António Vitorino foi o orador convidado pelo Clube Português de Imprensa para a terceira
conferência, subordinada ao tema “ Que Portugal na Europa, que futuro para a União?”, e
que o Clube promove em parceria com o Centro Nacional de Cultura e o Grémio Literário.
António Vitorino é um conhecido jurista, ex-Deputado, ex-Comissário Europeu, que ali,
neste jantar-debate, foi apresentado como um homem inteligente, e muitos veem como
uma reserva da Nação, integrando quase sempre a lista de personalidades a considerar para
poder ocupar os lugares de maior responsabilidade e destaque na estrutura do Estado.
O ilustre conferencista repetiu algumas das ideias já anteriormente expressas
naquela sala, afirmando que a crise profunda que se vive na Europa é uma crise diferente
das anteriores e que, para a superar, temos de pensar fora da caixa. E nesse sentido
questionou-se sobre se, na construção da Europa, não teremos andado depressa de mais e
se não teremos ido longe de mais. Ao concretizar esta dúvida, interrogou-se sobre se o euro
terá sido mesmo necessário, e se a sua criação não terá sido um erro histórico.
No que diz respeito a Portugal – um País fraco, periférico, endividado e sem competitividade
– ele acha que a margem de manobra é estreita e pouco pode fazer sozinho, pelo que a saída
do euro só avolumaria as dificuldades. Acrescentou que o próprio mercado interno está incompleto, havendo sectores
que estão mal resolvidos, e refere, como exemplos: a energia, os serviços, o mercado de
capitais e as fragilidades do sistema financeiro. Abriu um parêntesis para afirmar que a
política monetária do BCE (baseada na criação e injeção de moeda na economia,
o quantitative easing) gerou uma falsa ilusão de estabilidade financeira. Todavia, deixou
um alerta para a anunciada nova política económica americana, de cariz expansionista
(infraestruturas e obras públicas), já que ela poderá gerar inflação e aumento das taxas de
juro, cujos efeitos podem vir a fazer sentir-se de forma negativa na Europa e em Portugal.
Referiu-se enfaticamente à revolução digital em curso, um processo de mudança acelerada
que não reconhece fronteiras e causa de grandes mudanças em vários sectores,
nomeadamente na medicina, nos quais pode vir a reduzir drasticamente o emprego. Na
linha do que Carlos Moedas já tinha dito, numa conferência anterior ali no Grémio, acha
que a Europa ainda não soube materializar em negócios toda a sua elevada capacidade de
inovação e criatividade neste domínio.
Na minha opibnião, António Vitorino colocou o dedo na ferida quando se referiu à União Europeia como um espaço de
conveniência e não de pertença afetiva, pois não a vemos como a nossa Pátria. O cimento
da união são os resultados produzidos, e são os resultados, e apenas eles, que, em última
análise, são pesados quando um país avalia o interesse e as vantagens de pertencer à
Europa. Durante muito tempo, havia a sensação de que a União era vantajosa para todos.
Nos tempos de crise económica, financeira e social - pensemos nos refugiados - que
atravessamos, tal já não acontece: há ganhadores e perdedores e isso está a fraturar a
Europa entre uns e outros. Uma das causas do brexit terá sido exatamente a constatação
que muitos ingleses fizeram de que estariam a ser prejudicados na União dando mais do
que aquilo que recebiam em troca.
Alertou ainda para os perigos da desconstrução da Europa: os países europeus
isolados vão perdendo influência no contexto das nações, e em 2035 nenhum país europeu
estará individualmente representado no G7. Apontou três domínios prioritários a ter em
atenção no futuro: 1) a consolidação do Euro 2) o crescimento económico, que passará pelo
reforço da globalização e não pelas políticas protecionistas; 3) e a captacão para a
democracia das camadas mais jovens. Estas, tanto no brexit como na eleição de Trump,
assumiram com a sua intervenção no espaço publico as posições mais progressistas, ao
mesmo tempo, que revelaram, pela sua elevada abstenção nas urnas, estar muito descrentes
das propostas e dos políticos que as apresentam.
Nesta conferência, na linha das anteriores, predominou o pessimismo na análise. Todavia,
parece-me haver aqui uma insuficiente leitura das causas desta crise, que é diferente das
anteriores pela sua natureza, pela sua persistência, pela sua dimensão e pela sua
complexidade. Esta não é uma das crises dos ciclos curtos da economia; esta tem de ser
contextualizada no tempo longo da história. Factores como o envelhecimento populacional
no Ocidente, a intensificação da pressão demográfica na fronteira sul, a descentralização da produção industrial para os países emergentes, o fim dos
regimes coloniais e o advento da era digital são importantes. Mas, não menos importantes
são os excessos do consumismo, a busca incessante de mais conforto proporcionado pela
energia fóssil, o exagero no uso de recursos escassos e as emissões poluentes. Em síntese,
são os limites naturais ao crescimento a impor-se, e a exigir urgentemente que se comece a
pensar numa nova economia. Está em causa sermos capazes de contrariar a visão
economicista de curto prazo, que se manifesta pelo egoísmo, pelos interesses populistas,
tribalistas e elitistas. Isto remete-nos para uma questão delicada: estamos a assistir à
evidência de que a democracia, tal como a conhecemos, favorece essa visão de curto prazo.
E impõe-se uma última pergunta: será possível romper o ciclo vicioso?
A construção da Europa foi feita por idealistas que viram muito à frente do seu tempo. A
memória da Guerra vai-se desvanecendo aos poucos. Ora, perante as dificuldades, a
natureza humana parece ter uma irresistível atração pelo abismo. No entanto, a Europa foi
o berço da economia que hoje governa o mundo. Por isso, temos de estar à altura dos que
tiveram a visão de construir a Europa e sermos líderes outra vez na procura de novos
caminhos...
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