quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Lembrar e Esquecer

No passado dia 27 de outubro, Guilherme d´Oliveira Martins esteve no Grémio Literário como orador convidado da segunda conferência do ciclo "Que Portugal na Europa, que futuro para a União?", promovido pelo Clube Português de Imprensa em parceria com o Centro Nacional de Cultura. O orador, atualmente administrador da Fundação Gulbenkian, personalidade ilustre da nossa cultura, é um jurista com uma grande experiência política e competência nas áreas económica e financeira. Por isso, não causou espanto que a biblioteca do Grémio onde decorreu a sessão estivesse a rebentar pelas costuras.

Oliveira Martins começou por fazer o diagnóstico da situação na Europa que, segundo ele, vive um dos períodos mais difíceis dos últimos sessenta anos da sua história: um crescimento fraco – a Europa tem agora o mesmo PIB de 2008, enquanto o PIB americano cresceu em igual período 19% -, lideranças enfraquecidas, partidos populistas em ascensão, regresso dos egoísmos nacionais. A agravar tudo isto, está em curso o brexit que veio trazer muitas outras incertezas políticas e económicas. Logo no início, porém, deixou uma mensagem de otimismo e confiança: precisamos de olhar para o futuro, e acreditar; o mais importante é não cometer erros irreversíveis.

Numa época em que se desvanece a memória da guerra, precisamos lembrar e, ao mesmo tempo, esquecer: lembrar para que uma tragédia semelhante não volte a acontecer, esquecer para que não perdure a vingança, nem o ódio, nem o ressentimento. Frisou ter sido uma guerra longa de 30 anos a que se viveu na Europa no século passado, pois à Primeira Guerra Mundial, que acabou com a humilhação dos vencidos no Tratado de Versalhes, seguiu-se a Segunda como continuação da anterior. Desde o final do conflito, e a propósito, sublinhou a importância no pós guerra do plano Marshall, vivemos o mais longo período de paz da história europeia.

Centrando-se na situação da Europa, citou um artigo de Jacques Delors, publicado há dias, para afirmar que, em relação ao passado, devemos ser menos ambiciosos e também mais ambiciosos. Menos, aceitando que não podemos construir uma Europa perfeita, e mais para atingir três imperativos: salvaguardar a Europa como um espaço de paz, garantir o seu desenvolvimento sustentável e preservar a sua diversidade cultural. Voltou ainda a citar Jacques Delors ao afirmar que a União Económica e Monetária está mal preparada para a crise que aí vem, apontando como causas da estagnação: o fechamento da economia no seu mercado interno, a resistência à inovação e à criatividade, a fragmentação política e a insuficiência das medidas de coesão económica e social. Com um orçamento Europeu igual a 1% do PIB global não pode haver coesão, pois um valor de 3% seria o mínimo necessário, embora ainda insuficiente. Em síntese, a União Europeia necessita de mais convergência e mais crescimento.

Acrescentou ser o próprio Instituto Jacques Delors que aponta a necessidade de atuar em três direções 1. Reforço da estabilidade 2. Reforço acrescido da união bancária e maior controlo económico 3. Maior proximidade com os seus cidadãos. Sobre este último ponto, realçou que a União se apoia na legitimidade dos Estados e na legitimidade dos seus cidadãos, considerando necessária uma maior intervenção dos parlamentos nacionais. Guilherme d´Oliveira Martins diz, enfaticamente, que "falta à União Europeia um senado” onde todos os seus Estados estejam igualitariamente representados e trabalhe em conjunto com o Parlamento Europeu.

Disse ser consensual entre os analistas terem sido os últimos dez anos uma década perdida. Todavia, insistiu em afirmar que a Europa é mais necessária do que nunca, e ser fundamental a existência do Euro, apesar de incompleto e ameaçado pelos maus resultados da convergência. Sintetizou a sua análise ao dizer que vivemos num sistema de polaridades difusas que geram a ameaça do terrorismo e a incapacidade de encontrar soluções, e que necessitamos de um sólido orçamento da zona Euro bem como de reforçar os mecanismos de estabilização e confiança. Além disso, temos de saber lidar com o brexit, uma nova circunstância que nos obrigará a criar uma união de segurança.

Não se considera otimista em relação ao futuro da Europa; em contrapartida, declara-se confiante em relação a Portugal. É que para lá do potencial resultante da plataforma continental, o português - língua de várias culturas e cultura de vários línguas -, será um dos cinco idiomas (os outros são o pequinês, o hindi, o espanhol e o inglês) que mais vão crescer até 2070. Aliás, com 400 milhões de falantes no final do século, o português é já, neste momento, o idioma mais falado no Hemisfério Sul. Concluiu, dizendo ser necessário apostar na sustentabilidade – económica, demográfica, social e ambiental-, na inovação, na criatividade e na sobriedade económica. Ora, se temos menos, então temos de viver com menos.

O discurso de Oliveira Martins torna-se vibrante e contagiante quando fala de Portugal e da portugalidade. Infelizmente não consigo partilhar do seu empolgante otimismo. Tenho presentes opiniões proferidas, naquela mesma sala, por outros oradores ao dizerem que Portugal não tem estratégia, que a classe política olha demasiado para as suas conveniências, que as pessoas se preocupam mais com o individual do que com o coletivo e que não somos capazes de criar consensos para as reformas que se impõe fazer. Não posso esquecer que ficou sem resposta a pergunta que constituiu o tema do anterior ciclo destas conferências "Que Portugal queremos ser?" Mas hei-de lembrar as palavras sábias que ouvi a Guilherme d´Oliveira Martins proferidas no Grémio Literário. Dessas, destaco três: sustentabilidade, criatividade e sobriedade.

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