O facto de um velho amigo, ateísta convicto, confesso e militante, me ter convidado para assistir a uma palestra sobre o tema "ateísmo", suscitou-me esta reflexão. Que faço, apesar do assunto, em si, não me preocupar muito. Pois se o teísmo é acreditar em Deus e o ateísmo é negar a sua existência, considero que discutir o teísmo ou o ateísmo representa a mesma inutilidade filosófica, e a mesma perda de tempo.
A civilização ocidental – que moldou o mundo global – tem as suas raízes mais profundas na cultura judaica e na cultura grega. Herdámos da Bíblia o deus sem rosto, moralista, intemporal e justiceiro (de que Saramago parece não gostar!), e herdámos dos gregos os deuses e as deusas moldados à imagem dos homens, com os seus corpos de atletas, e com os seus desejos, as suas fúrias, os seus amores e as suas emoções por vezes descontroladas. Mas tanto num caso como no outro, os deuses são criaturas dos homens, e não o contrário.
Quando penso no "sobrenatural", a minha grande angústia, decorre da (não) percepção do Universo, e da (não) compreensão das forças que o governam. E que tem a ver com a minha incapacidade de entender o absurdo do “espaço” e do “tempo”, conceitos limitados para terem significado e serem percebidos, mas ilimitados por não terem fronteiras, e, por isso, coisas que "são" e "não são", ao mesmo tempo. A mim, pessoalmente, preocupa-me mais o mistério da força da gravidade do que saber se Deus existe.
A “criação” é o grande e único enigma. E é tanto maior, quanto mais a “visão” do telescópio Hubble penetra nas profundezas do Universo, e nos obriga a acrescentar zeros (do lado direito) ao número de estrelas e de galáxias. O “big bang”, por que não tem explicação, é o verdadeiro Deus. E até já ouço dizer que se suspeita existirem outros universos paralelos ao nosso, possivelmente uns feitos de matéria e outros de antimatéria. De tal forma que tudo somado dará zero, e, se for assim, não são precisas mais explicações sobre a intervenção divina no acto da criação.
Mas na via dolorosa por onde se vai carrear a nossa “civilização” ao calvário, abre-se o espaço para novos profetas virem proclamar vindas de messias e estabelecer novas formas de culto. Já se advinha o "regresso" de Deus para substituir a incapacidade dos políticos governarem o Mundo, e para compensar os homens do progressivo agravamento dos "deficits" de solidariedade, de afecto e de liberdade. É que estes "deficits" não são regulados por "PEC´s" ou pela criação de fundos de protecção. Muitas vezes são resolvidos com recurso à "ajuda" divina.
No espaço melífluo das catedrais (leia-se Centros Comerciais) do mundo actual, dominado pelo consumismo , as marcas ocuparam, nos altares, o lugar dos deuses. E quando se extinguir a sua natureza divina há-de vir quem, alevantando as novas tábuas, compare estes falsos ídolos aos bezerros de ouro, e os esconjure para glorificar outras divindades, criadas para ocupar o vazio deixado pelas antigas.
Na via estreita da transição - admitamos que ela vai ser transitável - haverá porventura lugar para a intolerância, para o fundamentalismo, e, possivelmente, para novas e elaboradas formas de exploração e oportunismo. Quem sabe se até para novos modelos de inquisição.
“Deus” queira que não.
New York Not Close to Exiting Lockdown
Há 4 anos
Um texto excelente de um agnóstico cuja inscrição nas «Novas Oportunidades» facilmente lhe permitiriam um diploma de ateu.
ResponderEliminarP. S. O problema não está nas crenças mas na relação destas com os actos. E se uma crença manda matar quem acredita nos deuses falsos (os dos outros) ou imaginar a mulher como objecto, é um dever de cidadania combater tais crenças.
Fale-nos dos novos modelos de inquisição...
ResponderEliminar