Os lamentáveis sucessos decorrentes do terramoto de Port-au-Prince têm servido para dar a conhecer ao Mundo um país muito pobre e cheio de contradições. O Haiti parece um país deslocado no espaço e no tempo: é um país de africanos longe de África, e é um país de pobres mesmo ao lado do império dos ricos; é um país onde os benefícios do progresso não chegaram, onde a esperança de vida à nascença não ultrapassa os 60 anos, onde o futuro não é risonho para o jovens.
A ilha onde se situa o Haiti é a Ilha Hispaniola onde aportou Colombo, em Dezembro de 1492, quando chegou às Índias Ocidentais e onde, pela primeira vez, tomou contacto com os índios americanos (os quais, passado pouco tempo, desapareceram completamente da ilha).
Os haitianos são hoje 10 milhões, a viver num território do tamanho do Alentejo. Mas em 1950 eram 3 milhões o que mostra bem o elevado crescimento populacional (o Haiti tem a taxa de natalidade mais alta do hemisfério ocidental). 50% do haitianos têm menos de 20 anos e 50% são analfabetos. Existem ainda 2 milhões a viver fora do país, sobretudo na República Dominicana e nos EUA.
O Haiti já terá sido um país, nos séculos XVII e XVIII, agricolamente rico (sobretudo açúcar), e terá sido essa uma das razões que fez levar milhares de escravos para a ilha. Mas hoje o solo está esgotado, erodido e empobrecido pela desflorestação e pela agricultura intensiva. Uma escassa produção agrícola (café, manga) é insuficiente para alimentar a população; 40% do orçamento do Haiti é assegurado pela ajuda internacional; 1% dos mais ricos detêm 50% da riqueza. Isto ilustra bem as contradições existentes.
Se tivesse ocorrido há mais de 100 anos a destruição de Port-au-Prince seria um processo irreversível. A selva voltaria a crescer no lugar dos edifícios tal como cresceu nas cidades abandonadas dos Maias. E os haitianos estariam condenados a estiolar à míngua de recursos. Seria mais um exemplo de colapso social à semelhança de tantos que se verificaram ao longo da história da Humanidade.
Mas neste tempo de globalização a tragédia entra nas nossas casas, e o mundo não pode ficar indiferente. Os países mais ricos, com os EUA à frente, vão, por isso, reconstruir o Haiti, e já se fala de um novo plano Marshall. A ajuda americana será acima de tudo concretizada por uma forte injecção de dólares, a reconstrução será feita com materiais americanos e até servirá para ajudar a estimular a economia americana e a criar emprego. Mas aos americanos interessa sobretudo evitar a emigração em massa dos haitianos para os Estados Unidos.
Hoje, o Haiti é claramente um país com uma população acima da sua capacidade de carga, um forte candidato a uma ruptura eminente. A sua população, a manter-se a actual taxa de natalidade, será de 20 milhões daqui a 50 anos. Ora o bom senso mostra que isto é uma impossibilidade económica e ecológica. Dá que pensar e revela a dimensão do problema para o qual é difícil antever uma solução.
O futuro do Haiti é, pois, sombrio. Ajudar o Haiti, como tem sido feito até agora, é uma solução transitória, e nada resolve a longo prazo. A ferida está aberta, mas não se pense que isto é só um problema dos haitianos. Mais tarde ou mais cedo, as réplicas deste tremor de terra irão chegar ao mundo dos ricos. Porque o Haiti faz parte de todos nós. E se o Haiti colapsar tal não será bom para ninguém. O mundo inteiro, quando chegar a hora, pagará a factura. Possivelmente mais cedo do que se imagina.
New York Not Close to Exiting Lockdown
Há 4 anos