quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

O Ano das Incertezas

Neste início de 2017, o futuro do mundo não se mostra risonho, antes pelo contrário, apresenta-se cada vez mais incerto e perigoso. Ora, o tempo das incertezas é sempre favorável ao aparecimento de surpresas, para as quais, e por boa prudência, nos devemos ir preparando. Segundo uma previsão do Conselho Nacional de Informações (National Intelligence Council - NIC) dos Estados Unidos, anunciada neste mês de janeiro, "desde a Segunda Guerra Mundial que não existia tanto risco de conflitos internacionais e os próximos cinco anos serão marcados por um aumento ainda maior das tensões internacionais. Para o bem ou para o mal, o cenário global que agora emerge encerra a era do domínio norte-americano que se seguiu à Guerra Fria". Saber o que se seguirá, é a grande questão.

1 A incerteza da América
Na poderosa América é visível a perturbação e a desorientação dos loosers, surpreendidos por uma imprevisível e inesperada derrota nas eleições presidenciais. Entretanto, o mundo espera ansiosamente as primeiras decisões do consulado Trump: que tipo de relações estabelecerá com a Rússia; que movimentos se seguirão no Médio Oriente, nomeadamente na Síria; se irá ser construído o prometido muro na fronteira do México; se serão renegociados os acordos comerciais com o Canadá e com o México no âmbito da NAFTA; qual será o futuro do TTIP, a tão falada parceria comercial entre a Europa e os Estados Unidos; se irá ser revertido o obamacare ; que tipo de protecionismo será implementado em relação à China; se será adotada uma nova doutrina energética que sucederá à doutrina Carter de 1980 que, após a intervenção soviética no Afeganistão, considerou o Médio Oriente como território integrado na esfera do interesse estratégico americano. Estamos perante o encerrar de um ciclo, depois do qual sairá uma nova América, e até, talvez, uma nova ordem mundial. Que pode ser muito diferente da atual!

2. O dilema da Europa
A Europa pós Brexit vive a angústia do dilema da construção ou da desconstrução e procura uma saída. Existe uma crise de valores e uma ausência de estratégia e de identidade corporativa que só serve para dificultar as soluções. O Estado Social, o conforto, a sociedade de serviços, veio amolecer a fibra da gente que um dia indicou ao mundo o caminho da civilização. As pessoas começaram a produzir menos, a consumir mais e a viver mais tempo, não à custa do exercício físico, mas devido aos sucessos da ciência médica. Com as necessidades satisfeitas, diminuiu a criatividade e embotou-se o engenho. A natalidade diminuiu, as crianças escasseiam. Crianças que foram elevadas à condição de bem primeiro, mas são educadas sem valores, desarmadas das suas defesas naturais, preparadas para usufruir e não para conquistar, educadas para o prazer e não para o esforço, adormecidas pela televisão e pelos jogos de computador, saciadas de gorduras e de guloseimas que entorpecem o corpo e a mente. Nas fronteiras do leste e do sul da Europa, os refugiados - necessários para revitalizar a população envelhecida, mas nem sempre desejados! - ameaçam romper o equilíbrio que a prosperidade criou.

3. O Médio Oriente, o lugar onde tudo se vai decidir
A reconquista de Aleppo na Síria pelo exército de Al Assad apoiado pela Rússia, pelo Irão e pelo Hezbolah, a que se seguiu o acordo de cessar fogo que envolveu a Turquia, marca um ponto de viragem no Médio Oriente. Ele representa uma derrota para os Estados Unidos que falharam o seu objetivo principal: apear Al Assad. Pela primeira vez em muitos anos perdem a liderança na solução de um conflito e vêm a Turquia, um membro da Nato, aliar-se à Rússia; derrota também para a Europa que não soube manter a neutralidade e se colocou do lado errado; finalmente, derrota também para a Arábia Saudita que se empenhou a fundo na derrocada do regime sírio e arrisca perder a sua primazia na região que lhe advém do facto de ser um grande exportador de petróleo e, de facto, líder da OPEP. Com uma Síria pacificada e com a manutenção da presença russa, fica comprometida a possibilidade da construção do gasoduto que teria origem no Qatar e, passando pela Arábia Saudita, traria para as praias sírias do Mediterrâneo - e por conseguinte, para a Europa - o gás natural das grandes reservas do Golfo Pérsico. Impedir esta construção terá sido o principal motivo do envolvimento russo - que, doutro modo, veria ameaçada a sua posição de maior fornecedor de gás da Europa -, e também do envolvimento do Irão que disputa com o Qatar a corrida à exploração das jazidas de gás natural - as maiores do mundo - que os dois países partilham debaixo das águas do Golfo. A aliança da Turquia com a Rússia configura a posição pragmática de um país que viu fecharem-se-lhe as portas da UE e necessita de ter aliados fortes na região. Neste caso, a Rússia e o Irão. Por outro lado, julgo não ser exagerado concluir que estão criadas as condições para um agravamento do conflito Israelo-Palestiniano.

