segunda-feira, 6 de abril de 2015

Depois da Crise

Naquele final de verão de 2008, com a falência do Lehman Brothers e o desmoronar de grandes seguradoras, intermediários financeiros e hipotecários, tudo parecia ruir. O espectro da grande recessão dos anos 30 do século passado - algo que se considerava irrepetível! -dominava as notícias. Falava-se de uma crise financeira, do rebentamento de uma bolha de crédito hipotecário imobiliário nos EUA - o subprime - que provocava efeitos devastadores no mercado financeiro e nas bolsas. O aparentemente sólido sistema financeiro americano parecia ruir como um castelo de cartas. As casas perdiam valor, os proprietários em incumprimento eram despejados, os bairros fantasmas de casas recém construídas e sem compradores, estavam ao abandono. Homens de reputação, antes insuspeita, eram presos e biliões de dólares esfumavam-se sem se saber como nem para onde.

Depois foi o alastrar da crise à Europa e ao mundo. Surgiu a chamada crise das dívidas soberanas que teve em Portugal o efeito conhecido. Tomámos consciência de que estávamos a viver acima das nossas possibilidades. De um momento para o outro, as pessoas habituaram-se a viver com menos, perceberam que os empregos não eram para a vida, que um diploma universitário não era garantia de emprego, que as reformas não estava asseguradas apenas porque tínhamos feito descontos durante uma vida de trabalho. Percebemos que os bancos podiam falir, que as poupanças podiam esfumar-se e que o estado social poderia estar em risco. Enfim, o sonho de crescimento infinito e ilimitado desfazia-se. A segurança trazida pelo euro começou a ser questionada, instalou-se o descrédito na Europa das nações, o realismo desfez os sonhos megalómanos do TGV, do novo aeroporto, de autoestradas para cada aldeia do país.

Passados quase sete anos, poderemos afirmar que entendemos a crise, a sua génese e as suas consequências? Mais do que uma crise económica e financeira, esta foi uma crise civilizacional, eu diria até antropológica. Pois não foi ela um sobressalto para o devir da Humanidade e uma dúvida sobre a capacidade dos homens tudo superarem? Uma das lições desta crise global foi a rapidez do seu alastramento, a sua persistência e a constatação da frágil interdependência das componentes do sistema económico. Percebemos que existem limites ao crescimento, e que eles podem estar mais perto do que antes suspeitávamos. O que se passou de facto foi um desajustamento entre o crescimento financeiro - virtual e gerado pelo crédito- e o crescimento económico - real e correspondente à riqueza produzida.

Começa agora a instalar-se nas mentes a ideia de que a crise já terá sido superada. A economia sugeriu a fuga para a frente como solução e nós entrámos no jogo. A receita de mais consumo como remédio para ultrapassar as dificuldades parece estar a resultar: a vida continua a ser governada pelo horário das telenovelas, as vendas de automóveis voltam a disparar, os hotéis voltam a encher-se, o preço das casas começa lentamente a subir. Muitos voltam a sonhar com viagens e férias em destinos longínquos. E até o petróleo ficou mais barato...

Mas se olharmos para o que se passa no mundo, questionamos esse otimismo: as tribos preparam-se para o confronto dentro da Europa; na África, a população rebenta pelas costuras e ameaça invadir a Europa do sul; no Médio Oriente, em ebulição, culturas milenárias são destruídas no meio da desorganização social e do extremismo religioso...A China está cada vez mais disforme e poluída, a Rússia sem gente e sem espaço político, a Europa desunida e sem estratégia, a Índia prenhe de gente, de desigualdades e de contradições, a América Latina é uma grande favela. Nos anos vindouros, as tensões demográficas, provocadas pela explosão da natalidade nos países mais pobres e pelo envelhecimento nos países mais ricos, vão ampliar-se; os conflitos sociais vão agravar-se; as desigualdades entre países e entre pessoas vão acentuar-se. Apesar dos avanços tecnológicos nas energias renováveis - sobretudo na solar - a dependência da energia fóssil está longe de estar resolvida. E o risco da dependência da economia nas vulneráveis redes digitais é uma ameaça constante e crescente.

Em boa verdade, vivemos a primeira grande crise de crescimento que nos alertou para muitas questões. Alguns começaram a olhar para o campo com outros olhos. As questões ambientais ganharam força. Começa a esboçar-se uma maior preocupação com questões de ética, com a espiritualidade e com a solidariedade. Acredito que a próxima crise não nos apanhará tão desprevenidos como aconteceu desta vez.


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