segunda-feira, 2 de julho de 2018

Rio Vivo

Foi com um sentimento de tristeza, mitigado pela satisfação do cumprimento de um dever, que, no passado dia 16 de junho, pelas 15 horas, me reuni com um pequeno grupo de dez pessoas, na Casa do Quartel, em S. Pedro do Rio Seco, para oficializar o fim da Associação Rio Vivo. Quando, no verão de 2009, no lagar do Ti Norberto, os seis fundadores - eu, a Paula, o Manuel Alcino, o António André, o Amândio Caldeira e o Jorge Carvalheira-, assinaram uma bela e bem intencionada carta de princípios, fizeram-no movidos pelo impulso de quem não aceita ver morrer aquilo que se ama. 

Durante a curta vida da associação muita coisa se fez. Recuperou-se o edifício da sede no antigo quartel da Guarda Fiscal, cedido pela Junta de Freguesia, vieram dezenas de jovens animar a aldeia, tentou-se introduzir uma nova forma de cultivar a terra, criou-se um mercado de produtos locais, espalhou-se arte pelas ruas, dançou-se na igreja, fizeram-se cursos e workshops na velha escola, tocou-se concertina em alegres arruadas de adega em adega. No verão de 2011, recebemos gente importante para homenagear o nosso conterrâneo, professor Eduardo Lourenço, e oferecemos à aldeia um singelo monumento evocativo do evento. Fizeram-se projetos e tentativas de recuperar ruínas. E, animados pelo espírito romântico e ecologista do Amândio Caldeira, até tentámos reintroduzir o mexilhão de água doce na Ribeira de Toirões. Com o nascimento do filho da Caetana e do Zé Lambuça, o Zacarias, assistimos, em terras de gente envelhecida, ao improvável milagre da renovação da vida.

Eu e a minha família investimos neste projeto tempo, algum dinheiro e muita energia. Pessoalmente, não me arrependo de nada, e até lamento não ter podido ir ainda mais longe. Apesar de saber, hoje, que tudo não passou de uma ilusão. Quando faltam as pessoas unidas por interesses comuns, esgota-se a razão de ser das associações pois elas são feitas de pessoas e para as pessoas. Em S. Pedro começam a escassear as duas coisas: há cada vez menos pessoas e não um existe um objetivo que as agregue para a construção do futuro.

Com o desaparecimento da Associação Rio Vivo, é também uma parte de S. Pedro que desaparece. A lição que me fica desta experiência é que pouco se pode fazer para contrariar o progresso e o determinismo das mudanças que afetam sociedades e civilizações. Sei, agora, que nada voltará a ser com era antes. Não haverá mais garotos descalços a correr as ruas e a jogar à chona ou ao pica-chão, nem moços e moças dançando ao som das concertinas. Não haverá mais matanças do porco no outono, nem bodas fartas nas primaveras, nem fatos domingueiros nos dias de festa. Acabou a dureza da vida no campo quando a ceifa, a debulha e a trilha se faziam com o esforço dos homens e dos animais.

Mas outro tempo, certamente, virá. Sobre os escombros do tempo antigo, irá iniciar-se um novo ciclo, talvez uma nova forma de povoamento. Que o exemplo da Associação Rio Vivo sirva para ajudar os vindouros a construir um futuro melhor.