4. A China, e a geoestratégia
Os chineses andam muito calados. Mas não devem andar desatentos do que se passa no resto do mundo. Sem assumir uma posição declarada, alinham-se com a Rússia, com a Turquia e com o Irão para defender a sua soberania e enfrentar a hegemonia da América que se verificou após a queda do muro de Berlim. A estratégia chinesa é uma estratégia de envolvência  que passa por projetos alternativos ao americano TTP relativamente à Ásia-Pacifico. Um dos objetivos destas novas alianças é a desdolarização da economia internacional impondo o yuan como moeda de referência nas trocas entre países. Com estes novos alinhamentos, começa a esboçar-se um bloco asiático - o famoso heartland baseado na teoria geoestratégica que postula que virá o dia em que o poder mundial será sediado no coração da Ásia Central, circundado por um rimland , um arco de países que vão de Portugal à Coreia passando pela Índia - que se irá contrapor à centralidade norte-atlântica liderada pelos Estados Unidos e inspirada no ideais do ocidente.

5. Portugal: à procura de uma estratégia com muito por fazer
Como as trotinetes das crianças que não têm motor e só andam a descer, também o governo português apregoando direitos e calando deveres, de concessão em concessão, de reversão em reversão, ajudado pelo bom momento do turismo, pelo dinheiro fácil do BCE e pelo baixo preço do crude, segue a sua trajetória de descida veloz. Fala-se em crescimento, mas não existe estratégia para o conseguir. Nem planos para enfrentar a subida, prenunciada pelo agravamento dos juros da dívida e que parece cada vez mais próxima. Quem vier a seguir que apague o fogo, parece ser a palavra de ordem.

Um grupo de economistas da escola Felix Ribeiro fez publicar, nos dias 13 e 14 de dezembro passados, no Jornal de Negócios, um manifesto no qual se advoga para Portugal uma estratégia de desenvolvimento centrada nos seguintes pontos:  1) oferecer claras vantagens diferenciais; 2)orientar a economia para a exportação de bens, serviços, conteúdos e conceitos, diversificados e inovadores; 3) aumentar a produtividade nos setores exportadores que gire à volta das seguintes plataformas de negócio: acolhimento, lazer e saúde, serviços às empresas prestados à distância, conceção e fabrico de produtos inteligentes e de engenharia industrial, atividades globais que valorizem os nossos ativos geográficos distintivos.
No entanto, pasme-se com as medidas propostas apenas para criar as condições necessárias para a implementação da referida estratégia:
  • Superar no curto prazo custos de contexto da atividade empresarial  - burocracia, corrupção, lentidão no funcionamento do sistema de justiça;
  • Reorganizar o sistema financeiro...
  • Reformar  sistema fiscal
  • Avançar na consolidação orçamental,
  • Prosseguir, o apoio à investigação científica e tecnológica...
  • Adequar a formação profissional às mudanças tecnológicas em curso
  • Redesenhar um mapa de relacionamentos económicos internacionais,
  • Definir opções energéticas que sendo mais sustentáveis ambientalmente constituam um fator favorável à competitividade global da economia.
Se somarmos a  isto a imperiosa necessidade de pagar a dívida, estamos perante um programa que implica um consenso alargado, uma verdadeira revolução de mentalidades. Um programa nacional que só será possível executar se alicerçado em sólidas convicções, muito longe das conveniências dos políticos que são o pão nosso de cada dia.


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