segunda-feira, 25 de maio de 2015

Diário de Katmandu

Se há 200 anos atrás tivesse havido um terramoto no Nepal, a notícia teria demorado meses a chegar a Portugal e à Europa. Possivelmente, teria sido trazida para Istambul ou Antalya pelos mercadores que faziam a rota da Índia, que vinha da foz do Ganges, por Patna e Delhi, e convergia na rota da seda antes de Kashgar no extremo ocidental da China. Ou teria chegado a Lisboa ou a Londres nos veleiros vindos de Goa ou de Bombaim que, carregados de chá e de especiarias, contornavam a África - o canal de Suez só foi aberto em 1869!- em viagens de longos meses. Teria sido uma notícia difusa, imprecisa, eventualmente fantasiosa.

Ao invés, hoje, o cidadão comum pode ler, na hora, no facebook, O Diário de Katmandu, os relatórios onde o jovem Pedro Queirós descreve on-line as experiências vividas com o seu amigo Lourenço Santos nas massacradas terras nepalesas, há bem pouco tempo sacudidas por um tremor de terra. Estes diários só são possíveis graças ao avião e à Internet. Ao avião que transporta as pessoas entre continentes e às ondas hertzianas que levam os bytes que aproximam os povos do mundo. Hoje, podemos falar com propriedade de uma aldeia global.

A onda de solidariedade gerada pelo Diário de Katmandu só foi possível porque existe a Internet e o facebook. E o fenómeno merece uma análise sociológica. A afirmação do orgulho de ser português, a juventude dos intervenientes, o desprendimento pela burocracia das organizações e a vivacidade dos relatos são uma parte da explicação. A simpatia do povo nepalês, o sorriso franco das crianças são a outra parte. É um prazer ver aqueles bandos de crianças, livres, sorridentes e agradecidas por tão pouco! Coisas que vão rareando por estes lados.

A grande teia da Internet, agora organizada à volta das redes sociais, começa a adquirir vida própria. Influencia as pessoas e é influenciada por elas. Começam a construir-se verdadeiras comunidades suportadas pela rede. Esta vida própria começa a interferir com o mainstream que é a comunicação social organizada. Comunicação integrada na economia, que dela depende e serve os seus interesses. Que difunde a opinião e a informação mais conveniente para a economia, que a suporta e paga os ordenados dos jornalistas. E que por isso é a mais conveniente para as elites que controlam os midia e procuram manter-se no poder.

A comunicação nas redes sociais começa já a ocupar um importante espaço na difusão de informação e na formação de opinião, e não tem os condicionalismos nem as dependências do mainstream. Já vimos o seu efeito mobilizador nas manifestações dos indignados. E na emergência dos novos partidos de cariz popular e defensores da rotura. E vemos agora a sua força na bela história que o Pedro, o Lourenço e os seus amigos estão a escrever.

Nós portugueses, precisamos de boas causas. E afinal parece tão fácil construí-las e abraçá-las!

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Vox Populi, Vox Dei

Nós temos uma opinião sobre muitas das coisas que nos rodeiam e interferem no nosso dia-a-dia. Temos opinião sobre pessoas, sobre acontecimentos, sobre as decisões tomadas pelos governantes e sobre as propostas dos políticos. Temos opinião sobre uma obra de arte, uma peça de música ou sobre um livro. Temos uma opinião sobre o que é bem e sobre o que é mal. E até temos uma opinião sobre nós próprios.  Opinião é uma representação mental, uma crença, um juízo, às vezes um simples sentimento. As raízes da construção da opinião estão na cultura, na religião, na família, na educação e no sentimento de pertença a um país, a uma comunidade, a uma tribo, a um clube, a uma família. As nossas opiniões fazem parte da nossa personalidade.

Enquanto consumidores, temos opinião sobre os produtos que consumimos. Com base nas opiniões, criamos uma representação mental das marcas que designamos por imagem de marca. E para a construir, aperfeiçoar e para a comunicar  os fabricantes investem por ano, a nível mundial, milhares de milhões de Euros. Estou a falar do marketing.  Mas, porque acredito que a sociedade de consumidores, nascida na abundância do pós guerra, vai ser - ou vai voltar a ser - a sociedade de cidadãos , vamos ter de valorizar sobretudo  as opiniões dos cidadãos e as suas ligações às questões da política e da cidadania.

A média das opiniões individuais é a opinião pública. Um conceito que é objetivo e é, por sua vez, objeto de estudo nas ciências sociais. A opinião pública é influenciada pelos meios de comunicação, pela moda, pelo caráter insólito, inovador ou espetacular dos acontecimentos. Normalmente as opiniões das elites (dos líderes de opinião) tendem a impor-se à opinião das massas. Mas a opinião pública como muitas variáveis das ciências humanas é reflexiva: medir a opinião pública e dá-la a conhecer pode modificá-la.

