A revolução cubana faz parte do imaginário de muita gente da minha geração que viveu, na sua juventude, o tempo do maio de 68. O grupo de revolucionários
que desembarcaram no Granma e, após três anos de luta de guerrilha, derrubaram o regime de Fulgêncio Batista, entre os quais Fidel de Castro e Che Guevara,
eram heróis que despertavam sonhos de revolta, e que eram celebrados nos posters afixados nas paredes dos nossos quartos de estudantes e nas canções
revolucionárias dos convívios universitários. Tive um amigo que, na generosidade dos 20 anos e inspirado nos heróis da Sierra Maestra, planeava formar um
grupo revolucionário na Serra da Arrábida para, a partir daí, derrubar o ditador Salazar.
Com o andar dos anos, Cuba foi perdendo muito do seu encanto e da sua magia. Fidel envelhecia; todos nós envelhecíamos! Em 1967, o Che era assassinado na
Bolívia, esboçavam-se conflitos internos na luta pelo poder. Os meus amigos que visitavam Cuba traziam-me a imagem de uma espécie de Aldeia de Asterix
encravada na Gália romana, sempre invencível e resistindo sempre. Descreviam-me uma sociedade carenciada mas feliz, com carros muito velhos circulando nas
estradas, como se o tempo tivesse parado naquela ilha. Falavam-me de gente simples, alegre, culta e hospitaleira. E acrescentavam que os cubanos
dispunham de um sistema de saúde gratuito e universal.
Foi notável a resistência de Cuba nos 56 anos que decorreram desde a tomada do poder pelos revolucionários na Sierra Maestra no dia 1 de janeiro de 1959.
Cuba foi, durante décadas, o espinho cravado nas barbas da poderosa América. A pequena república superou a invasão, ultrapassou a crise dos mísseis e Fidel
sobreviveu milagrosamente a dezenas de tentativas de assassinato. Resistiu ao embargo económico e ao isolamento imposto pelos americanos. A lendária figura
de Che Guevara inspirou movimentos de guerrilha em todo o mundo. A ousada intervenção cubana em Angola foi um desafio direto ao poder do Ocidente.
Cuba e os Estados Unidos anunciaram agora que vão desanuviar a tensão existente e reatar as suas relações diplomáticas. Com efeito, começava a tornar-se
evidente que Cuba não podia continuar no isolamento provocado pelo fim da guerra fria. A crise financeira mundial, a morte de Hugo Chavez, a crise económica
da Rússia e a abertura ao mundo através da janela da Internet, foram os golpes finais num regime isolado, desgastado e sem recursos. E contudo, não deixa de
ser espantoso como este pequeno país resistiu durante tantos anos após o colapso da União Soviética.
Com este desfecho termina, no seu último reduto, o socialismo romântico. Cuba encher-se-á em breve de novos carros circulando em modernas auto-estradas,
ladeadas de anúncios de Cocacola e MacDonalds. Irá integrar-se paulatinamente na economia global - insensível e predadora -, voltará a encher-se de ressorts,
receberá os grandes navios de cruzeiro que, a partir de Miami, levarão milhares de americanos às Caraíbas. Voltará a ser o casino da América.
O fim de Cuba socialista vai ser bom para muitos cubanos; mas vai ser mau para muitos mais. Com as suas insuficiências, com a sua determinação, com o seu
engenho em as superar, Cuba foi um exemplo de como pode sobreviver-se com meios escassos e se podem atingir indicadores elevados na educação e na cultura.
De alguma forma, este regime era uma esperança para os que acreditam que é possível uma economia alternativa. Mas ninguém poderia exigir egoisticamente
que Cuba fosse o único guardião dessa esperança e pagasse sozinha o elevado preço de a conservar. Ficamos com o seu exemplo e uma grande dívida para com o
povo cubano.
Fidel, o herói de Moncada, velho, doente e retirado, já foi há muito absolvido pela História. Em artigos que, de vez em quando, publica no Granma, o jornal
oficial do regime, revela ainda uma grande lucidez e neles tem alertado contra os caminhos perigosos do mundo global, no que respeita aos riscos ambientais e à
escassez de recursos. Mesmo nesta rendição inevitável, Cuba manteve uma postura digna e não se ajoelhou perante a América. Hasta siempre Cuba!
Thinking Outside the Grid
Há 5 anos
Uma excelente evocação que me permito partilhar com o autor que, num breve texto, disse quase tudo. Muito bem LQ!
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