Nas antevisões que fazemos do futuro, temos tendência a valorizar mais o lado bom das coisas e a deixar de lado os aspetos negativos. Foi assim que os nossos avós imaginavam o século XXI: com paz, harmonia social, curas milagrosas e bem estar generalizado. Por isso quando pensamos no
futuro das cidades somos levados a imaginar as
cidades do futuro. E imaginamos espaços mais verdes e limpos, mais funcionais, mais seguros, mais feitos à medida do homem. Penso que foi esse o sonho de Oscar Niemeyer ao projetar Brasília. Mas as cidades que as novas gerações irão habitar já existem hoje com os seus problemas e com as suas distorções. Cidades que não foram feitas à medida do homem mas sim à medida do automóvel. Que são o produto duma civilização que se globalizou e que cresceu desmesuradamente.
Em 1950, mais de 70% da população mundial vivia em habitats rurais; em
2050 haverá uma inversão, e essa percentagem reduzir-se-á a 30%. Por
outras palavras, a população urbana do planeta era, em 1950, de menos
de mil milhões de pessoas; em 2050 esse valor será superior a seis mil
milhões. A urbanização acelerada foi o resultado de um processo que tem a
ver com as grandes transformações ocorridas no pós guerra. Ela é uma
consequência direta da revolução industrial, mas está relacionada com a
disponibilidade energética proporcionada pela Era do Carbono. Na
verdade, o automóvel que criou os subúrbios e o elevador que criou o
arranha céus são os dois principais fatores responsáveis pela
urbanização. E atrás deles está, num caso, o petróleo e, no outro, a eletricidade. Ou seja, energia abundante e barata.
Países emergentes como a China viram, na última década, a sua população urbana crescer desmesuradamente. E o fenómeno das migrações do campo para as cidades continua. Uma das causas que lhe deram origem foi a
revolução verde que permitiu elevadas produtividades agrícolas como resultado da mecanização e do uso de fertilizantes, e criou mão de obra excedentária no espaço rural. E a revolução verde foi, ela própria, resultado da evolução tecnológica, mas, sobretudo, da energia barata.
O tecido urbano das modernas cidades é, hoje, muito diferenciado: mantém-se o velho centro histórico rodeado de uma zona envolvente de serviços e, mais afastados, os subúrbios ou dormitórios. Algumas cidades atingiram dimensão crítica, e podem enfrentar problemas de gestão das redes através das quais fluem os recursos de que necessitam (alimentos, água, energia) e os desperdícios que produzem (lixo, esgotos). Por outro lado, o comércio das modernas cidades desenvolveu-se em grandes superfícies centrado no automóvel e que contribuíram para ajudar a desertificar os velhos centros tradicionais e históricos dessas cidades.
Mas o ciclo de crescimento urbano parece estar a terminar. São várias as razões para isso acontecer: a estabilização da capitação energética, o fim do crescimento económico, o fim da revolução verde, o acréscimo populacional, o desemprego, enfim a crise económica. E as grandes cidades, numa economia em recessão, poderão enfrentar enormes problemas. Cenários de carências, de degradação e de insegurança podem ser a consequência.
Mais importante do idealizar a cidade do futuro, é pensar - e urgentemente - no futuro das nossas cidades. Esse futuro só em parte está nas nossas mãos. As pressões que afetam a economia que são responsáveis pela presente crise económica, vão deixar-nos pouco tempo para divagações arquitetónicas sobre o novo urbanismo. Penso que é altura de nos centrarmos no plano dos princípios: queremos cidades mais à medida dos homens, com mais sustentabilidade, com mais espírito comunitário, menos dependentes do automóvel e com um florescente comércio de proximidade. Afinal, são estes os princípios da Transição.
Não sei por onde andou este texto, ou por onde é que eu tenho andado. Que só hoje tropecei nele.
ResponderEliminarE faz falta, ouvir falar de coisas que são fundamentais e de que ninguém fala.
Ou então gastar todos os dias uma fortuna em papel inútil, para respingar um grão de trigo no meio de tanto joio. PQP!!!