segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

As Horas

Há tempo de viver e tempo de morrer, 
há tempo de semear e tempo de colher...
(Eclesiastes, 3)

Ao longo da história da Humanidade muita coisa mudou. A descoberta das ferramentas, que são o prolongamentos das mãos, a aquisição da linguagem, o domínio do fogo, a metalurgia do bronze e do ferro, a invenção da escrita e a da imprensa, o uso de máquinas e de novas formas de energia foram momentos de sobressalto e grandes avanços para o Homem. Cada novo dia traz mudanças, mas esse mesmo dia mantém-se sempre igual si próprio, nas suas 24 horas ou nos seus 86400 segundos.

A vida de cada homem é feita de tempo, ou, dito de outro modo, o tempo é a matéria prima das nossas vidas. Ora a vida das pessoas tem mudado ao longo dos milénios, mas o tempo não muda. Tudo se passa como se o tempo acrescentasse alguma coisa, e não fosse apenas uma referência para balizar os acontecimentos. Com efeito ele acrescenta complexidade, desorganiza a matéria mas, no seu cíclico devir, traz a morte e traz a vida.

Na Idade Média, o fluir do tempo era marcado pelo ciclo do sol, pelas estações do ano e pelas tarefas agrícolas. O sino da igreja chamava os fiéis à oração e regulava a vivência das comunidades. Nos conventos medievais era o tempo do "ora et labora" dos monges beneditinos. O dia começava com o nascer do sol, às horas de prima e acabava às horas de véspera, ao entardecer. Os homens viviam virados para Deus e para dentro de si mesmos. O trabalho libertava e dignificava. Era um tempo pendular, que trazia a guerra e fazia a paz, que oscilava entre crepúsculos, que trazia a neve no Inverno e o degelo na Primavera. São os ciclos que dão sentido à existência, que fazem viver e reviver a Natureza. Na Física e na Biologia, tudo o que não é cíclico está parado ou a caminho do colapso.

Mas como acontece na história de Edgar Allan Poe, o tempo que é Pêndulo, também é Poço, pois o cronos só tem uma direção. As outras variáveis da física são bidirecionais: a distância alonga-se e encurta-se, a massa reduz-se ou acrescenta-se, a intensidade da corrente elétrica aumenta ou diminui. Mas em cada novo "implacável segundo", como lhe chamou Kipling, a complexidade aumenta, e nada pode voltar ao estado anterior. O copo que se desfaz em pedaços não volta a ser o que era, e o ser que morre não pode regressar à vida. Pois o tempo, tal como a entropia, só tem uma direção.

A vida de hoje já não é regulada pelo sino da igreja, as horas de prima e as horas de vésperas vivem-se no lufa-lufa do trânsito, e as horas completas, as horas maiores, quando a oração era mais profunda e sentida como agradecimento ao Senhor pelo pão de mais um dia vivido, são agora as horas das novelas e do horário nobre das televisões. Já não existe o tempo interior, tudo é exterior.

Einstein mostrou-nos que o tempo absoluto não existe, e que, em teoria, é possível pará-lo. Mas isso não está nem nunca estará ao alcance da tecnologia. Contudo, a angústia de não poder parar o tempo é mitigada pelo milagre da vida. Pois é Eros, o deus do amor que, em cada dia, vence Thanatos, o deus da morte. E isso alimenta a nossa esperança, e dá-nos uma razão para viver...

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