. Na altura, eu estava envolvido na criação a Associação Rio Vivo e depois de ter percebido o interesse dos jovens biólogos em ficar mais algum tempo na aldeia, decidi, através da Fundação Vox Populi, apoiar por mais um ano o seu trabalho. A Sara e o Duarte já abandonaram o concelho de Almeida, e vivem e trabalham hoje em Rio de Onor, onde se dedicam ao estudo e divulgação da fauna local. Foi o convite deles para visitar a aldeia e conhecer o seu trabalho que me levou a Rio de Onor.

No passado mês de Abril, eu e a minha mulher, aproveitando uma deslocação a uma escola de Caminha, viajámos para Rio de Onor, indo por terras da Galiza pela autoestrada espanhola A52 que liga Vigo a Madrid passando por Ourense e Puebla de Sanábria. Nesta última localidade, desviámos por uma estrada de montanha para seguir para o nosso destino. Esperavam-nos a Sara e o Duarte que nos mostraram a pequena aldeia e nos levaram ao único bar/restaurante onde nos esperava um almoço vegetariano de salada e tortilha espanhola servido pela dona do restaurante chamada Maria Preto. Ficámos a saber que em Rio de Onor são todos Pretos ou Prietos conforme o lado da fronteira onde nasceram. Conhecemos a filha de Maria, a bela Sílvia, que estudou em Zamora mas vive agora em Portugal e que - dizem-nos- é uma séria candidata a miss Bragança.

No programa da visita constava um safari para conhecer o terreno envolvente, e tentar avistar alguns animais no seu habitat natural. Nos anos 70, veados e o corços foram introduzidos na vizinha Serra da Culebra em Espanha. Com os terrenos incultos, sem a pressão demográfica dos humanos, os animais espalharam-se pelas áreas adjacentes. As condições proporcionadas pelo terreno com a suas linhas de água, com a vegetação arbustiva e com as pastagens nos coutos ou lameiros permitiram que esses ungulados tivessem proliferado e sejam, hoje, abundantes. Depois dos veados apareceram os javalis. E, finalmente, os lobos. Que são animais furtivos que não tivemos a sorte de ver. Mas vimos as suas pegadas e os seus excrementos. E, com a ajuda dos binóculos e da  perspicácia do Duarte, vimos antílopes, corços e raposas.

Durante séculos, os habitantes de Rio de Onor, forçados pelo isolamento  - esta aldeia, situada no extremo nordeste de Portugal, dista  22 quilómetros de Bragança e 15 quilómetros da localidade espanhola de Puebla de Sanábria -, adoptaram um modo de vida comunitário. Existia um conselho de vizinhos que geria os recursos comuns. Os parcos terrenos agrícolas colados à povoação - a faceira - eram de todos  e não eram de ninguém. Partilhavam-se os fornos comunitários e os rebanhos. Foi o etnólogo Jorge Dias que em meados do século passado estudou  e deu a conhecer, num trabalho publicado em 1953 - "Rio de Onor, comunitarismo agro pastoril" -, a forma de vida comunitária desta curiosa localidade repartida entre dois países.

Há 50 ou 60 anos viveriam aqui mais de 400 pessoas e ainda perduravam os ancestrais costumes. Hoje, Rio de Onor é mais uma aldeia transmontana desertificada de gente, não terá mais de 60 habitantes repartidos entre o povo de cima (espanhol ) e o povo de baixo (português). O comunitarismo perdeu-se para sempre. Rio de Onor deixou de ser uma aldeia isolada, e já faz parte da aldeia global. O automóvel reduziu as distâncias. Os mais velhos estão a desaparecer... e os mais novos já se integram noutras comunidades como o facebook ou o whatsap. As típicas casas tradicionais de Rio de Onor - construídas em xisto e cobertas de lousa - estão a ser reconstruidas. Mas já não se destinam a albergar os vizinhos. Agora destinam-se a fins turísticos, servem para casas de férias ou para fins de semana.

Rio de Onor é uma pequena amostra do hinterland que de um lado e do outro acompanha a raia entre Portugal e a Espanha. É uma zona onde escasseia a gente e são sombrias as perspetivas para os mais jovens.  Olho para este novo ciclo de renovação, possível pela mobilidade do automóvel e pelas estradas e alimentado pelos subsídios, e não lhe vejo sustentabilidade. O maior património de Rio de Onor consistirá na preservação da história de um modo de vida comunitário que poderá servir de exemplo para tempos futuros.

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