Convém, contudo, não confundir opinião com conhecimento e, muitos menos com verdade. Nós temos assistido ao longo da história da humanidade a uma permanente dialética entre opinião e conhecimento. Para os gregos a opinião era a doxa e o conhecimento era o epistemé. Platão, nos seus diálogos aborda o assunto, e procura opor o epistemé – que defende - à doxa dos sofistas. Ele desconfia da doxa e, por ser manipulável, vê nela um perigo para a democracia: se os políticos podem manipular a opinião pública, então podem manipular a democracia. De alguma forma poderá estar aqui a origem do conceito de meritocracia que alguns defendem, como forma de aperfeiçoar a democracia. Mas, julgo eu, será algo perigoso de implementar e tem muitos riscos associados. Por exemplo, que avalia o mérito? O que é o mérito? Pelo sim pelo não, a democracia baseada no sistema um homem-um voto, apesar das suas imperfeições, parece ser a menos má de todas as formas de escolher os governantes.

A dialética entre a Opinião Pública, - a doxa - e o Conhecimento - o epistemé - teve, na história da Humanidade alguns momentos épicos. Destaco, pelo seu impacto, Galileu e a heliocentralidade, Charles Darwin e a evolução das espécies, e Freud e a origem da alma. Esses momentos correspondem a alterações ou disrupções fundamentais na doxa, dificilmente aceites pelas elites que as defendiam ... Com Galileu, a Terra deixou de ser o centro do Universo; com Charles Darwin o Homem deixou de ser o centro da Criação; Freud questionou a alma e o livre arbítrio e a divindade do ser humano. Poderia ainda acrescentar a esta lista Edwin Hubble, o astrónomo americano, que ao penetrar na profundidade do espaço galáctico, reduziu o planeta que habitamos a um insignificante ponto azul - a expressão é de Carl Sagan - perdido na imensidão do cosmos. O que sugere que a Inteligência pode estar espalhada profusamente pelo imensidão do Universo, ou dos Universos.

Eu acredito que não existem limites para o conhecimento, e que no futuro, outros sismos científicos irão continuar a abalar as nossas opiniões. Para o bem ou para o mal, a opinião pública vai determinar o nosso futuro. Vox Populi, Vox Dei

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Os Jovens perante o Futuro

Estamos a chegar a uma fronteira. É a fronteira do planeta que habitamos. Andámos demasiado depressa, crescemos desmesuradamente e - paradoxo dos paradoxos! - dizem-nos que é necessário continuar a crescer mais e mais depressa.  É esse o maior dilema do tempo atual: o crescimento não pode continuar - assim o exige o planeta -, nem pode parar - assim o exige a economia.

E, como corolários deste, existem outros dilemas: 1) O dilema demográfico: a população mundial não poderá crescer para lá de certos limites. Mas a decorrente estagnação populacional provocará  o envelhecimento e degradará a espécie; 2) O dilema ambiental que nos confronta com a impossibilidade de continuar a poluir e a lançar mais gases com efeito de estufa na atmosfera, e, em simultâneo, com a imperiosa necessidade de o continuar a fazer para assegurar a mobilidade e a crescente produção industrial; 3) e, finalmente, o dilema dos recursos que resulta, por um lado, da evidência de não podermos aumentar o consumo dos recursos não renováveis - como são, por exemplo, o solo arável, a água, e a energia -, e, por outro lado, com a necessidade de o fazer para assegurar a prosperidade material da espécie.

A tecnologia, fruto da criatividade e da capacidade de inovação do homem, será a solução? A tecnologia, ao aumentar a eficiência, funciona como um catalisador nas reações químicas:  acelera o crescimento, acentua os dilemas e abrevia o colapso. Faz aumentar a complexidade do sistema económico, e esse aumento acarreta custos que, a partir de um determinado momento, podem superar os ganhos ou as vantagens que ele traz. É na crescente complexidade das redes, que suportam a economia, que esses riscos são maiores: a rede eléctrica, a rede de abastecimento alimentar, a rede de comunicações e de telecomunicações, a rede digital, as redes de abastecimento de água e de saneamento. Foi Joseph Tainter quem nos ensinou que uma quebra brusca da complexidade nessas redes pode provocar o colapso.

Enfrentamos a ameaça de um colapso civilizacional que é uma forma de superar os dilemas. Tal como um tremor de terra, o colapso é uma adaptação repentina de um sistema - físico, económico ou social -, que resulta da libertação brusca das suas tensões internas.  Mas, tal como diz Dimitri Orlov, o engenheiro russo que viveu a queda do sistema comunista, o colapso não tem que ser necessariamente uma coisa má. Ele pode significar a destruição criativa que permite criar as condições para o aparecimento de soluções alternativas.

Só podemos imaginar o futuro do ser humano associado à prosperidade, a qual não terá de ser, necessariamente, uma prosperidade material. Tudo indica que, se queremos prosperar sem crescimento, vamos ter de mudar de economia: menos complexa, mais local, mais rural, mais espiritual e mais solidária. Na economia do futuro, as soluções terão de ser encontradas e implementadas de baixo para cima. A preocupação principal vai ser a de cuidar do planeta e do ambiente.

