“Portugal e o futuro” é o título de um livro que o General António de Spínola escreveu e publicou pouco tempo antes do 25 de Abril, o qual, acreditam alguns, muito terá contribuído para motivar os capitães de Abril a avançar para Revolução dos Cravos. Eu li o livro, já não tenho muito presentes as teses que defendia, mas acredito que, nos dias de hoje, o "futuro" de que falava Spínola já é "passado" e que temos de reequacionar o problema, e falar de “outro” futuro. Do nosso futuro, mas, sobretudo, do futuro dos nossos filhos e dos nossos netos.
“Portugal são os portugueses do passado, os portugueses de hoje e os portugueses que hão-de vir” , disse há tempos, na TV, Ernâni Lopes. Ora os nossos governantes, os políticos, as elites falam muito dos portugueses de hoje, e a história fala-nos abundantemente dos do antigamente, mas poucos são os que se preocupam com os que hão-de vir. E, na minha modesta opinião, deveriam preocupar-se mais, porque as nuvens adensam-se no horizonte, e o melhor é ir pensando em preparar o barco para a procela que, com toda a certeza, nos vai surgir pela frente.
Olhando para o Portugal de hoje vemos um país europeu que a globalização uniformizou, no que respeita aos padrões de vida e de consumo, pelo modelo do “ocidente”, e que em tudo se assemelha à forma como se vive em qualquer um dos países, ditos desenvolvidos. Claro que o futuro de Portugal, país da união europeia, vai estar ligado ao futuro da Europa; na verdade ele estará ligado ao futuro do Mundo, um mundo que por ser global está condenado a ter um destino comum.
Portugal consome muito mais do que aquilo que produz, e isolado ou entregue a si próprio, Portugal é, nos dias de hoje, um país inviável. Criaram-se dependências, hábitos de consumo, vícios de ricos, que lhe retiram qualquer possibilidade de vida autónoma. O estado social adormeceu-nos, aboliu o velho conceito da “luta pela vida”, relaxou o empenho em superar e alcançar, debilitou o engenho, criou o desalento. Tanto a nossa dependência alimentar como a nossa dependência energética (as fontes primárias da riqueza real) são ambas da ordem dos 75%. Nestas condições, este país só pode sobreviver com a ajuda externa, e um país que vive de esmolas não pode aspirar a ser independente, nem a ter voz nos aerópagos das nações.
Abandonou-se a agricultura, abateram-se os barcos de pesca, desincentivou-se a indústria. O turismo e a construção civil, as apostas das décadas douradas que se seguiram à integração europeia, e que foram a causa do nosso modesto crescimento, já estão ou vão entrar numa crise profunda, cujo fim não está a vista. São sectores fortemente geradores de emprego, e o seu estado depressivo vai agravar ainda mais a penosa situação económica e social em que vivemos.
O problema demográfico é outro dos nossos graves problemas. A perigosa inversão da pirâmide etária provocada por uma elevada taxa de envelhecimento da população, e consequente diminuição da população activa, irá agravar o problema da dependência externa. A reduzida taxa de natalidade das populações naturais, aliada a uma maior taxa de natalidade dos imigrantes, sobretudo dos africanos, irá gradualmente alterar a base genética da população residente. Dentro de 3 ou quatro gerações Portugal, na sua composição étnica, será muito semelhante ao Brasil de hoje. E, a manterem-se a actuais taxas de fertilidade, antes do final do século, a população com ascendência africana poderá superar a população com ascendência europeia.
Ora um país que não se basta a si próprio e que não cuide do seu futuro, perde a sua identidade, os cidadãos perdem o orgulho da pertença colectiva, deixa de ter valor o sentido de pátria. Os símbolos da nacionalidade – o hino, a bandeira - perdem gradualmente o seu significado, e o velho ideal do “sacrifício pela pátria”, adquire, nos nossos dias, um sentido quase de anedota.
