O debate político, promovido pelo Partido Socialista, está a focalizar-se na discussão à volta de duas vias alternativas para enfrentar a crise: "neoliberalismo" versus “defesa do modelo social”. Defendem os dirigentes do PS a via da "manutenção e desenvolvimento do modelo social", e apontam os pecados do neoliberalismo, que condenam e rejeitam. E aproveitam para “colar” a etiqueta de “neoliberalista” ao principal partido adversário: o PSD.
A matéria tem sido aflorada de forma recorrente nas iniciativas partidárias do PS a que temos assistido neste Verão, e o discurso, repetido com poucas variações, obedece a uma linha predefinida e coerente. Até Mário Soares, no seu artigo semanal de opinião no DN de 13 Julho, não hesitou em reduzir a questão da saída da crise àquela dicotomia, e escreveu a propósito: “A necessidade prioritária (é a ) de manter e desenvolver o modelo social europeu… e só depois - mas em segundo lugar - reduzir os deficits externos e o endividamento, público e privado, como sugere o Banco Central Europeu, influenciado pelo economicismo neoliberal”.
Ao eleger esta dualidade de opções para eixo central da sua estratégia, e ao trazê-la para o terreiro do debate, os referidos políticos parecem querer convencer-nos que estas são as únicas alternativas, as duas únicas opções que temos pela frente, e que vamos ter de optar por uma delas. Mas, na minha opinião, estão enganados. Estas vias não são alternativas, são as duas faces de uma mesma moeda. Trata-se de uma forma de iludir a verdadeira questão, que consiste em aprofundar a compreensão da crise e identificar as suas causas.
O chamado “modelo social europeu” é, numa leitura economicista, o resultado da política neoliberal - dos últimos 65 anos, correspondentes ao período do pós-guerra -, cujo sucesso assentou no abandono do proteccionismo, na globalização e na livre concorrência, e que permitiu, em resultado de um crescimento contínuo do PIB europeu, criar os excedentes que alimentaram e ainda alimentam o tal modelo social. A própria Europa, a que nós pertencemos, construiu-se sobre este modelo, e a sua força assenta sobre o seu sucesso.
Vir agora, com fazem os dirigentes do PS, defender o modelo social europeu e, ao mesmo tempo, negar os fundamentos económicos que o sustentam, é a mesma coisa de que querer preservar o telhado de uma casa, e deitar abaixo as paredes que o suportam. Ora é mais do que certo que quando as paredes ruírem, o telhado virá atrás delas. Mais defensável, mesmo que pouco recomendável, seria manter as paredes de pé, e deitar o telhado abaixo.
Mas poderemos atribuir o sucesso económico das últimas décadas apenas ao "modelo" de organização do sistema produtivo, quer ele se chame de capitalismo, liberalismo, ou simplesmente “economia de mercado” ?
Poderemos, por exemplo, ignorar o input tecnológico, o input energético, e o problema dos recursos (incluindo os humanos!), que são externalidades do modelo? A resposta é não. E a via a seguir consistirá em adequar o modelo aos recursos disponíveis, e para isso temos de procurar a solução fora dele. A esta, chamo eu a terceira via.
A situação actual da economia lembra um potente automóvel que de repente deixou de andar. E o condutor faz tentativas desesperadas para o pôr a trabalhar. Discute-se à volta, e um diz que será necessário olear as engrenagens, enquanto outro reclama que o mais importante é manter o ar condicionado a funcionar. Até que alguém descobre que o problema é a simples falta de gasolina, e que não há nenhuma gasolineira ali por perto.
Neste caso, a terceira via é ir a pé.
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Há 4 anos
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