É este o futuro que espera os nossos jovens. Convenhamos que o caminho que têm pela frente não vai ser fácil. Mas percorrê-lo pode ser uma tarefa estimulante!.

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Obrigado Portugal

Hoje um pássaro fez um dejecto na minha sweat shirt. 
Os Nepaleses dizem que é sinal de boa sorte. 

O dia ia ser calmo. Mas não foi. O plano matinal de ir distribuir água em zonas carenciadas de Katmandu cumpriu-se. Mas à tarde acabamos por não ir fazer o reconhecimento previsto na aldeia de Sankhu. A tal destruída pelo terramoto. Fomos antes para um bairro carenciado numa colina de Katmandu. Um local lindíssimo mas totalmente em ruínas. A zona chama-se Sitapailah. Para lá chegar tivemos mais uma vez que subir colinas íngremes a empurrar a carrinha.

No meio do esforço veio-me à cabeça a Pilar. Filha de um amigo do Lourenço, o Tiago Bilbao, e que deu todo o dinheiro do seu mealheiro para esta causa. 31,32 €. Obrigado Pilar. E obrigado a todos vocês. Não quero deixar de sublinhar mais uma vez que tudo o que vêm nestas fotos vem do vosso bolso. Não deixem de apoiar por favor. Vamos precisar de mais.

Para quem julgar que estamos a perder gás ou que isto é um reality show enganam-se. O projecto está a crescer e há muitas necessidades. Não vamos abrandar. Queremos dar cada vez mais e os canais de aplicação para os fundos estão identificados. Mas precisamos de todos. Contribuam e partilhem. Recordo também que tudo será discriminado e reportado. Somos nós que guardamos todos os recibos. Também controlamos todas as quantidades que são dadas. Nada nos escapa.

Recordo os dados da conta:
 NIB 003300000098021915378 IBAN PT50003300000098021915378 Swift code BCOMPTPL

Os sítios onde vamos têm se ser muito bem escolhidos. Longe vai o dia em que compramos 2 sacos de arroz de 25 kgs, e apanhamos um táxi para ir distribuir no parque central da cidade! Agora contamos com o apoio da BusIness Power Women do Nepal. A tal organização que sabe para onde ir e o que levar. Descobrimos hoje que a cônsul Espanhola, dona do hotel onde estamos, e a quem tínhamos dado flores, é a presidente desta associação.

As coisas não acontecem por acaso. É o efeito borboleta. Amanhã vamos tentar tirar uma foto com ela. Uma mulher de armas. Estas senhoras da organização BPW não brincam em serviço. Encontramo-nos com elas de manhã e toca a trabalhar. Mais uma vez negociamos melhores preços e a eficiência logística está a aumentar. Agora já não damos as coisas avulso. Fazemos packs. Sacos com um bocado de tudo para oferecer a cada família. Arroz, bolachas, óleo, lentilhas e sal. Este era o pack de hoje. E já não damos apenas para uma refeição. Damos para alguns dias.

 Os grandes números de hoje são: - 82600 rupias gastas, cerca de 725 €, - 1000 Kilos de arroz, novo recorde! - 600 pacotes de 50 grs de bolachas, - 100 sabonetes Dettol 40 grs, - 100 Kilos de sal, - 100 Kilos de lentilhas, - 2000 litros de água fornecidos. Aqui (na água) só ajudamos a fornecer, não contribuímos com nada em termos monetários.

Estamos cada vez mais motivados e entusiasmados. Não há palavras para o acto de ajudar. Para o agradecimento das pessoas que recebem comida. É tudo. Hoje chegou uma portuguesa para nos ajudar. Bem vinda Mariana Delgado. Amanhã começa a trabalhar também. Veio da Índia de propósito. E estamos a receber mensagens de mais Portugueses a caminho.

Não há palavras para a bondade Lusitana. Gostava de relembrar que somos apenas dois amigos a ajudar. Perdoem-nos qualquer erro de comunicação institucional, gestão de operações ou de aplicação da análise SWOT.

Estamos em Katmandu a ajudar vítimas de um terramoto que ocorreu há 8 dias. Fazemos o que podemos. Hoje um pássaro fez um dejecto na minha sweat shirt. Os Nepaleses dizem que é sinal de boa sorte.

Obrigado PORTUGAL. Nós também somos Nepal.

3 de maio 2015

Pedro Queirós com Lourenço Santos* @ktmandu, Nepal

*(Pedro e Lourenço chegaram a Katmandu no dia anterior ao terramoto. Viveram a angústia dos primeiros dias e dormiram ao relento. Tinham bilhete de saída confirmado para o dia 1 de Maio, mas decidiram, por sua conta e risco, perder o bilhete e ficar a ajudar os Nepaleses)


O meu post de hoje resume-se a transcrever este relato.
Se o meu pai fosse vivo, cumpriria hoje 103 anos.
E havia de sentir orgulho em ser português!
E havia de sentir orgulho no seu neto Pedro!