Mas este é ainda o meu país, apetece-me citar o grande Poeta: "esta é a ditosa pátria minha amada”. Os portugueses que hão-de vir merecem que lhe deixemos uma pátria como herança. Urge, pois, cuidar o futuro, e defender e preservar os valores eternos de Portugal.
New York Not Close to Exiting Lockdown
Há 4 anos
Gostei bastante do início do seu texto- é um alerta importante nos dias de hoje o chamar a atenção para a mudança inevitável dos paradigmas económicos, energéticos e demográficos.
ResponderEliminarNão consigo é associar os 3 últimos parágrafos ao restante conteúdo. Uma vez que a um país como o Brasil (e aos restantes BRICs) não faltará muito para ter capacidade para nos comprarem 2 vezes julgo que a comparação até acaba por subverter o sentido do texto.
Cumprimentos e parabéns pelo trabalho na divulgação da nossa dependência do crude.
Nuno Oliveira
Estimado Luís Queirós,
ResponderEliminarTemos que ter em atenção às mudanças sociais e até dos movimentos da era moderna de Portugal. O futuro constrói-se com diálogo, orçamentos participativos, construção de ideias locais, pensando global. A globalização (desde que se retire os contornos da "guerra quente" e hipercapitalista) é pródiga em exemplos de comunidades e até cidades que encontraram rumos para a sustentabilidade. O passado é importante quando se pretende prevenir/remediar/mitigar situações do presente.
Um abraço
João Soares,biólogo e editor do blogue Bioterra
E no entanto, Nuno, os últimos parágrafos estão perfeitamente integrados no restante conteúdo.
ResponderEliminarO que neles se afirma é que, mesmo na questão demográfica, se espelha a fragilidade e a dependência portuguesa. Já que Portugal depende do exterior mesmo para contrariar o envelhecimento da sua população.
"DEntro de 3 ou 4 gerações, Portugal, na sua composição étnica, será muito semelhante ao Brasil de hoje".
Para o autor do texto, esse caldeirão étnico é visto como mais um sinal da decadência portuguesa, opinião que eu partilho.
Já o Nuno me parece ver nisso uma vantagem, uma vez que afirma que "a um país como o Brasil não faltará muito para ter capacidade para nos comprarem duas vezes".
Crê realmente que isso resulta do caldeirão étnico brasileiro?
Crê que a dissolução étnica nacional salvaguarda o nosso país?
@Jorge Carvalheira
ResponderEliminar"Crê que a dissolução étnica nacional salvaguarda o nosso país?"
Que "dissolução étnica"? Aquela que veio do povo castrejo para a ocupação romana, aquela que veio com visigodos e vândalos, ou a seguinte com muçulmanos e judeus, ou então as sucessivas vagas de normandos (incluindo as origens da primeira dinastia) e ingleses? Sendo estas só algumas das "dissoluções" que precederam a nossa fundação e que também fizeram aquilo que somos hoje, qual é exactamente o significado de "dissolução étnica" quando somos "dissolutos" por definição??
Quem conhece a riqueza e diversidade da herança cultural do nosso pequeno país e sabe que história e cultura são orgânicas e fluídas e não cristalizações abstractas sabe que para além da ser inevitável, as mudança traz sempre a promessa de progresso e os audaciosos que não quiseram afunilar-se na estagnação são frequentemente recompensados.
É estranho para mim ver hoje em dia os mesmos portugueses que são herdeiros de um país de milhões de emigrantes por todo o mundo e que antes disso souberam tornar-se a primeira potência verdadeiramente global a responsabilizar alguns milhares de pessoas que partilham o nosso lar pela nossa eventual ruína. Por toda a literatura, as multidões de linchamento formam-se sempre em torno do "forasteiro" por conveniência e o final é sempre trágico.
Fazíamos bem em reflectir sobre os desafios reais que nos enfrentam no emprego, na energia, na agricultura antes de começarmos a pensar naqueles que são imaginários...
Talvez V/ tenha razão, Nuno! Mas não estou certo disso. Em todo o caso, obrigado pela achega!
ResponderEliminar