segunda-feira, 14 de março de 2016

A Quarta Revolução

Se uma máquina do tempo nos transportasse ao início da glaciação de Wurm, que ocorreu há cerca de 35.000 anos na Europa, encontraríamos, no território que é hoje Portugal, dois tipos de homens: o homem de neanderthal e o homem de cro-magnon. Estas subespécies do homo sapiens eram diferentes. Na aparência física, no modo de vida, nas armas e utensílios que utilizavam e até nas suas habilidades para caçar. Não se sabe ao certo como se relacionavam nem se chegaram a acasalar. Mas sabe-se que lutaram entre si na disputa pelos melhores territórios e pelos melhores abrigos. Do confronto entre eles, havia de emergir, como vencedor, o homem de cro-magnon, o nosso direto antepassado.

Não terão sido nem a força física nem o tamanho do cérebro os fatores que determinaram o ascendente do homem de cro-magnon (homo sapiens, sapiens) sobre o homem de neanderthal (homo sapiens, neanderthalensis). Na opinião de Jared Diamond, expressa no livro "O Terceiro Chimpanzé", o fator decisivo foi um pensamento mais inovador, e, sobretudo, a linguagem. A linguagem permitiu ao homem de cro-magnon exprimir-se, partilhar conhecimentos, experiências e emoções; ordenar, comandar, enfim, relacionar-se socialmente. E, deste modo, cooperar e trabalhar em equipa. Com a linguagem deu-se o primeiro grande salto em frente; iniciou-se a empolgante caminhada da Humanidade.

A escrita, que terá surgido em mais do que um lugar há cinco ou seis mil anos, foi o segundo grande salto. A escrita permitiu criar registos e fixar conhecimentos. Sem escrita, não teria havido Bíblia nem Corão, e nada saberíamos hoje do luminoso pensamento dos filósofos gregos, nem do rigor dos códices romanos. É difícil imaginar a história sem a escrita. Ora, em boa verdade, sem escrita não teria havido história.

O terceiro grande salto ocorreu no final do século XV com o aparecimento da imprensa. Então, criaram-se condições para difusão da ciência e da informação, até essa altura, guardadas em manuscritos, gravados em papiro ou pergaminho, nas bibliotecas conventuais. A circulação dos livros e dos folhetos fez nascer a literatura - no sentido com que hoje a entendemos - , criou a opinião pública e abriu as mentes ao livre pensamento. A Reforma resultou da difusão das objeções aos dogmas do catolicismo. A Renascença surge da possibilidade de revisitar e difundir a literatura, a filosofia e o pensamento clássico. O grande desenvolvimento da ciência, o iluminismo, os enciclopedistas são outras consequências da nova forma de comunicar proporcionada pela imprensa...

Agora estamos a viver o tempo do quarto grande salto em frente. Refiro-me à internet, que nas duas últimas décadas se impôs como forma de comunicar. Trata-se de uma nova etapa na linha da evolução, precedida que foi pela linguagem, pela escrita e pela imprensa. Estes saltos estão associados a um aumento da complexidade. A linguagem resultou de uma mera evolução anatómica. Com a escrita, à nova capacidade associaram-se algumas ferramentas: o estilete, a argila mole, a tinta e o papiro. A imprensa precisou de uma tecnologia mais elaborada: a fusão dos caracteres, a mesa de composição, a tipografia, para já não falar da fabricação do papel. A internet  exige uma complexa base tecnológica e energética. Falo da computação (o software) e dos suportes de escrita, visualização e arquivo de dados (o hardware), sem esquecer a base de tudo que são a rede elétrica que fornece a energia e a rede de comunicações que transporta os sinais digitais. Com a internet, a espécie humana entrou num caminho evolutivo irreversível. Um caminho que não admite retorno, pois a natureza não aceita a desevolução. E um apagão digital interferiria seriamente nas nossas vidas. A acontecer seria o caos nas transações financeiras, na cobrança de impostos, nos pagamentos, nas comunicações, na logística das redes de abastecimentos, na saúde, na educação, na justiça, etc.

Estamos no limiar de uma nova era, e ainda mal nos apercebemos das transformações que ela irá trazer. Entre cada novo grande salto o tempo que os separou encurtou-se de forma drástica: trinta mil anos mediaram entre a linguagem e a escrita, cinco mil entre a escrita e a imprensa, quinhentos entre a imprensa e a internet. A manter-se esta progressão decrescente, podemos deduzir que estaremos a uns meros cinquenta anos do quinto grande salto. Porém, não vale a pena arriscar previsões sobre a sua natureza, mas é seguro que ele trará mais complexidade - e também riscos acrescidos! - à organização da sociedade.

Cada vez estamos mais distanciados do homem de cro-magnon que há 35.000 anos deu o primeiro grande salto e se impôs ao homem de neanderthal. Às vezes, interrogo-me sobre o que mudou verdadeiramente na nossa natureza, e se não terá chegado o tempo de começarmos a contabilizar tudo o que ganhámos e tudo o que perdemos ao longo destes anos.

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